sábado, 30 de junho de 2007

entre grãos de areia, quase minúscula também. não fosse um olhar. ou um acaso. de a desvendar num grande mar. seco. nem espera uma gota de chuva. está. é. efémera. como o universo.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

dear heart

fiz hoje o primeiro electrocardiograma da minha vida - exigências laborais.
trespassada por uma energia invisível, deitada e semi-nua, bastaram poucos minutos para se obter um registo mensurável do que me faz mover. no fim, olharam, avaliaram e disseram 'está tudo bem'.
nada que já não soubesse: o meu coração é um resistente.

my dear heart, tomorrow it's another day...

terça-feira, 26 de junho de 2007

saudade

não é palavra da língua portuguesa

é uma voz no coração

segunda-feira, 25 de junho de 2007

mudança de género

os jornais que temos...
pela primeira vez sai o meu nome no jornal (se não contar com os artigos que publiquei). falava de um acontecimento em que estive envolvida. e citaram-me. citaram-me? não. porque, de um momento para o outro, mudei de sexo. no Luísa, caiu o 'a'. e na 'função' profissional adoptaram o género masculino. vá lá, copiaram bem os apelidos da documentação distribuída.
ah! e no fim da citação de parte de um texto meu, também se esqueceram de fechar as aspas.
terá sido machismo, interroguei-me. e ainda fiquei mais inclinada para uma resposta positiva quando me falaram um pouco mais da pessoa que escreveu tal notícia...
enfim... detalhes... o que importa é o evento ser divulgado.

adenda: só umas horas depois é que me lembro que afinal não é esta a 'primeira vez'. é a terceira, se considerar uma das outras duas, em revista online.

domingo, 24 de junho de 2007




parece que o verão já chegou


e eu (ainda) numa varanda enfeitiçada
pela distraída primavera





Le Balcon à Vernonnet
P. Bonnard

sábado, 23 de junho de 2007

detalhes

gosto de cartas.
de livros com cartas, de cartas em livro.
de cartas como livros que se abrem e folheiam.
de livros como cartas que beijam e se despedem até à próxima.
gosto de cartas. que nos dizem e nunca acabam.
cartas. como livros. que falam.

Rapariga lendo uma carta junto a uma janela aberta (detalhe)
J. Vermeer

quinta-feira, 21 de junho de 2007

sentido contrário

quando as ondas arrastam para a praia
acorrento-me a um mar de nenhures

terça-feira, 19 de junho de 2007

do amor § 3

abro a mão. abro os meus dedos. e vejo a água a escorrer como quem ama.
simples afago. num tocar sensível. breve.
nem península nem arquipélago
ou ilha.

barco ancorado ao mar
ou ao céu:

é a minha terra, porto
que me abriga.


as ondas passam por mim.

domingo à tarde, Carcavelos

quinta-feira, 14 de junho de 2007

mundo : pedra

é sobre o chão que nasce

algo mais sólido e duro

mais obstinado

que os pedras de uma pirâmide.




aponto para o céu

e todos lá em baixo gritam:


sob chuvas de pedras


: os sonhos não são de pedra




aponto para o céu:



em sonho de pedra

sempre antes de um amanhecer...

ou num nunca qualquer...

um dia disseste-me que ao ver este filme lembraste-nos.

talvez nem nunca soubeste que tinha estado em Viena
e não vi por lá uma valsa chamada rio

porque os pés ou o coração tinham-se perdido
ou enganado nos passos

um dia disseste-me e
eu acreditei

acredito sempre sem
perguntar até que a morte
sufoque

em todos os dias, de todas as possibilidades, escolhemos sempre as impossíveis.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

metro: baixa-chiado

desciam as escadas rolantes. um dos quatro lanços do metro do Chiado. era véspera do dia de santo antónio e estava sol. ele de costas para o fundo, ela de costas para o topo das escadas. corpos encostados, beijavam-se num beijo quieto onde não se vislumbravam movimentos. prestes a terminar aquele lanço ele vira-se e andam até ao próximo. aí, ele à frente, torna a voltar-se para ela e unem as bocas, encostam os corpos, quietos. e assim continuam a descer essa e todas as outras escadas, até ao corredor. quatro longos beijos intercalados por uns quantos passos. ou o descer às profundezas através da união de duas bocas. sem aparente paixão ou intenso desejo de penetração. um beijo como um jogo, como uma combinação, como uma promessa...
nunca podemos ver o que os outros vêem. só eventualmente podemos sentir o mesmo perante esse mesmo objecto.
- pois não é o Sentimento o que há de mais universal ?! -
... fico de pé, vendo-os de costas, desistentes. ou esvaindo-se. tropeçando no próprio cansaço.

terça-feira, 12 de junho de 2007

estou cansada de gente cansada! de gente que arrasta a alma.

domingo, 10 de junho de 2007

Hoje é dia de Portugal. e de Camões. e falam também vagamente numas 'comunidades'. ou seja, gente que lá longe não perde um inexplicável vínculo a este nosso recanto. exilados... nós, em nosso próprio país? ou eles? pois, talvez "quanto mais ao povo a alma falta / Mais a (minha) alma atlântica se exalta".
Não é por ser 'este' dia que aqui escrevo, é por ainda haver alguém que diz resistir por esse mundo fora, como que escrevendo "Restam-nos hoje (...)/ O mar universal e a saudade."

