sexta-feira, 31 de dezembro de 2004

Celebrar

as pequenas coisas que a vida nos vai dando... reconhecendo que a vitória é somente, sentirmo-nos mais vivos... e cada vez mais...




último post do ano... passado um ano... continuo a estar aqui... não no mesmo lugar... (sempre) com outros éfemeros que se vão construindo...
Não porque acabe, não porque se descontinue, mas porque a aparência passa, dilue-se, é a sua essência que vai ficando, encadeando-se num ser maior...
com um sorriso...

domingo, 26 de dezembro de 2004

Pensamento de Natal... (ou depois de casa roubada... trancas à porta!)



O que engorda não é o que se come entre o Natal e o Ano Novo

mas sim o que se come entre o Ano Novo e ... o Natal!!!*

(*) Obrigada, amiga. Ainda bem que me lembras... assim não me sinto tão culpada por termos feito um bolo com estas frutas todas

sábado, 25 de dezembro de 2004

Há exactamente um ano...

(menos uma hora) ... entrava neste lugar, pela primeira vez...
talvez porque
Lá fora ERA noite de Natal
Um ano passado...
"Lá fora é noite de Natal"... Mas aqui, dentro de mim, hoje é noite de Natal...

quinta-feira, 23 de dezembro de 2004

É Natal...


Um velho amigo enviou-me esta imagem... porque o Natal é partilha... porque nesta quadra... sempre... vale a pena tanta coisa...
para vós...
...um desejo
do tamanho do que há mais belo no mundo...

Feliz Natal

sombras?



nas sombras desenha-se a luz


não há sombra
apenas luz que o corpo absorve


no olhar, o contorno
traça-se no desejo

terça-feira, 21 de dezembro de 2004







é a tarde das areias

douradas

inauguradas

circunvolução de nós

Solstício de Inverno

O dia solar mais curto... dia 21... a partir das 12h. 42m, começa o solstício... os dias lentamente vão-se estendendo pelos fins de tarde... dando-nos o sol, a luz de que precisamos para sorrir. De repente, umas saudades de um entardecer longo, numa esplanada perto do rio, das águas.
Mais sol, mais energia para fazer, para partilhar, para viver.
Tomara que estes dez dias que faltam até ao fim do ano sejam compridos... para que uma das minhas metas ... intermédias... seja cumprida... e bem... por isso há que ir escrever e pensar... ou pensar e escrever... não aqui, para outro lugar, talvez tão efémero quanto este, talvez um pouco menos virtual...
Apesar da ausência, sei que volto pelo gosto de escrever... só preciso ter um pouco mais de tempo, de um pouco mais de disponibilidade... para seguir ao sabor dos ventos... o caminho das palavras soltas...

quarta-feira, 15 de dezembro de 2004

Regresso

do Portugal (quase) profundo... com a sensação boa de ter conseguido... mesmo no esforço, e depois ao cansaço, sobrevem a satisfação de ter feito um bom trabalho, de ser responsável por tudo - contando somente com pequenas ajudas - e esse tudo ter ficado pronto a tempo e horas. O desafio de ser a primeira vez - e ter resultado como se já fosse uma habitué [e quem o saberia ou notou? ;-)] -, a responsabilidade, o contentamento de ir vendo crescer o que sai das nossas mãos.
No fim, o que conta mesmo é a satisfação interior, regista-se os agradecimentos dos 'grandes', o silêncio dos mediocres... e a memória dos pequenos gestos de vida... e que os outros usufruam...

segunda-feira, 29 de novembro de 2004

Canção de uma tarde de outono...

Chegaste esvoaçante… trazendo contigo a luz… quis-te tanto, tanta vez… sem saber quem eras, onde estavas… aonde te encontrar..
nas águas, na noite, fechei os olhos… surgiste… e abraçaste-me… no silêncio.
foste o meu sonho sonhado… és.
és a canção que um dia cantei…
Leva-me mais uma vez, e mais outra, e outra ainda… pela noite, pelos dias…
até ao teu coração… límpido...
quero ser a tua princesa

Obrigadinha, pá!...

É o país do salve-se quem puder... os outros que se amanhem... Disse?? comprometi-me??? não sei de nada! não tenho nada a ver com isso! Já nem a boa educação de um "Lamento, mas...". Pois se até nem se lamenta nada. Que venha o meu... e o resto... que se lixe.
São os poderosozinhos com os seus poderzinhos pessoais, achando-se tão grandes... tão importantes... tão cheios de...
Desabafo de quem já devia conhecer melhor os outros, e não acreditar tanto... que possa haver generosidade mais ou menos desinteressada. Mas irritou-me a sacanicezinha não assumida...

segunda-feira, 22 de novembro de 2004

Da vontade urgente...

de fazer tantas e tantas coisas... vai-se conseguindo fazer algumas... umas sentidas como não tão urgentes assim; outras, de uma urgente necessidade interior, vão-se fazendo, gerindo tempos; outras ainda que não são bem presente... talvez futuro... e ainda as urgências de outrém...
Como em todas as urgências geram-se planos de ponderada imprevisibilidade...
Traçando linhas... riscos numa vida urgente... (e na urgência sabe bem pousar a cabeça no teu ombro e descansar, (re)temperando forças... ideias... e mais e novas urgências...)

sexta-feira, 19 de novembro de 2004

Retorno...

do Outro, eu... depois de nove meses de ausência... que bom (re)nascimento...

segunda-feira, 15 de novembro de 2004

embaranhados...

J. Pollock


Há momentos em que se tem dificuldade em aguentar os embaranhados de vida... que só pedimos para ter as responsabilidades de uma criança (ok! sei que muitas das crianças já nem têm sequer tempo para estar simplesmente... esquecidas... ou nós não as deixamos)... e poder brincar, usufruir, desligarmos de pequenas coisas insignificantes que nos ocupam tanto o tempo, ou pelo menos, o espírito. Raio de civilização esta!!! Papéis, burocracias, perda de tempo de vida em inúmeras coisas inúteis, efémeras, tão pouco criativas e construtivas...
Terapêutica: não desesperar. tentar relaxar. respirar fundo. viver os próximos momentos como únicos, torná-los especiais na sua simplicidade. Afinal são só linhas, pontos... manchas de tinta...

quarta-feira, 10 de novembro de 2004

Um pardal no chão de um café

Antes de entrar no automóvel resolveu tomar um café. Lá dentro sentiu o ambiente quente do pão a cozer. Um breve odor adocicado dos bolos. Lá fora, os primeiros frios do fim do Outono. Recordou-se dos dias de Natal passado quando entrava nesse mesmo sitio, quente, vazio, de cheiro acolhedor. Sentou-se a beber o líquido fumegante, com o olhar vagueando. Um pardalito, debicando o chão, foi entrando. Estacou em cima do tapete, largo, do lado de dentro do estabelecimento. Saltitou, debicando, como todos os pardais. Migalhas esquecidas, perdidas, caídas dos embrulhos de papel que envolvem o pão. Um pardal no chão de um café. Lembrando-lhe que mesmo quase no inverno, o sol pode brilhar no céu azul. E o pássaro indiferente saiu, debicando, no rasto de um sorriso.

terça-feira, 9 de novembro de 2004

pequena carta ao meu amor

Não me comovem apenas as tuas palavras. Tu, todo, me comoves. Por vezes julgo que não transpareço. talvez mesmo para mim, surpreendo-me a sentir-Te. Às vezes dou por mim plena de ti, pelo teu carinho discreto, pelo teu amor de certo modo tímido, pela tua atenção a pequenas grandes coisas, pela tua presença - é mais do que presença, é um estar que se confunde com o ser - quente, confiável. Sim, sinto que posso confiar em ti - se soubesses o quanto isso me é importante - mas sabes, não sabes? -. Sei que em qualquer momento difícil estarás lá - porque És! - como tens estado nestes dias. E nos dias 'leves' quero ser eu a levar-te comigo - e se for preciso, irei buscar-te mesmo ao fim do mundo para vivermos um pouco da alegria a que temos direito, juntos. Mesmo na dor, no peso que por vezes tento ocultar, mesmo de mim, que tento tornar leveza para não incomodar demasiado os outros, sei que a sentes, porque também sinto a tua, silenciosa, como a minha, e ao partilhá-la contigo, silentemente ou não, fica mais leve, mais suave, mais terna, a vida. Vida que já não é apenas minha, ou tua. São nossas.
Lembras-te do que te disse ontem? É apenas um pouquito do muito que sinto. Que te quero dar. sorrindo. sempre. perto de ti.

quarta-feira, 3 de novembro de 2004

Qualidade de vida urbana...

em 12 horas de um dia de vida passar - só! - 4 horitas no trânsito urbano/sub-urbano para fazer 80 km... que bom que é, às vezes, viver na nossa capital!!
Numa nova manhã de chuva... resta esperar melhores andamentos... e notícias internacionais mais animadoras.

quinta-feira, 28 de outubro de 2004

É fácil

dizer mal dos outros... ou pensar.
É fácil criticar negativamente, destrutivamente.
É fácil julgar a partir de meia dúzia de dados, de palavras, de 'imagens'.
É fácil o preconceito. Mesmo antes de pensar, sentir, já se sabe 'tudo'.
É fácil a dúvida. A dúvida que magoa. por ilegítima. por infundada.
É fácil considerar o outro como aparência.
É fácil ver os outros como nos vemos a nós próprios.

Difícil... é, por vezes, tão difícil estar com os outros de uma forma pura, dando-nos, abertamente. Recebendo-os como eles são. Tentando sentir o seu sentir mais profundo. Olhando-os como pares, como seres plenos de uma vida inteira, interior e exterior, sempre rica, sempre complexa, sempre sofrida, cada um à sua maneira. E, contudo, poderia ser tão fácil, tão simples... somos só... seres humanos...

segunda-feira, 25 de outubro de 2004

fragilidades de vida


é na fragilidade que se encontra o encanto, mas também a dôr do efémero,
suporte de delicadeza, macia e forte
inconstante equilíbrio, uma gota que cai, ou secará? daqui a um instante já nada será assim. mesmo que aparentemente tudo permaneça. resta o deslumbramento em cada momento...

quarta-feira, 20 de outubro de 2004

Espera

Os minutos passam. Por vezes pára o ponteiro num determinado ponto do mostrador. Avança como avançam as horas, lentamente. Aqui e ali, uma mão, uma conversa fazem esquecer o relógio. Um sorriso, um abraço - sim, o teu - conseguem evolar-nos, dali. E desaparece a tensão, a preocupação diminui, por instantes. No teu enleio carinhoso, encontro um pouco a tranquilidade. Num olhar cúmplice. Companheiro. O corredor, os corredores, nem são tão impessoais assim. Nota-se gente. Gente que não é indiferente. Por breve olhar de compaixão. Por uma palavra, que até nem precisava de ser dita, mas ao ser pronunciada, torna diferente o invólucro, transforma em humano o que era só pele. Rodeada de dor silenciosa, de sofrimento evidente, apenas acalentado por esses gestos, por palavras pequenas, esquecemo-nos de nós. O que importa é o outro. Que está em risco. Cuja vida oscila num estreita linha. Para cá. Para lá. Nem se sabe de onde. Ou para onde. A mãe de alguém que espera. Ou o pai, irmão, irmã, mulher, homem, filho. Filho é condição universal de todos nós. Saímos sempre de alguém. De alguém por quem esperamos agora. Que sobreviva, para que, de certa forma, sobrevivamos também. Para que não morramos um pouco. Para que o nosso passado, a nossa infância não fique mais longe. Para que não fiquemos órfãos das nossas vivências. Os passos acompanham o ponteiro dos segundos. Param quando paramos. Avançam connosco. Apenas porque se sente amor.

domingo, 17 de outubro de 2004

Gosto de Ti.

Amar 'deveria' vir do sentimento de gostar.
Mas pode-se amar sem gostar.
Pode-se gostar sem amar.
Pode-se Gostar mais do que apenas gostar.
e divagando... há também...
o "gosto de ti" e o teu "gosto"... o gosto a Ti.

quarta-feira, 13 de outubro de 2004

nas mãos


repouso
se nada adviesse
seríamos nós
nas mãos
enlaçadas,
a tua
tão quente enleio
em toque embalo
forte traço a jasmim
inscreve-se na pele
atreve-se nos poros
evoca-se em corpo
pleno
quieto
sem rosto ou matéria
fechados os olhos esquecemos.
somente nas mãos.


escultura de August Rodin, La Cathedrale

sábado, 9 de outubro de 2004

Les amoreaux


Les Amoreaux de la Bastille, 1957
Willy Ronis


Uma bruma de Turner em Paris captada por um fotógrafo. O segredo, não importa qual, existe sempre entre amantes. a cumplicidade em tons de silêncio. ou de pequenas falas. segredos que se guardam em duas bocas. fechadas. entreabertas. uma para a outra. uma na outra, em beijos. no desejo fruído, ou às vezes, por cumprir. As ruas são apenas o cenário que os resguarda. Elas próprias plenas de amantes ocultos, ou pelo contrário, refúgios de mágoas e de ódios pequenos. Aparências cobertas por telhados e cúpulas. Da visibilidade à neblina. A proximidade. O quase invisível. Longínquos. A distância é a medida do observador. Não do observado. Onde estamos nós?

sexta-feira, 8 de outubro de 2004

Agradecimento ao Weblog.pt

Pela distinção, inesperada, que mereceu o post "Todos os possíveis da imaginação" editado neste Lugar.
E mesmo na incerteza de ser "o post do momento", compreensível face a tantas ocorrências e polémicas actuais - extra ou intra-blogosfera - deste início de Outubro, os responsáveis da Weblog - Luís Ene e Paulo Querido - resolveram destacá-lo...
Quem sabe se, porque por vezes, quando estamos face à sordidez, a incongruências, a tentativas de manipulação e de abuso, nada melhor do que nos refugiarmos em algo que nos proporcione alguma liberdade... criativa... Terá sido?

segunda-feira, 4 de outubro de 2004

contraponto


terra tenra, veludo. madura verde.
respiras. transpiras. cresces.
não te dói o peso das casas, das fábricas, do alcatrão?
não sufocas com o tanto que te tapa?


(a propósito de um olhar sobre montes repletos de casas, de civilização 'humana'.)

sábado, 2 de outubro de 2004

todos os possíveis da imaginação



Criando traços, formas efémeras
(clicando com o rato ou simplesmente divagando...)

"Imaginar é o princípio da criação. Nós imaginamos o que desejamos, queremos o que imaginamos e, finalmente, criamos aquilo que queremos"
Bernard Shaw

quinta-feira, 30 de setembro de 2004

II


a lágrima do sorrir
a sepultou

cinza
I

Quiseram-me as lágrimas.
dei-as.
uma.
mais outra.
e outra.
demais.

até se tornarem torrente de betão.

terça-feira, 28 de setembro de 2004

Teu nome

Talvez o que se silencia, seja o que por vezes, se sinta mais fundo. Foi assim com o Teu nome. Entraste devagarinho, nem o teu nome era teu. Tinhas dois, mas nenhum era o teu, para mim. Talvez teu nome seja nenhum, nem antes, nem Depois. Existes somente. Existes em qualidades. em sentires. Nem eu sou nome para ti, em mim. Tanto que às vezes o procuro antes de o pronunciar. Alguns dizem que sem nome, as coisas não existem. Não existem porque não podem ser designadas. E se não o podem, não são. não existem.
Quando te penso, em ausência, por vezes não me lembro do teu nome. Lembro apenas. Lembro de Ti. Todo. do calor. do sorriso. do som da voz. do gesto terno. sem nome. porque não há nome tão grande assim. porque não há nome para este sentir. Como não há nome para a cor do oceano. Podemos chamá-lo de azul... mas esse nome diz tão pouco do mar, do infinito mar...

quinta-feira, 23 de setembro de 2004

quarta-feira, 22 de setembro de 2004

Espectros do fim de um dia… passado.


Sobre as nuvens, mesmo estas que avassalam o olhar, o céu límpido, azul. Desaparecerão. Desapareceram já daquele firmamento concreto. Em que as nuvens eram peças divinas, por serem trecho do universo. Como estas, as outras se esfumarão. Dissipar-se-ão pela noite. Porque o raiar do sol impera. E não fosse este registo, tão manipulável, tão frágil que pode – quase - ocultar um objecto, nada ficaria, a não ser a memória daquele momento, sob o céu de fim de tarde, de tons mágicos. É por vezes atender a aparências, tão ténues e transitórias. Porquê deter-se naquele pequeno segundo candeeiro que mal se vislumbra. Assim o quis, aqui. Esta é a minha imagem. Só existe aquilo que se sente. O que ilumina este momento, talvez não se veja. Nem o sol. Nem a breve luz que os homens inventaram para que a noite não se enchesse de fantasmas. O que alumia incessantemente é a capacidade de contemplar, o desejo de ser vida, o querer… sempre.

terça-feira, 21 de setembro de 2004

Ada Negri

Ada Negri é natural de Lodi, na Lombardia, onde nasceu em 1870, filha de camponeses e veio a ser professora primária. Os seus primeiros livros reflectiam uma consciência social que se opunha às tendências simbolistas e esteticistas dominantes no fim do século. Mais tarde, a sua poesia evoluiu para incluir uma imensa afirmação de sexualidade feminina, muito diversa da tradicional poesia de amor em que as mulheres se confinavam (Il Libro di Mara, 1919). A sua expressão (derivada das liberdades e experiências métricas de Carducci e D'Annunzio) deixou por décadas de interessar à crítica italiana, largamente dominada pelo prestígio do "hermetismos" (uma poesia sábia e intimista que se desenvolveu durante a época fascista, como um refúgio contra as orientações oficiais, se bem que muitos dos "herméticos" tenham sido eles mesmos fascistas) que ainda comanda muito do gosto poético italiano. Ada Negri veio a falecer em 1945.”


Multidão


Uma folha tomba do plátano, um frémito sacode o cimo do cipreste, És tu que me chamas.


Olhos invisíveis sulcam a sombra, penetram-me como à parede os pregos,

És tu que me fitas.

Mãos invisíveis nos ombros me tocam, para as águas dormentes do lago me atraem,

És tu que me queres.

De sob as vértebras com pálidos toques ligeiros a loucura sai para o cérebro,

És tu que me penetras.

Não mais os pés pousam na terra, não mais pesa o corpo nos ares, transporta-o a vertigem obscura

És tu que me atravessas, tu.


Aquele Que Passa

O desconhecido que passa e te acha ainda digna de uma fugidia palavra de desejo,

Talvez porque na sombra da noite tão doce de Maio

Ainda resplendem teus olhos, ainda tem vinte anos a ligeira figura deslizante,

Não sabe que foste amada, por aquele que amaste amada, em plena e soberba delícia de amor,

E em ti não há membro nem ponta de carne ou átomo de alma que não tenha uma marca de amor.

Que tu viveste apenas para amar aquele que te amava,

E nem que quisesses podias arrancar de ti essa veste que o amor teceu.

Ele, ignaro, em ti já não bela, em ti já não jovem, saúda a graça do deus:

Respira, passando, em ti já não bela, em ti já não jovem, o aroma precioso do deus:

Só porque o levas contigo, doce relíquia à sombra de um sacrário.

in Poesia do Século XX, tradução de Jorge de Sena, Fora do Texto, Coimbra, pgs. 161,162
retirado de
http://www.terravista.pt/Guincho/2482/adanegri.html

quinta-feira, 16 de setembro de 2004

águas partidas



Em represas presas águas
julga-se que dali não fogem
nem partem
Falsa idade

Vão, vêm
gotas meninas de infância
até ao mar, até ao gira-sol
imperceptíveis

libertas presas de si
por serem águas tão-só

cativas de outras liberdades
serem mães de arcos de mil íris
ventres de flor de sal

sacias sedes salinas
salgas desejos marinhos

terça-feira, 14 de setembro de 2004

sagração


ao lado os ossos de antepassados, como que abençoantes ou meros espectadores
sobre os céus que se tornaram rosas ou lilases, flores que não houveram,
apenas a planta seca à beira do caminho das pedras, de seu nome alcachofra
cardo selvagem sem espinhos ao contrário das perfumadas
sob as lajes do forte, entre as muralhas ouviram-se ecos de outrora
de batalhas e cerimónias e de festejos – faltaria talvez a caleche ou o corcel que nos levassem em glória
porquê se ainda tão pouco fizemos? ainda falta tanto … uma vida, quem sabe…
foi há mais de uma semana no cima do ermo, tendo por testemunha tudo o que já foi
ou será mais eterno do que nós
e querendo-o ser, prometemo-nos.
mais que elos prata feitos de ouro
olhares constantes.

quinta-feira, 26 de agosto de 2004

paisagem alentejana pós-moderna


dos chaparros, dos sobreiros, da planície esverdeada que se ia tornando quase queimada pelos raios solares, das longas horas que incluiam piquenique à beira barragem da sra. da rocha - com canções e pastéis de bacalhau à mistura - que bons sabores! - e, quase no fim da viagem, as florzinhas das mimosas, ou as laranjeiras de Silves carregadinhas, resta a memória. Porque o tempo urge, engrenamos na 5ª velocidade, enquanto esperamos pela 6ª. Apenas uma paragem. Sim, já não é Alentejo, mas ainda não é o Algarve. Este é apenas quando se vê o azul das águas. Entre uma casa e a outra casa, o alcatrão. A paisagem informada pela urgência. Quebrada pelos gestos lentos dentro de um habitáculo rolante, de cumplicidades. De suavidade. De carinho. Ou pelas conversas sem tempos ao sabor das ideias...
Amanhã será assim.
Finalmente, férias!

domingo, 22 de agosto de 2004

nós


Estávamos juntos, no segredo de pétalas vermelhas, na solidez do espaço interdito.
Ao fundo, uma aguarela de raios solares.
Estas são as folhas onde nos escrevemos.

quinta-feira, 19 de agosto de 2004

peças de vida

"
Todo-o-mundo
Eu hei nome Todo-o-Mundo
e meu tempo todo inteiro
sempre é buscar dinheiro,
e sempre nisto me fundo

Ninguém
Eu hei nome Ninguém
e busco a consciência

Berzebu
Esta é boa experiência:
Dinato, escreve isto bem.