imagem retirada de 'resistir' ; palavras de F. Pessoa

sábado, 9 de junho de 2007

o que nos agarra

a passagem dos anos também se mede pelas feiras do livro. mais uma. aproveito o dia feriado para lá ir. muita gente, ainda mais quando se rompe uma conduta da água e uma das ruas se transforma em riacho. a rua que percorro enche-se demasiado por pessoas que fogem aos pés molhados.
procuro alguns livros que tinha em mente, encontro outros que já quis e não comprei, outros ainda que descubro ou redescubro. e reparo na diversidade de interesses que tenho tido ao longo da minha vida de feiras do livro e que se vê nas prateleiras das minhas estantes. divergência ou ecletismo? ficam ainda uns por comprar, hoje ainda faço uma breve lista para compras de última hora, ou talvez substitua alguns por oportunos livros do dia.
naquele ritual, de sobe e desce, de pára e avança até ao próximo stand, faço sem querer um paralelismo com as viagens pela blogosfera, por vezes olhando de longe, outras folheia-se apenas, outras detemo-nos para ler mais um pouco. e os raros puxam por nós, como se agarrassem às nossas mãos, à nossa pele, e levamo-los para casa, ficam connosco mais um tempo dando o prazer ou a dor de (n)os ler.
perco as horas perdendo-me por entre renovada curiosidade. e neste perder saboreio este não querer saber, não ter ninguém que me acompanhe ou a quem eu tenha de acompanhar com aconteceu outras vezes, por haver ritmos, interesses tão diferentes. por terem medo que eu me perdesse... que bom é perder-me! e parar e andar e folhear e respirar quando nos urge. sem perguntas, sem respostas. mesmo que sem partilha. afinal ali a comunhão é mesmo com os livros, numa relação íntima, tão corpórea.

terça-feira, 5 de junho de 2007

folhas de maio

t. estava ali à minha frente. de pé. quase surgida do nada. olhei-a sem perceber de imediato se estava triste ou serena. aliás nem mais tarde, recordando este episódio, saberia dizer da expressão do seu rosto. apenas entrevi a da sua alma. vertical, olhava-me nos olhos, os braços delineavam o seu tronco, e as suas mãos, uma prolongava-a em silêncio, a outra calava-a nos dedos fechados. dedos apertados à volta de um maço de papel. um maço nem grosso nem fino. um maço, não, dois, agora perfeitamente distinguíveis pela diferença de cor dos laços que os dividiam.
por entre dedos e um certo amarelado do papel, duas fitas, quatro pontas, duas cores de dois tons, quatro cantos de folhas dobradas. cantos de outras tantas vozes. cor rosa tom esbatido e um verde matiz turquesa. em esbranquiçados pelas mãos que tanto sonharam.
o braço da mão vazia move-se até se juntarem as duas mãos em torno daquele volume. e os dedos separem aquela unidade numa divisão natural, talvez por uma certa perturbação, talvez por intenção. estende as mãos em desejo de esvaziamento e ouço:
quero que fiques com elas: quero ficar longe delas.
tento tomar com as duas mãos os dois maços que se separaram. agarro um facilmente. o outro, o outro fica entre as nossas mãos. não forço, apenas a olho. poderia perguntar, perguntar qualquer coisa que fizesse sentido mas a leve resistência que senti, não o permitia.
em silêncio, olho-as. olho-a. olho para as que tenho na minha mão, por já não doerem tanto
não sei o que fazer com elas: guarda-as.
guardo-as?!
guarda-as! queima-as! publica-as como se fossem tuas! ou duma tia-avó solteirona do século passado.
e lentamente:
ou de há dois séculos, seria ridículo, nem era crível escrever-se ainda assim. assim…
as nossas mãos continuam presas ao outro maço, sem saberem o que fazer. também elas sem o saber.
não quero ficar longe delas: não posso continuar perto: eu e elas: sós.
olhando um vazio, esboça uma espécie de sorriso. e puxa as folhas para si, encostando-as ao seu corpo, como se a hesitação fizesse com que se abrisse e as tragasse. quase sofregamente.
liberta, agarro nas outras cartas esmaecidas atadas, guardando-as no meu colo.
cativa, agarra no outro maço de cartas esmaecidas atadas, guardando-as no seu peito.
cúmplices em dois sorrisos breves, íntimos, em duas bocas fechadas, compenetradas, desmentindo a quietação:
e agora: o que é que eu faço?!


Maio 2007

domingo, 3 de junho de 2007

quero abandonar todas as frases que façam sentido.
- há quem as procure -
(talvez as tenha procurado sempre)
e de que valem? se não é nas frases com sentido que se encontra algo que faça sentido
se calhar nem é simplesmente em qualquer frase
o sentido vem antes da estruturação em frase, só depois se tenta visibilizar, comunicar em composição
e depois há frases que destruturam o sentido de outros sentidos

e se agarrar numa palavra? numa só palavra, numa palavra por dia
- terá cada dia uma palavra que o signifique? -
- que dê o sentido que tantas vezes fica perdido no meio de multitudes? -
que palavra é o dia de hoje?
terá sílabas? acentos? ou apenas a modulação de uma voz desconhecida?
- poderia suspender todos pontos de interrogação
(pela sua não existência senão num qualquer sentido que se artificializa) -

( será a palavra de hoje sentido )

esta palavra não é senão um descritor. não se constitui um significado. não neste momento.
como um pretexto. um pre-texto.
num texto como cemitério de sentidos.
ou uma palavra como semente de uma nascente escritura.