Dinato
Que escreverei, companheiro?

Berzebu
Que Ninguém busca consciência
e Todo-o-Mundo dinheiro"

Gil Vicente - Auto da Lusitânia





Há cerca de 60 anos, um homem e um mulher conheceram-se. Representaram esta peça, em teatro amador. Desde que me dou como gente lembro-me desta história, deste trecho, repetida porque ainda, e sempre actual, repetida porque tem a ver com momentos únicos, de amantes.
Ontem encontrei exactamente este excerto, impresso, no meio de milhares de papéis antigos, que investigava, no trabalho. Ontem, tive mais uma vez a comprovação de que realmente neste Mundo é necessário ter algum dinheiro para sobreviver, ou para viver com alguma dignidade. Não admira que todos o procurem, mas justifica que toda a vida, nele se funde?

terça-feira, 17 de agosto de 2004

procurando o invisível...


"Porque sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura..."


Alberto Caeiro

segunda-feira, 16 de agosto de 2004

Noite vermelha

I

agarro teus beijos
transmuto-me ternura

II

surpreendes-me na ternura
- e eu com medo
do amor – palavra doida – sinto-o
calo-o na voz viva
suspendo-o em gestos largos
dados
grito de mansinho
és tu
sol ou homem
eu, sombra de lua

III

Noite quente
azul
troncos ou braços
seiva
no cerne
em botão flor
vermelha

sexta-feira, 13 de agosto de 2004

aparências e outras miudezas...

Parece que estive de férias. mas as únicas férias que até agora tirei - sim, um fim de semanita mais prolongado não são propriamente férias - foram as blogoférias. Durante este tempo... ena! quase 10 dias, foram tantos dias!... neste período, pensei fazer uma pausa. uma verdadeira pausa blogosférica. talvez crise de inspiração (afinal já são mais de sete meses, aqui), talvez a necessidade de escrever esteja a ser - e bem, se pensar racionalmente - canalizada para outras escritas, talvez a necessidade de comunicar com o mundo esteja também mais mitigada por variadas razões.
Mas o que é certo é que gosto de escrever, gosto muito, e se aqui o descobri de um modo mais intenso, continuarei a fazê-lo, quem sabe, aqui, ou sem visibilidade num qualquer caderninho... num log sem web... Gosto deste formato, de textos e imagens, gosto deste semi-anonimato, gosto dos vossos comentários, da partilha que isso implica. É estranho, mas este lugar é mesmo um pouquito de mim, porque tem a ver comigo, reconheço-me nele.
Às vezes, com o cansaço acumulado de quem não tirou ainda férias, e que verdadeiramente não vai tirar no sentido amplo da palavra, estende-se a este lugar. Como sempre nunca saberei se vou publicar amanhã e muito menos o que escreverei... mas estou aqui, agora, quebrando um bloqueiozinho... e ... depois? aqui é o reino das efémeras incertezas. lá fora, cá fora, projectos para acabar, outros que se iniciaram, outros ainda espero nunca os acabar, de inesgotáveis que gostaria que fossem. A vida que enfim se delinea em sucessivos passos... letra a letra... visível ou invisível...

quarta-feira, 4 de agosto de 2004

Sexto quê?

Por vezes sinto este instinto canino. É mais forte do que eu. Se farejo qualquer coisa, tenho de seguir o rasto... até encontrar. (Ou pelo menos, julgo que encontro.)

segunda-feira, 2 de agosto de 2004

Caminhos

Há passos que se dão com plena consciência, com toda aquela consciência que é possível ter em determinado momento. Outros, parece que são levados, guiados pelo vento. Como se não fossemos nós que os déssemos. Contudo, somos. Demo-los. Sem pensar muito, sentimos apenas os passos. Sem ainda se Ser muito. Sem se ser o bastante. É o caminho invisível. Aquele que já deixámos de ver. Que nunca vimos realmente. Apenas quando se pára. Como num cruzamento. E se olha para trás. Esse, o caminho inacessível. Todos os outros, os possíveis. A paragem não é dúvida. É reflexão. É olhar, finalmente. Para adiante. Para todos os sentidos do ‘adiante’. Parar, sentindo pela primeira vez, que se caminha. Depois… depois, cada passo torna-se uma passada mais firme, mais ciente, mais consciente. E o horizonte não se limita apenas aquele ponto minúsculo ao fim de um caminho. O horizonte … é tudo aquilo que quisermos.

sábado, 31 de julho de 2004

manhã de sábado

Sempre quis adormecer como ontem à noite. Sempre quis despertar como hoje de manhã.
Vindo do lado de fora da janela, o chilrear dos pássaros, o azul matinal, quente. Cá dentro, o aconchego. Não é só no Inverno que sabe bem.
Somente os gatos ainda não se harmonizaram de todo. (pois é, as “férias” do Gaspar têm-se prolongado).

sexta-feira, 30 de julho de 2004

sempre... apesar dos dias...

Há cumplicidades que nunca se perdem... nem perderão.

quarta-feira, 28 de julho de 2004

no regret

Se fosse hoje, também eu, não teria feito muitas das coisas que fiz. Há um dilema entre sentir que ainda bem que as fiz para poder ser desta forma e, um lamentar pelas coisas que ficaram por fazer, por viver, enquanto estava a fazê-las aquelas outras. Arrependimentos? Não, não é disso que se trata, apenas por vezes um ligeiro pesar, ou um sentimento de desperdício de vida, ou ainda um 'pudor' de escolhas menos certas. Hoje, permanecem em mim, a compreensão dos motivos e do enquadramento de tais situações, um entendimento de que apesar de tudo foi um caminho que me levou a este ponto aonde (me) observo, uma vontade mais firme de fazer escolhas de vida mais consonantes. Em cada momento. Permita-me eu a mim própria.
E olhar sempre através de um sorriso...

terça-feira, 27 de julho de 2004

O fogo e a praia

Estar na praia sob um sol escaldante encoberto pelo fumo de fogos que lavram a alguns quilómetros. O ano passado no barlavento algarvio; este ano no sotavento. O cheiro do fumo, as cinzas que caem nas areias, nas águas do mar, tornando-as oleosas da resina transportada. Folhas de aloendro queimadas, arrebatadas, que voaram distâncias para nos tornar mais visível o inferno de alguns enquanto nós descansamos calmamente na praia. Situação absurda. Como podemos assistir de um modo tão impávido? Aqui e em tantas outras condições. Onde está a nossa revolta, a nossa solidariedade, o nosso contributo? Achamos mesmo que não podemos fazer nada? Que este mundo não é o nosso?

Imagem de: James Kaler, Astronomy Department, University of Illinois

segunda-feira, 26 de julho de 2004

há pequenos sonhos que nos vêm de tempos que nem conseguimos definir. pequenos porque apesar de não serem imprescindíveis, os ‘alimentamos’ carinhosamente, que fazem parte de uma qualquer imagem que nos faz sorrir, que faz parte de um ideário adolescente que não concretizámos. são sonhos que se confundem com desejos. quando de repente, eles se concretizam, inesperadamente (embora sempre esperados, no fundo), ainda para mais, envoltos numa espécie de manta onírica, beliscamo-nos? sorrimos? acreditamos que “finalmente!”? sem dúvida, permanecerá… em mim… num cantinho onde guardo também a presença do senhor de barbas brancas que costuma aparecer a 25 de dezembro… ou noutro dia qualquer…

quarta-feira, 21 de julho de 2004


Aonde repousam as palavras neste mar, neste luar?

segunda-feira, 19 de julho de 2004

Dia azul

Estavam sentados a cerca de metro e meio um do outro. Liam. O sol deixava o seu calor abafado atrás das paredes. Lá dentro, uma temperatura agradável, cheio de luz azul que entrava pelas janelas. Levantou o olhar e pousou-o no seu rosto. Absorto, ausente de qualquer realidade que não fosse aquela, entre muros. Suave, como se a pele fosse carinho. Sorriu. E talvez fosse esse gesto, quase imperceptível, que o fez também levantar os olhos. Encontrando-se algures, não a meia distância, mas em cada um deles. Sorriram. Tranquilos. Intensos.
E retomaram a leitura. Dessa vez.

sábado, 17 de julho de 2004

mutações

Escreveu
a terra tremeu…

riscou


as árvores
desprenderam-se

irrequietas


alaram-se


a terra estacou
branca

sexta-feira, 16 de julho de 2004

odores & humores

saio para comprar pão. no jardim da casa ao lado, um homem rega. atraso o passo. inspiro. aquele cheiro a terra molhada.
no café-padaria. emprenha-se no ar o sabor a pão acabado de fazer. as cores do pão. o tostado. o mais claro, do mal cozido.
não resisto. vou à secção dos bolos. uma bola de berlim. com creme, claro. nunca, até ao ano passado, tinha apreciado o dito bolo. foi durante as férias, na praia, ao ver passar pelo areal, o sr. "Cavaco das bolas" que ganhámos o bom costume de as comprar. Como sabiam bem depois de um belo banho! E eram saborosas, cheinhas de creme. (no último fim de semana, hummm, matei as saudades, embora não fosse o sr. cavaco a vendê-las). Mas regressando ao presente... a empregada atende-me. Já pela segunda vez, dou comigo a constatar e a pensar isto. É irritante, porque nunca sabemos o que nos vai surgir, aquelas pessoas que mudam constantemente de humor. Um dia, são sorrisos, outro carrancudas, parecendo que 'todos lhe devem e ninguém lhes paga'. Claro que se compreende as variações de humor, nem temos de estar bem dispostos todos os dias, mas podemos tentar não descontar para cima dos outros, ou mal falar entre dentes. Paciência!!! vou saborear a minha bola de berlim.

terça-feira, 13 de julho de 2004

Um dia julgámos que estar com o outro era esquecermo-nos de nós… para que queríamos a nossa própria presença senão para tornar a vida de outro mais viva, mais presente em nós próprios? Perdemo-nos em nós próprios, de nós próprios… caminhos sem sentidos… tropeçando em pedras, quase nos tornando insensíveis à dor, de tanto que doía. Ausência de nós mesmos. Sorrisos havia-os, apenas morriam nos lábios, porque era lá que nasciam, na superfície de um desejo insano. Deixou de ser alma. Deixou de ser corpo.
E no corpo nasceu alma. Ou talvez o inverso. Sabe-se lá. E ganhou corpo e alma. Alcançámos alma e corpo. E se há sorrisos, é porque nascem da alegria. E na sua falta, o olhar não é pelo outro. Apenas pelo outro. Para o outro. É com o outro. Presença de nós. Inteira. Olhar através do outro. Para olhar o mundo. E sermos maiores do que nós.

segunda-feira, 12 de julho de 2004

Que belo fim de semana!

Depois de meses que bom é sentir nos pés as areias da praia, avançar para a beira-mar sentindo o corpo cálido pelo sol, pelo toque daquele corpo quente e vivo, e entrar nas águas um pouco frias, mesmo sentindo os arrepios provocados pelo vento que varre a praia até ficar quase sem rastos. Um passeio prolongado, de descoberta, de partilha de passos passados, de reencontro de pedras e conchas, de dunas e molhes, pisando areias molhadas daquele mar que nos envolve cadenciadamente. Sentar numa esplanada, sem tempos, estando, falando quando as palavras urgem, desfrutando o vaivém de pessoas, sorrindo, porque estamos felizes. E aqueles jantares saborosos, lentos, tranquilos, feitos de disponibilidade para a vida. Depois mais um passeio, ruas movimentadas em mansos caminhares, sem rumo definido, olhando aqui, além, ouvindo vozes que se aproximam para logo se afastarem, por vezes com rostos mirados, outras, apenas as vozes. O som de férias que ecoa na urbe balnear. E ainda, o silêncio do sono, tendo apenas por vizinhos, os pássaros, um cão ao longe, ou mesmo um galo que desta vez não cantou, ou foi o sono que o emudeceu. Por vezes a poesia sai das palavras e preenche a vida. Os nossos pequenos momentos de vida.
A distância, sim, pareceram tão longínquas, decisões, desilusões, demissões e mortes. A morte de uma grande pessoa. De uma Mulher que transbordava vida quando falava, porque acreditava. porque sonhava.

quarta-feira, 7 de julho de 2004

A minha gata e o Gaspar

Desde que tinha um mês de idade, a minha gata nunca esteve em contacto com outros animais. Mesmo com pessoas é um pouco associal, não que agrida, mas não permite normalmente grandes contactos… é um pouco bicho do mato com os outros. Comigo é terna e meiga, mesmo mimada. Sim, dei-lhe mimo, muito, mas também se não o dermos a quem gostamos, vamos dar a quem? Dei-lhe mimo, mas também limites – anda por toda a casa e nunca partiu nada. Há 5 dias atrás, a minha gata teve uma grande surpresa… recebeu a visita, para passar umas 'férias', de um gato, o Gaspar. Preto, brincalhão, meiguinho, de vez em quando com uns repentes… Estava curiosa relativamente à reacção dela. O primeiro contacto, a cerca de dois metros, resultou em ‘bufadelas’ e eriçamentos.
O Gaspar, sabendo-se em território alheio, desviou o olhar, deitou-se, manteve obedientemente – que remédio! – a distância. Qualquer tentativa de aproximação era rechaçada com semelhantes e enérgicas bufadelas e rosnares. Pareciam dois felinos selvagens em interacção numa qualquer savana africana. E eu que não sabia que tinha esta ferinha em casa! Ao longo destes 5 dias, a distância entre eles tem-se vindo a encurtar… já os vi a cerca de 20 centímetros, por breves momentos, e quando a minha gata acha (julgo eu) que ele está mais confiável e mais calmo; mas esta situação dura pouco, logo ele ‘abusa’ e recebe um aviso bem sonoro da parte dela… e recua. Por vezes, como agora, ele olha-a ternamente (estarei a antropomorfizar demais?), quieto, paciente, como se aguardasse o momento em que ela finalmente o deixará brincar – não, não há problema desse tipo, o Gaspar foi, infelizmente para ele, castrado -. Segue-a perseverantemente, regulando a sua distância consoante o humor dela. Fica desolado quando ela o repele, tanto quanto ela ficou ao vê-lo apropriar-se dos seus sítios de estimação… como a minha cama. Ontem dei com ambos na cama… um aos pés, outro à cabeceira, a dormirem… grande vitória, para quem quase não dormiu nas primeiras horas, tal era a vigilância a que se forçava. Daqui a uns dias, o Gaspar vai-se embora. Eu vou ter saudades de o ter cá em casa… e a minha gata? sentirá saudosamente a sua falta? ou ficará feliz de finalmente poder reocupar todo o seu território?

domingo, 4 de julho de 2004

hoje é o teu dia especial, Amiga…

Talvez a amizade seja mesmo o estar apenas juntos, partilha e cumplicidades, por vezes silenciosa, outras, confidências. Aceitar e compreender. Ver livre o percurso do outro, sabendo que se está aí quando se precisa. E as despedidas nunca serão definitivas, apenas um até já, mesmo que durem meses ou anos. E ao sentirem-se saudades, elas são mitigadas por um tranquilizador estou bem. Ou, caso contrário, uma certeza de há sempre uma palavra, um gesto que acarinha. Um sorriso quando nos lembramos de pequenos momentos, dos dias e dos anoiteceres prolongados pelas conversas… pelo gosto distendido de estar, lentamente, descontraidamente, superficial ou profundamente.
Sendo-se, apenas. Nós e o nosso amigo.

sexta-feira, 2 de julho de 2004

incessante renovação

Em cada dia um tão minúsculo passo que parece que nada muda, ou pelo menos, tão pouco. De repente, olhamos, não para ontem, mas para muitos dias atrás, e as palavras já são diferentes, e as mesmas palavras nos ecoam tão distintamente, como novas. O olhar renova-se como percepção original. O sentir, apesar de serem os mesmos neurónios, músculos, tendões – serão mesmo? não, nem isso, se pensarmos na renovação celular – transmuta-se não apenas pelos, ou através, dos objectos/estímulos diversos, mas pela construção evolutiva de nós próprios.
Nem de propósito! Acaba de nascer a primeira filha de um ‘velho’ e bom amigo. Que tenha a sua bondade...

quinta-feira, 1 de julho de 2004

um dia especial?

Talvez hoje seja um dia especial, talvez não seja assim tanto. Talvez tenha aprendido, com os anos, ou ultimamente, que muitos dias – não todos – podem ser dias marcantes. Pode não ser apenas hoje. É preciso que sejam muitos hojes. Dias que marcam, dias que afectam, dias que acontecem devagar, outros mais velozmente, dias que surpreendem, dias em que a rotina é saboreada calmamente. Não importa sorrir apenas num só dia por ano. Que esse dia seja a continuidade, o aprender a estar que resulta de todos, de muitos dias anteriores. Um sorriso recebendo o dia de hoje, mais uns quantos que virão. Partilhando-o sempre.
Mesmo assim, sendo um dia tão especial como outros (sendo sincera ou talvez apenas emocional, é-o um bocadinho mais), daqui a um ano – gostava de fazer algo ainda mais especial.

segunda-feira, 28 de junho de 2004

águas primeiras


Como se a ventania fosse serenidade, e o prateado reflexo das águas, corpos esculturais acobreados. O tempo dos ventos que leva numa vontade incerta, a matéria suave a moldar. Nem o marulhar da crescente maré apagaria a tranquilidade deste encontro em plácido entardecer. Existiu? sendo esta, imagem invisível, torna-se em sentir, momento encantador, presença incessante detida não sob, mas sobre densas pedras.

sábado, 26 de junho de 2004

meio ano

Há seis meses... já!... iniciava este lugar, numa noite de natal. O nome depois de algumas meditações e nenhuma conclusão, surgiu no próprio momento em que abria pela primeira vez, o blogger. Era para ser só Efémero, já estava ocupado. De repente, a ideia Lugar Efémero, porque seria um lugar - site -, mas um sítio especial, habitado. vi curiosa e recentemente no dicionário:
“Lugar, espaço ocupado por um corpo.”
Este é um espaço sem dúvida. Espaço tão ou mais real para mim, do que muitos outros. mas não um espaço vazio. Um espaço ocupado por corpos, corpos com e sem matéria visível.
Efémero. Porque se a nossa navegação por estes outros mundos já é tão breve, esta daqui com a sua imediatez, com o seu ‘consumo’ por vezes célere demais, torna-a ainda menos perene.
E além disso, em termos temporais, nunca predefini um limite. Podia ter acabado nesse mesmo dia. E desde então foi o escrever dia a dia, sem fazer a mínima ideia do que se escreverá nesse mesmo dia, e muito menos no dia a seguir – se é que se escreverá mais…
E nestes seis meses, a descoberta de muitas coisas… importantes… o gostar de escrever, de um modo mais rigoroso e claro, e também criativo, as pessoas com que me cruzei, os laços, por vezes quase invisíveis, mas sentidos, que se estabelecem. ‘Umbiguisticamente’, uma memória que perdura de forma mais perene de mim, em mim… lembrar o dia que se escreveu aquilo por esta ou aquela razão… há uma memória de nós próprios que permanece, em que o passar dos dias efémeros fica registado, qual diário, para mais tarde recordarmos estes nós destes hojes sucessivos. É isto importante? não sei. Sei que é bom lembrar os momentos bons… e estes aqui, frente ao ecrã tem-no sido. Comigo. Convosco. Obrigada.
[este post está com um dia de atraso, mas é o que se pode arranjar dado os inúmeros afazeres]

sexta-feira, 25 de junho de 2004

nós e o euro

Ontem inesperadamente encontro-me na rua com os 'manifestantes' das vitórias do euro2004. Tanta energia! - desperdiçada? - Sem querer ser desmancha-prezeres, até porque gostei que ganhássemos, não há dúvida que qualquer pretexto - e o do futebol é rei -, é bom para nos alienarmos alegremente... ou empenharmo-nos em empreendimentos exteriores a nós próprios, à nossa vida 'real'...

desabafo 2

O trânsito continua caótico. Quando é que vão/vamos todos de férias? (para apanharmos mais uns engarrafamentozinhos no algarve)

desabafo

Como dizer, de um modo educado e sem ferir susceptibilidades, a pessoas solícitas e simpáticas, mas extremamente faladoras, Calem-se, posso trabalhar sossegada??
Porque é que as pessoas precisam de estar sempre a falar (ou a fazer blábláblá)?

quarta-feira, 23 de junho de 2004

teus dedos





vejo no olhar de uma fotografia antiga, sonhos. olhos translúcidos. a seriedade de quem utopicamente quis mudar alguma coisa, oferecendo-se de corpo e alma… inteiro. em silêncio. ou apenas quis cumprir-se pela dádiva, numa luta com moinhos de ventos ou moinhos de asas. hoje, mesmo em olhos fatigados, permanecem laivos de ternura, ampliada em gestos simples. de carinho com mãos grandes, generosas. alguém que sonha poder dar um pouco de felicidade, nem que seja através do respeito ausência, da compreensão silente. singularidade frágil.

terça-feira, 22 de junho de 2004

Uma aula...

poderia ser apenas tempo de balanço. mas esta aula foi bem mais do que isso. o culminar de um aprender a ver, não somente a olhar. ver desmontado o que está por detrás de um acto criativo. e desta forma se espande o horizonte... sabor a pleno.

estes dias

desperto ou adormeço cheia de ideias, como se o sono e o sonhos fossem gérmen de vida e a vigília um progressivo cansaço – assim que me lembro, logo esqueço, como flutuando num oceano de ideias esvoaçantes; retenho aqui e ali algumas, importantes para a vida académico-profissional, a maioria voga (as ‘boas’ ideias para o blog como que se evaporam, se demoro um pouco mais a pegar no papel). parece um esgotar direccionado de neurónios. preciso de férias, mas só as terei, das autênticas, em finais de Outubro. até lá, o que me sustenta, julgo, serão as sensações de olhares espantados, as breves e intensas emoções que constroem, a motivação de gostar de fazer as minhas mil e uma coisas – interpoladas pelas complicações e dificuldades da vida de outros, também parte da minha, situações que existem já ou sei que virão dentro em pouco… não há-de ser nada…
Não esquecer: um novo suporte para pintar… reciclando desperdícios existentes. como é que eu ainda não tinha pensado nisso?! será que vai resultar?

segunda-feira, 21 de junho de 2004

peguei na tua mão
- como teu corpo -
e entre beijos
desabrochou
corola

domingo, 20 de junho de 2004

búzio


que bom sorrir e oferecer esse sorriso como miosótis azuis. quando a ternura invade os labirintos julgados cercados. que bom falar quando as palavras despontam de um cerne segredo inconcebível. como se as palavras só se tornassem palavras no exacto momento em que o sentir as torna formas. que bom prolongar um gesto e tocar num olhar. íman da raiz do sol. adormeço no regaço de um búzio.

sexta-feira, 18 de junho de 2004

vaga de afectos


e sobre um mar plácido emergem flores de ternura, transparências delicadas, de puras cores, como num quadro nabi. sons azuis, gestos laranjas, âmagos escarlates, respirações esvoaçantes, dança comunhão de alegrias, olhares de afectuoso cuidado.

quinta-feira, 17 de junho de 2004

acordar

um fio de água percorreu-lhe uma parte do tronco, como se fosse a carícia de um só dedo. leve, tímido, hesitante. talvez fosse isso que a acordasse. algumas das gotas que envolviam o seu corpo uniram-se formando aquele riacho digital desejado. acordou alagada no seu próprio suor, mas pelo menos a febre tinha baixado. sentia-se mesmo quase fresca, apesar do corpo molhado, dos lençóis húmidos. deixou-se estar deitada mais um pouco, auscultando o seu corpo. corpo moído de estar tanto tempo deitada, corpo dorido das dores, corpo dorido do colchão, corpo dorido do cansaço de estar meia viva. era assim que se sentia. meia viva. sentia o raciocínio embotado do sono provocado pela febre, dos medicamentos. como detestava esta sensação de não conseguir estar desperta para o mundo, de não poder olhar. de não poder fazer. do sentir, uma leve sensação semi-onírica, que ainda lhe parecia mais irreal pelo carinho com que a mimavam. rolou o corpo para a outra metade da cama, mais seca. ainda assim não encontrou uma posição confortável. levantou-se devagar. foi até à janela ainda fechada. abriu-a para receber o sol. semicerrou os olhos por tanta luminosidade. como tinha saudades do sol, de o receber no rosto. do seu calor, do sol forte e quente que já sentiu na pele, como um afago, como desejo, como abraço. do sol que a modela em água e luz. sorriu e inspirou uma centelha de vida.

terça-feira, 15 de junho de 2004

matinal


Sigo as aves sem nome
em voos de brandas manhãs


Das sombras
perdem-se cinzas ardidas
sobre as areias juvenis

domingo, 13 de junho de 2004

dias de voto

Há 29 anos fomos todos votar… mesmo quem era de palmo e meio, como eu… mas lá fui, a 25 de Abril de 1975 (se não estou enganada) pela mão de meus pais. Era ainda o entusiasmo ingénuo, o acreditar que mudava qualquer coisa… e até mudou muito, bem vistas as coisas. Estava uma bicha (sim eu sei que agora se costuma dizer fila) que dava a volta ao edifício da escola primária. Era de manhã, claro, não fosse o ‘nosso’ voto fugir, ir-se embora por um qualquer destino imprevidente. Estávamos todos tranquilos, pacientemente à espera que chegasse a ‘nossa’ vez, mas ao mesmo tempo havia uma ansiedade no ar… (realmente o que as crianças vêem e sentem! e a memória, a estranha memória que vai ficando algures em nós, marcando-nos). Era para (quase) todos a primeira vez… a primeira vez verdadeira. – ia começar algo de novo -. para mim também. julgo que foi dessa também, a prima vez que vi um boletim de voto na ‘casinha’ onde se votava. meu pai mostrou-mo. Às vezes não encontramos palavras para descrever algumas situações, esta é uma delas. Simplificadamente, apenas que me lembro, tão bem. de tanto, desses momentos.
Bastantes anos depois, então fui eu. E dessa, a memória já não é tão visível. julgo que fui com a minha irmã – um ano mais velha, mas também ela pela primeira vez. mas recordo o traçar a cruz no quadrado. E desde então uma série delas. Só não cumpri o meu ‘dever cívico’ umas duas vezes, por ausência física do local de recenseamento.
Hoje mais uma vez. Hora de calor, depois de almoço, não almoçado. mesmo assim, muita afluência (na minha mesa de voto até às 14h. já tinham votado 19% dos inscritos, nada mau), e continuaram a chegar.
(quando já vinha para casa, tive um dos meus pensamentos absurdos: e se algumas das bandeiras que vimos por aí, fossem mesmo por Portugal, e não pelo futebol? – numa vontade de sermos realmente melhores)
Porque voto? porque sem acreditar, ainda continuo a crer. porque há coisas que não podemos renegar. porque fazemos tão pouco pelo nosso país, que isto seria/é o mínimo. sim, também por todos aqueles que não tiveram nem ainda têm voz (nem que seja este breve sussurrar, indício de vozes mais sonoras e livres). porque não votar é desistir, é desinteresse, é permitir que decidam por nós (sim, sei que já decidem, mas pelo menos sabem que estamos cá), é abdicar da possibilidade de sermos ainda mais interventivos.

sábado, 12 de junho de 2004

criador e criaturas §4





"Quando se cobre uma superfície de cores é preciso poder renovar o jogo indefinidamente, encontrar sem cessar novas combinações de formas e cores que respondam às exigências da emoção”






Pierre Bonnard

cit. por Mário Dionísio (1951), Encontros em Paris, Coimbra: Vértice


sexta-feira, 11 de junho de 2004

passeio no parque

Ontem, visita à feira do livro, no último dia. Acontecimento anual já ritualizado. Apenas duas vezes este ano. Há coisas de que necessitamos como constantes… coisas que vão ligando os anos que passam, que nos passam. A visita à feira é uma delas, não sendo bem uma ‘necessidade’, é algo mais da ordem de um certo prazer… o caminhar entre livros, ao ar livre, naquele espaço com a amplitude até ao rio… (só ontem reparei que o alto do parque fica quase ao mesmo nível do topo do Sheraton)… o verde… (este ano muito descuidado, a relva maltratada, cheia de ervas selvagens, sem flores a colori-la. não gostei). O agarrar em livros, desfolhear alguns, rever outros, alguns já comprados, outros que ficam sempre em suspenso: talvez para o ano o compre. O confronto e uma certa frustração de se saber não ter tempo para ler tudo, ou muito, do que se gostaria. E o trazer alguns para casa… ‘objectos’ especiais a que ficamos ligados, formas vivas que nos tornam mais inteiros… Um deles, a poesia do Torga, será oferecido dentro de dias a alguém com quem partilho, com demasiado silêncio, interesses e paixões, meu pai. Também aqui quis compartilhar um fragmento deste livro.

Confidencial

Não me perguntes, porque nada sei
Da vida,
Nem do amor,
Nem de Deus
Nem da morte.
Vivo,
Amo,
Acredito sem crer,
E morro, antecipadamente
Ressuscitado.
O resto são palavras
Que decorei
De tanto as ouvir.
E a palavra
É o orgulho do silêncio envergonhado.
Num tempo de ponteiros, agendado,
Sem nada perguntar,
Vê, sem tempo, o que vês
Acontecer.
E na minha mudez
Aprende a adivinhar
O que de mim não possas entender.


Miguel Torga, Poesia completa, Publ. D. Quixote

quinta-feira, 10 de junho de 2004

sentidos de vida…

uma vida só faz sentido quando plenamente vivida… o significado da morte, apesar da nossa busca milenar incessante, ainda não o alcançámos… talvez esteja apenas na própria vida…
talvez o sentido da vida esteja apenas ligado à própria vivência da vida. da própria, de cada um, de todos nós, humanidade.
não sei se todos sentem esse sentido de modo consciente, ‘trabalhado’. ser pessoa é difícil. requer demasiado esforço, empenhamento, confronto consigo mesmo. é algo vivenciado num decorrer diário, constante da própria vida. em conflitos parcialmente resolvidos, mas sempre em aberto, sempre questionados, de nós mesmos face a certos valores, a certas atitudes que nos tornam, ou não pessoas. – e é tão fácil alhearmo-nos de nós mesmos!
talvez haja, em vários pontos cruciais da vida, ou num apenas, um 'momento de verdade'. talvez por isso alguns desesperem no confronto com a sua própria morte - ou com a morte dos outros, espelho antecipado da sua -. talvez por isso outros sorriam, não por acabar essa existência finita e efémera, mas pela consciência de que a tornaram em si mesmos, porque em si mesma ela é (foi), uma vivência infinita e eterna.

segunda-feira, 7 de junho de 2004

lembro






o vento na mão. aberta.





habito hoje este lugar que não será o meu.
lágrima longa. quase rasgada. perdida. palavras mudas. ternos ecos em espaço infinito fechado. deslumbradas de luz. como_vidas. prometidas.

domingo, 6 de junho de 2004

um passo apenas…


há mais de dois anos uma exposição no centro de arte reina sofia… pinturas… desenhos… a tinta da china de Gao Xingjian… prémio nobel da literatura em 2000.

um passo de aproximação, na altura julgado com outro sentido… sem consciência de que um percurso se faz de passos insuspeitos que se interligam e que afinal não podiam deixar de ser feitos, no resgate de medos, na liberdade de se continuar a caminhar.

paisagens surreais inacreditavelmente reais quando nelas passeamos. e toda a irrealidade surge ao pensá-las, e simultaneamente tão mais compreensível. e quadros de manchas e riscos adquirem significados vivos e tonais.

um (re)canto de memória num sorriso só

sábado, 5 de junho de 2004





és meu

canto mais triste

lírio

sexta-feira, 4 de junho de 2004

absurdo…

Na última imagem que de ti vi
galgavas o parapeito da janela do telhado
sítio de cigarros e cumplicidades fraternas,
estavas nu, sabia-te corpo e esbelto e ágil
animal felino natural trapezista em barro inclinado.
Antes do absurdo terminar,
sim, todo este tempo sonhámos um absurdo possível,
absurdo refreado como a paixão negada,
antes de retomarem os ruídos do aspirador
de já intoleráveis vizinhos,
ainda pedi, imperceptível, senta-te no parapeito
sei que o disse e mais pensei
senta-te olha-me sê e o fim
tornou-se mais mudo do que o seu princípio.
Ias cortar um tronco de macieira com bagos de ameixas
escarlates, por nascer, crescido por dentro da casa
no quarto ao lado do quarto que era da saudade
acabada apenas porque já o tinha sido.
Tocámo-nos ao descobrir as minúsculas folhas
perguntando É? Será?
Descemos e voámos nas escadas antes de saltares
para cuidar de um tronco que não saía de uma casa
que o acolhia completo vegetal de verde nascente.
Tinhas mirado os pincéis, godés, tubos usados retorcidos
expostos no caos disperso, agarraste numa das quatro paletas
teimámos e levaste-a contigo tentando arrancar a tinta
que era já a sua superfície.
Lá em baixo, ouvíamos uma amiga e sem querer
querendo-o há tanto, recuei e sem te abraçar
abraçaste-me com a gentil força que desconheço
eternidade de segundos, caminhados depois, sentidos
separados percorrendo as escadas da mansarda
de paleta pintura nas mãos, de seda chinesa cobrindo-te
a pele sedosa pressentida olhada sem ver. Deixaste-a tombar.
E ousei perguntar tenho umas calças brancas de linho
quase o disse envergonhada pela vergonha que não nos existia.
E distanciando-te no corredor do quarto, subindo ao banco
de madeira embutido na parede velha, agarraste-te às telhas
e eu agarrei-me ao corpo de mim que batia acelerado.
Olhava-te sem te ver pedindo-te muda
para neste absurdo seres tu a ver-nos.

quinta-feira, 3 de junho de 2004

para que serve o Amor?

Amor
ou estratégia de preservação da espécie, na linha de “O gene egoísta” (de Richards Dawkins)? Não bastaria para isso o desejo físico ou o cio?
ou mecanismo ‘sofisticado’, interiorizado culturalmente, ‘sublimado’, de sobrevivência (individual e colectiva) numa sociedade cada vez mais individualizada?
ou necessidade interior de partilha, de mitigação de um sentimento de solidão intrínseco ao ser humano?
ou desejo de Imortalidade e de perpetuação, através da (pro)criação no belo, como disse Diotima a Sócrates, no Banquete de Platão? – a criação, o gerar no corpo e/ou no espírito, algo que nos engrandeça, que faça extravasar a nossa exiguidade?
ou a procura incessante da nossa (suposta) outra metade perdida (a que a mesma Diotima se refere aludindo à lenda citada por Aristófanes)? – desejo reflectido por sentimento de incompletude?

Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples
(…)”
E. de Andrade

Exposição de Nuno San-Payo

É hoje inaugurada uma exposição de pintura de Nuno San-Payo que contará com a sua presença.
Figura representativa da 2ª metade do século XX, nasceu em Petrópolis (Brasil) em 1926. Licenciado em Arquitectura pela ESBAP e ESBAL.

Fez parte da Direcção da Sociedade Nacional de Beles Artes durante 16 anos. Participou em júris de concursos e mostras de arquitectura, pintura, medalhística e fotografia. Ilustrou livros, desenhou para revistas e jornais periódicos, fez banda desenhada e realizou cenários e figurinos para o cinema.
Ganhou prémios em concursos de arquitectura, de pintura e de cartazes.
A obra do artista encontra-se representado em diversas colecções importantes: Fundação Calouste Gulbenkian, Museu do Chiado, Museu do Neo-Realismo, Museu Municipal do Sabugal, Ministério da Cultura, Caixa Geral de Depósitos, EPAL, Colecção de Arte Moderna do Funchal, Secretarias de Estado do Comércio e da Indústria, Câmara Municipal de Góis, Galeria de Desenho do Museu Municipal de Estremoz, sendo apontado como uma referência na pintura contemporânea portuguesa.

A exposição estará patente até 17 de Julho, na Galeria de Exposições da Biblioteca Municipal de Vila Franca de Xira.

desejo ou envolvimento afectivo…

Poucos estudos há em termos de Psicologia do Amor (e os existentes com uma certa credibilidade têm cerca de uma década). Existem sim, sobre Sexologia, alguns outros sobre a Psicologia do Comportamento (comportamentos mais ou menos explicitados) ou mesmo a nível da Sociologia do ‘Amor’. À semelhança de outras áreas, a divisão entre o visível e o invísivel, entre uma consciência mais ou menos racional, ou racionalizada, e o sentir, manifestou-se também quando se pretendeu estudar aquilo que chamaria, não Amor, mas envolvimento afectivo entre duas pessoas. Mais do que os ‘cientistas’ e investigadores, foram os artistas, os escritores que mais abordaram este tema. E com as devidas ressalvas de se poder considerar, ou não, o Amor um fenómeno recente, essencialmente (re)descoberto ou valorizado a partir da época romântica (portanto, com pouco mais de dois séculos), e de datar da mesma altura a Psicologia como (suposta) ciência, é certo que foram e ainda são, em grande medida, os criadores (como antes também alguns filósofos) que intuitivamente e de um modo mais completo, abordam e descrevem os sentimentos associados, ou designados por amor.
O racionalismo científico não se tem coadunado bem com algo de tão subjectivo, individual ou idiossincrático como os sentimentos, os afectos, as emoções… Talvez com a mudança de concepções que se entrevêem nos últimos anos, hajam alterações…
Sobre o post anterior, será que aquele sentir é exclusivo ou predominante no homem? não terá havido mudanças substanciais no modo da mulher viver a sua sexualidade que implicaram consequentes alterações na forma como estabelece os seus relacionamentos? Embora os estudos apontem para um maior envolvimento afectivo (ou desejo de) no caso feminino, não haverá cada vez mais casos contrários? Isto é, relações mais 'desprendidas', tendo como objectivo uma relação física? E não estão os homens, em certa medida, a fazer o ‘caminho inverso’, ou seja, a optarem progressivamente por sintonizar o seu comportamento relacional aos afectos?
E nesta sociedade de Desejo (de desejos, do desejo), fala-se, anseia-se cada vez mais por Amor… seja lá o que isso for…

quarta-feira, 2 de junho de 2004

...leveza...

"Thomas pensava consigo próprio que ir para a cama com uma mulher e dormir com ela são duas paixões não só diferentes como quase contraditórias. O amor não se manifesta através do desejo de fazer amor (desejo que se aplica a um número incontável de mulheres), mas através do desejo de partilhar o sono (desejo que só se sente por uma única mulher)."


A insustentável leveza do ser, M. Kundera


terça-feira, 1 de junho de 2004

delírios ou pétalas


o tempo da magia acabou. tempo de empatia. a magia da empatia. como se faz para voltar a acreditar no pai natal – inocência metamorfoseada? sabendo que ele não morreu, nunca morrerá, que surgirá sob as vestes de um outro fantasma inexistente, objectivamente inexistente. subjectiva e inacreditável credulidade. esfuma-se. volta a surgir naquele mesmo lugar ou mais além, sob as mesmas roupagens ou outras, pouco importa. delírios de quem sonha que uma flor será um dia apenas flor, sem nome, sem rosa, só essência de pétalas.

chorrilho de reclamações para a Netcabo

telefono para a Netcabo para mudar de ‘pacote’. Telefonema que é a pagar e com taxa agravada, ou seja, um ‘mimo’ especial para os clientes. A ligação é logo feita, claro, mesmo que fiquemos em espera – pois assim vão pingando os minutos para eles e para a comadre PT. Habituados a nos darem música já todos nós estamos – mas ouvir uma publicidade ruidosa, de mau gosto, absolutamente intrusiva para os meus ouvidos, ah não, não estou!!! Posto isto, assim que fui atendida por uma voz humana, despejo: quero já fazer uma reclamação pelo modo como fui atendida, antes mesmo de ser atendida; uma pessoa paga, e ainda tem de estar a chupar a vossa publicidade?! E agradecia que assentasse aí esta minha reclamação. Depois de uma série de pedidos de números e identificações, ainda me me lembro, no fim do telefonema, de mais uma – já agora também pode assentar mais esta reclamação - a vossa vergonhosa página da net de acesso ao serviço quer de mails, quer de consumos, quer de outros serviços (como este que tive de usar o telefone e não a net) – francamente já não se usa uma tal falta de interactividade… São as nossa empresas (semi-)públicas de tecnologias de informação a funcionar?!

segunda-feira, 31 de maio de 2004

voos circulares

deixo cair as pálpebras imensas
lentamente olhando-te
para não te ver
não ver o que não consegues revelar
sigo o voo circular
(estamos quase no verão,
aonde é a sombra
da tua casa?
andorinha)
foges do sol, da estrela nocturna
ardida numa quietude desenfreada
esqueces o crescente da lua
hábito espelho de luz
(lá um dia também houve água)
voo atordoado múltiplo
de asas quebradas
és viajante prisioneira de um só lugar
ignoras que na nuvem branca, só ela voga
lá dentro, rolas húmida incerta
julgando-te voar

domingo, 30 de maio de 2004

o que se conhece dos outros?

- gosto tanto de a ver!
- obrigada.
Tinham-se encontrado à porta do prédio. Nunca tinham trocado mais do que meia dúzia de frases. Conheciam-se há mais de 10 anos. Vizinhas. Três andares a separá-las. Uns quantos anos também. Cumprimentavam-se, sorriam-se, falavam sobre o tempo, sobre os animais de estimação ou qualquer outro assunto supérfluo.
- gosto mesmo. está tão diferente. dá gosto vê-la.
- obrigada. realmente emagreci bastante, sinto-me mais…
- nem é isso.
Nem se podiam tratar pelo nome. não o sabiam. Aparentemente só se conheciam pelos traços exteriores.
- não é isso. está mais magra, é verdade. muito mais. mas agora tem um outro ar.
um sorriso era a resposta suficiente.
- está tão diferente, mais leve, com um outro brilho… no olhar… no modo como se arranja… o gosto de… está outra. às vezes custava vê-la… pela tristeza, estava… ainda bem… fico feliz.
Por resposta, um sorriso, emoção quase incrédula, a interrogação muda: - era assim tão visível?
O elevador tinha parado. Saiu e segurando a porta do elevador, olhando-se nos olhos, ternamente:
- desejo-lhe toda a felicidade, como a desejo para a minha filha.
- obrigada. até logo
- até logo.
O elevador continuou a subir mais três andares. Um nó de comoção prendeu-àquela senhora, quase desconhecida. um laço de ternura subitamente visível. Por aquilo que tinha ouvido, sentido. Pelo que tinha sido, pelo que era agora… sim, brilho de vida, renascida. pelo olhar que jurara um dia nunca mais ter de abandonar… um olhar para os outros, para muitos outros… Nunca mais…
Quando se olha, algures recebe-se, despertam-se olhares novos… conhece-se. Onde é que tinha ouvido: olhar é amar?...
Tira a chave de casa da mala, coloca-a na fechadura, roda-a. Entra em casa. Vazia. Fecha a porta. apenas aquela de madeira, pesada.

sexta-feira, 28 de maio de 2004

encontros...

sorrio hoje ao entrar na blogosfera. E que bom é sorrir mesmo que o motivo seja aparentemente banal, ou inócuo... ou talvez não... de modo que não resisto, mesmo atrasada para sair, almoçando tardiamente e simultaneamente escrevendo agora e aqui, rapidinho.
todos nós somos veículo de encontro entre pessoas, e neste mundo virtual, meios que possibilitam partilhas, leituras, aproximações, mesmo que efémeras, sobretudo éfémeras, mas que creio que de algum modo ficam, quanto mais não seja num subconsciente afectivo que nos vai estruturando, construindo...
já jovem... (e não é que de certo modo já não o seja)... sorria quando dois amigos meus se conheciam e havia alguma partilha, algum encontro entre eles, por eles próprios, pelos interesses, pelo estar que ambos mantinham na vida... é raro isso acontecer, mas acontece... e eu sorria, especialmente não fazendo nada, até porque o forçar é do pior que há - e quem tem irmãos sabe isso muito bem: a velha máxima dos pais em querer que os irmãos sejam amigos à força -. Talvez este meu sorriso seja algo de infantil, ou fruto de um qualquer utopismo... mas com tantos desencontros, mal-entendidos, pequenas guerrilhas que proliferam, não é bom ver, aqui ou em outro qualquer lugar, encontros, comunhões de qualquer tipo? especialmente entre pessoas sensíveis e interessantes...?

quinta-feira, 27 de maio de 2004

criador e criaturas §3

"Que é desenhar?" "É a acção de abrir um caminho através de uma parede de ferro invisível que parece erguer-se entre o que sentimos e o que podemos. Como se deve atravessar essa parede, já que de nada serve bater-lhe com força? Temos de miná-la e atravessá-la com a lima, lentamente, com toda a paciência segundo me parece."

"sim, fiz isto em duas horas, mas trabalhei anos para poder fazê-lo em duas horas"


"espero sempre não trabalhar apenas para mim; creio na necessidade absoluta de uma nova arte da cor, do desenho e da vida artística"

"a pintura promete tornar-se mais subtil, mais musical e menos escultura, promete enfim a cor?"


"Censurar-me-ia se não tentasse fazer quadros de tal modo que eles levassem a reflectir seriamente os que seriamente reflectem sobre a arte e a vida? Queria pintar de tal modo que todas as pessoas que têm olhos compreendessem?"


O meu grande desejo é aprender a fazer tais inexactidões, tais anomalias, tais transposições, tais modificações da realidade que saiam mentiras, sim, se quiserem, mas mais verdadeiras que a verdade literal"


"eu adoro o real, o possível.
Em lugar de procurar exactamente o que tenho diante dos olhos, sirvo-me da cor do modo mais arbitrário para exprimir-me fortemente"



cit por Mário Dionísio in O Drama de Vicent Van Gogh. 1953. Coimbra: separata da revista Vértice, pp. 19, 22, 23, 27, 28, 30

quarta-feira, 26 de maio de 2004

0 mundo corre lá fora…

Parece que o mundo está a andar mais depressa do que eu… o mundo e o tempo… fez ontem 5 meses que entrei neste ‘mundinho’ blogosférico. Passa tudo tão a correr, e se paramos para saborear um pouco mais, se nos alheamos concentrados nalguma coisa que nos desperta a atenção, dá-nos por vezes a sensação de que ao voltar a olhar para fora, ‘pela janela’ já se passaram imensos acontecimentos… mas no fundo, “tudo vai continuar como dantes”… o mesmo com outras formas. A renovação, as pequenas revoluções interiores dão-se quase invisivelmente; há um acumular progressivo, quase imperceptível no sentir diário, até a um momento, por vezes mesmo retrospectivamente indeterminado, que reparamos que estão lá, surgindo-nos como se, sempre estivessem lá estado, sem a consciência de um outro passado havido, vivido. como se não pudesse ser de outro modo, embora pudesse na tão variada hipótese de existência. escolhas, opções, quase ínfimas que vão determinando o decorrer do estar, um simples olhar para um lado ao invés de todos os outros.
O mundo corre lá fora… até há uns dias, por mil e umas ocupações, agora com uma recuperação lenta, mas no bom caminho… nem me apercebi da abertura da feira do livro, quase deixava passar a minha tão apreciada e ritualizada visita nos primeiros dias – exemplo pequenino de uma desatenção mesmo a nível pessoal, egocêntrico; para não falar nas ‘desgraças’ e ‘anedotas tristes’ que assolam este mundo, há uma certa recusa de ver, um cansaço de olhar, de o pensar. há prioridades que se vão construindo, assumindo, mas que sejam conscientes, conscientes de que a qualquer momento se pode sempre olhar para outro lado, para um qualquer outro lado do mundo, do nosso, do de nós todos.

terça-feira, 25 de maio de 2004

espuma vaga

ofereço-me à chuva
numa limpidez que sustenta
o que a bruma
dissolve,
parto viagem -
re_volta
volta_rei
rei_nado
de mim? -
quantas águas inebriaras
náu_searas
de mar_és
tudo o que sonho
nem chuva
ou bruma

vaga
espuma

domingo, 23 de maio de 2004

Terceira manhã consecutiva a acordar suada, cheia de febre, garganta inchadíssima, quase não consigo falar, comer ou beber. Ontem ainda tentei escrever isto: sinto-me numa outra dimensão. uma dimensão do sono e da irrealidade, de um estado quase pré ou pós comatoso. a febre baixou um pouco e apesar deste sono irresistível me continuar a atacar – estar quase 24 horas a dormir, a dormitar ou com uma vontade enorme de dormir, não é de modo algum normal, mesmo com 39º de temperatura, mesmo com esta garganta cheia de pontos brancos. agora 5 minutos de tentativa de normalidade. nem ler consigo, nem comer, beber, só aos golinhos. que miséria!
E com hoje são mais 24 horas. ou seja há mais 48 horas que não faço outra coisa que não seja dormir, dormitar, ter arrepios de frio, ter suores de todas as temperaturas. num estado de semi-irrealidade, de deambular, de alguma falta de equilíbrio ao andar. E tanta coisa para fazer…
Estarei a fazer concorrência ao 'doi-me'?! Não, a césar o que é de césar... a mim, só umas anginas daquelas!!!
E como tal, posts mais 'criativos' vão ter de esperar...

sexta-feira, 21 de maio de 2004

cheiro da terra molhada de maio




terra fértil. terra sofrida de inverno. lago de lágrimas. solo sentido. terra castanha e só. não é verde. o verde não é dela. o verde vem do seu ventre, das suas mãos, dos torrões que a unem a si mesma para não se perder. nunca será verde, nem azul. é vermelha do suor dos mortos que a amassaram. amarela tostada do sangue desidratado. deserto baço, viveiro de escorpiões auto-fágicos. barro, telha ou tijolo, formas uterinas inventadas.
terra
tara
perfume na brisa passada

quarta-feira, 19 de maio de 2004

farsa de cronos

qual baile de carnaval
em veneza
cronos mascara-se de eterno
transveste-se de efémero
em jogos alternados
ilusionistas
rindo de todos
nós, desgraçados

nunca te terei, lugar encantado
alheio ao percurso diário
inferno desejo de paraíso
longe, veneza, minha amada…

terça-feira, 18 de maio de 2004

percalços...

Será que é hoje que o meu computador fica em condições? quando não tinha anti-virus e tinha vírus, funcionava... agora com anti-vírus instalado, desregulou... e eu já estou com o síndroma do 'isolamento'... da 'incomunicação'... espero que amanhã esteja tudo bem, configuradinho de novo, tudo certinho!!
Já não bastava o cansaço do trabalho... ainda isto, há que dias... preciso do som do silêncio do campo... do mar! só queria estar a quilómetros de automóveis, gente ruidosa... mas ligada ao mundo...

domingo, 16 de maio de 2004

"desculpa"

as palavras por vezes são demasiado preciosas para as usarmos tanto…. ou são inúteis, quase vazias - esvaziadoras das razões mais profundas…

… é muito?

não quero ensinar nada a ninguém (também ninguém ensina nada a ninguém, só se vai aprendendo). não quero que ninguém ‘mude’ por mim, não quero mudar ninguém (também ninguém muda por ninguém, só se muda quando se sente necessidade interior). Já quis, não o sabendo, a coberto de uma aceitação que julgava que tinha relativamente a outro. e descobri, mais tarde, demasiado tarde talvez, que afinal só não me aceitava a mim própria. não pretendo interferir nas relações que os outros mantém com terceiros, com a vida. estou se calhar excessivamente cansada para isso. ou apenas seja simplesmente uma opção interiorizada. talvez só queira paz. solidão? será mesmo paz sinónimo de solidão?
não quero ter de fazer juízos de valor sobre ninguém. mas quando é preciso responder, quando há perguntas, exigem-se respostas coerentes, mais ou menos ‘objectivas’ que podem implicar opiniões, sensibilidades… e explicar… nem é explicitar apenas, é explicar – detesto explicações, gosto de explicitações - . e em que é que diferem? é talvez um pôr em causa, é uma acção rejeitar de algo para adoptar outra.
por vezes o ter de dizer, o dizer, é já interferência, não é diálogo. ou talvez se resuma a uma incapacidade minha para dizer ‘não’ ou ‘não gostei de’ (porque será que sinto que isso põe em causa o outro? ou é medo de magoar os outros? especialmente daqueles que gosto). talvez preferisse não ter de dizer porque não haveria necessidade de palavras. (talvez tenha ficado cansada de um certo excesso de palavras, depois de uma carência primordial – depois da fome, uma sobrealimentação gordurosa). e quando há essa necessidade sinto uma falta de liberdade, um constrangimento; não porque não se deva falar, mas porque não ‘deveriam’ existir as coisas que dão origem ao ‘ter de’… são demasiados ‘must’… e só a sensação de ter de, aparentemente, assumir um papel que detestei em tempos em alguém, papel esse que me minimizou, destruiu… um papel que não é meu, que não sou eu… não quero. fá-lo-ei por mim, se for necessário. não pelos outros. não é essa a relação que quero ter. quero ser tocada, amada, não só pela ternura do espírito, mas em todos os centímetros quadrados da minha pele, quero amar todos os poros de alguém que respire livre. Há por vezes um cansaço em mim, sim… mas só quero ser, ainda quero ser… é muito?

os açores de 'antero'

Viagem à "ilha do fogo azul" pelas mãos da poesia de saudades.

sábado, 15 de maio de 2004

nocturno de areia

quase toco a noite macia, tímida e quente. pelos dedos entreabertos, enleiam-se beijos de estrelas cadentes, traçando riscos dourados no dia que amanhecerá. na palma da mão, acolhe-se o segredo, linhas ondulantes de vida, ilhas de dádivas e tesouros, círculo imperfeito de ternura. com as mãos, um espectro de gesto por cumprir, desenho quimera, corpo contorno fantasma. murmúrio da vontade de voar, ecos elípticos que evolam os medos dos naufrágios. na pele, areia líquida dócil, espelha-se o nocturno luminoso dos mares.
Fotografia de Ansel Adams

quarta-feira, 12 de maio de 2004

sob o véu

sob o véu, 2000
LDS
acrílico sobre tela,
40 x 30 cm

terça-feira, 11 de maio de 2004

no sorriso
ausência

nos olhos tristes
fio de lágrimas

em mares ávidos
lua


dói-me a tua dor...

segunda-feira, 10 de maio de 2004

No espanto… desvanecido.

Lembro do dia das orquídeas
chegaram suave lilás, inesperadas
espantadas como eu.
olhámo-nos perguntando
és tu a beleza flor?
e acreditámos.
hoje não sei se era verdade,
ou ilusão o que senti e
vi, suas pétalas crescerem
e folhas que não são delas
folhas e pétalas de cravos rosas
e túlipas cores do sol solidão
perfumes de fogo inebriantes
orquídeas alvas de música
orquídeas que podiam ser mundo.
E em cada dia corria, acercava-me delas
e sorria.
hoje ao entrar a soleira da porta,
hesitei. Recuo - definharam no tempo - eu sei –
lenta, percorro os passos de ontem
ainda esperando o espanto,
receando o desencanto,
serão cactos empedernidos
cardos com espinhos
ou apenas, a minha angústia vazia?
só uma orquídea
quase desvanecida…

domingo, 9 de maio de 2004

Lampedusa & Visconti

"O negro do fraque, o cor de rosa do vestido, misturados, formavam uma jóia estranha. Ofereciam o espectáculo mais patético que pode existir: o espectáculo de dois jovens apaixonados que dançam um com o outro, cegos aos defeitos recíprocos, surdos aos avisos do destino, convencidos de que o caminho da sua vida será tão liso como o chão daquela sala, actores ignaros a quem um encenador faz desempenhar um papel de Julieta e Romeu sem lhes mostrar a cripta e o veneno previstos no argumento."
"Don Fabrizio sentiu o coração amolecer: o seu enfado cedia lugar à compaixão por aqueles seres efémeros, que tentavam desfrutar do exíguo raio de luz que lhes era concedido entre as trevas que antecedem o berço e as que se seguem ao último estretor. Poder-se-ia ser severo com quem está destinado a morrer? Seria ser tão vil como as peixeiras que há setenta anos insultavam os condenados na Praça do Mercado.(...) um dia, os toques da sineta que ele ouvira três horas antes nas traseiras de S. Domenico chegaria aos ouvidos de todos eles. Não era permitido odiar nada a não ser a eternidade."
"Além disso, toda aquela gente (...), todos aqueles imbecis, aqueles sexos fanfarrões, eram sangue do seu sangue, eram ele próprio".

O Leopardo (Il Gattopardo, 1963, ITA/FRA) de Luchino Visconti
baseado no romance homónimo de G. Tomasi di Lampedusa, Editorial Presença (1995)

sexta-feira, 7 de maio de 2004

corpo sem sombras



Como se o mundo começasse pela última ou acabasse pela primeira vez, à sombra da oliveira. sob a oliveira, aconteceu o primeiro beijo único, ainda mal nos tínhamos olhado e já nos beijávamos pela última primordial vez. vínhamos com o brilho no olhar, vi-o depois, ou antes, não sei. vínhamos de pulsar contido, de tanto que doía a conter. de voz embargada, tal eram as mil vozes que queríamos ser. no silêncio dessas vozes mil, mal nos olhámos no tempo. o tempo tinha terminado lá atrás, por detrás da oliveira com sombra. sob a sua sombra éramos apenas um olhar eterno de tão fugaz. um beijo efémero de tão longo, de tão desejo. um beijo de tanto. um beijo de tudo. um beijo de nós. um beijo sob a sombra da oliveira. abraçando-nos a nós. e a sombra que era a oliveira a abraçar-nos. nós abraçados pela oliveira sombra. nos teus braços senti o teu tronco como a sombra sentiu o tronco da oliveira. o teu corpo existindo no meu. o meu corpo sendo no teu. sombras de corpo no outro corpo. o corpo da sombra abraçando o corpo da oliveira. corpos de corpos sem sombra. o teu corpo no meu. o meu dentro do teu corpo. um só corpo sem sombras.

quarta-feira, 5 de maio de 2004

Bem vindos

a este novo Lugar Efémero
Novo... mas na continuidade... como, em tudo, uma sucessão de Lugares... de Tempos... de Acções... sempre Efémeros...

Mudança de Lugar...

O novo Lugar Efémero está em

lugarefemero.weblog.com.pt

Em breve estarão também naquele lugar os posts que escrevi aqui ao longo de mais de 4 meses, mas irão também permanecer aqui… até que o vento os leve…

A partir de agora, todos os posts serão escritos no NOVO lugar.

Apenas dois apontamentos de despedida efémera:

Gostei muito de estar aqui. Desde a última noite de Natal quando o criei e sentida por mim de um modo peculiar, complicada… até hoje, os momentos passados aqui foram especiais… todos e cada um… com um envolvimento inesperado, num desafio que não é mais do que um crescimento pessoal a alguns níveis, estabelecendo por vezes uma maior comunicação e interioridade do que na dita vida real… é um outro estar… momentos de simultânea partilha e solidão, de superação e de refúgio, de leveza e de peso, de (re)encontros múltiplos.

E claro, não podia deixar de agradecer a todos VÓS que por aqui passaram e, que em silêncio ou de outra forma qualquer, fizeram com que este Lugar fosse feito CONVOSCO.

Obrigada.

Encontramo-nos aqui mesmo ao lado…
ou talvez num outro qualquer Lugar Efémero

Nota: Só para relembrar a quem tem um link para este blog, e se assim o continuar a entender, deve mudar o mesmo: o nome é igual, só as extensões mudam.

terça-feira, 4 de maio de 2004

não fosse o cansaço
ou engano claro, o hermetismo,
e saltaria do barco
ao cruzar a foz
antes do mar ser
largo e gravítico.
esqueceria o meu olhar no céu
água, ainda gasosa água,
fantasia
ser tudo, céu e mar
ser rio de onde partia
ser porto amarra, ou liberdade
acostada
o próprio navio

sábado, 1 de maio de 2004



digo apenas, preciso de ti, preciso como nunca me ousei dizer. entrei num labirinto, como todos sem saída visível. nas paredes em que toco, onde cravo as minhas unhas, julgando serem carne minha ou de outrém, pouco importa, afinal só eu me rasgo sem fim. por corredores percorro o desespero, dor incerta. em fuga tentada, cubro-me em chão sem cave ou alçapão, num fundo liso magoado. não me deixes desistir. não me abandones agora. figura-te em corpo, espelho perceptível de um decifrar. procura cruel por entre o ser estranho das palavras. inacabadas. ouço quase um surdo bater de asas como o crepitar do incêndio. serão cinzas esvoaçantes, sons de pássaro de fogo, ou a vazia angústia da loucura? não me deixes sepultada entre estas barreiras mortas. escrevo errante por estas ruas concêntricas, exaurindo-me num gesto último. fio de seda em oculto segredo. não chegues tarde. tarde demais. preciso de ti.