quarta-feira, 30 de maio de 2007

duas cadeiras com vista para um sonho

e descalços seguimos...

terça-feira, 29 de maio de 2007

cai a noite. acendo um incenso de sândalo. talvez se cumpra a promessa de paz.


segunda-feira, 28 de maio de 2007

numa esquina

cruzamo-nos depois de tanto tempo. em pouco dias, os caminhos interseptam-se, desta vez apenas nós dois. poderia dizer finalmente nós dois, e de certa forma, é-o. talvez seja esta pela primeira vez desde que te conheci que consegues olhar o mundo de um modo não-desistente. há afinal um lugar no mundo para ti. perguntas: terei chegado a tempo? respondo à tua não-pergunta: estaremos nós neste tempo? seremos nós deste mundo? prosseguimos porque as frases não foram ditas bem assim. que importa se era assim que as poderíamos ter dito?! lembro, comparo - é inevitável não ver as diferenças, nem que seja a do teu olhar sobre mim, como se pela primeira vez me tivesses visto - é inevitável não ver o que me levou a apaixonar-me por ti, pela primeira vez em grande paixão adolescente: o sorriso, o jeito algo desengonçado, a suavidade, uma certa timidez - ainda hoje não sabes onde pôr as mãos - e a melancolia gravada no olhar. hoje acentuada por olheiras que não fazem esquecer as marcas dos anos nem de escolhas da vida. olho para ti e lembro-me aos quinze anos. e dos escritos ainda guardados, cheios de um coração que lançava ao vento, aos pedaços, tantos quantos aqueles que tu o fizeste. não, tantos quantos aqueles que eu fiz por ti, e por ele e por ele e por... um coração aos pedaços não é um coração partido, nem dividido, é um coração que se estende que se alarga que se oferece como cerejas.
depois de andarmos um pouco, de conversarmos sobre ti, sobre mim, sobre rumos vísiveis prendidos por laços invisíveis, é a hora das nossas ruas se separarem. abrandas o passo, quase páras, até dizeres 'vou por ali' e eu ver nos teus olhos um quase desmentir. e digo 'vai' e sorrio. e calamos 'a gente vai-se encontrando por aí'.
nos meus olhos ficas tu, e nós adolescentes.

domingo, 27 de maio de 2007

coisas do sentido

amigos & fondue de chocolate

Chiaroscuro



as sombras conferem visibilidade. sem elas não há volume, tudo seria plano, como se só houvesse luz.
uma clara, breve e cingida luz alumia mais intensamente do que uma homogenea e monotonamente forte.
nesse momento vislumbram-se os contornos, a espessura, a textura e a matéria que a compõe.

Caravaggio
pormenor

sábado, 26 de maio de 2007

na carne...

Existe na nossa carne uma parte esquecida de nós que nos dá este ar perdido. Esta parte irrepreensível, a confissão confessa-a mas não basta para a circunscrever: as imagens estão em nós independentemente da nossa vontade, e a sua permanência impede-nos de qualquer rememoração definitiva. As nossas recordações são imagens que nunca podem tornar-se objectos: este carácter imaterial da imagem dá-lhe uma força de expansão que assombra mais ou menos a nossa vida interior segundo a vivacidade dos nossos fantasmas. Esse corpo tocado, escrito pela história afectiva da nossa sensibilidade, é o contrário desse corpo objecto que cada um de nós pode discernir aqui. O invisível da minha carne é o inverso do visível.
Bernard Andrieu

na banheira, 2003, 2005
óleo s/ tela

teste?

Não sou muito de testes / interpretações sumárias - nem mesmo quando académica e profissionalmente tive de lidar de perto com eles. Mas a este achei piada: teste das cores.

Como você opera, age, frente aos seus objectivos e desejos: Esforça-se por obter vida plena de actividade e experiências, e uma ligação íntima que ofereça realização sexual e emocional.
Suas preferências reais: Está insatisfeito. A necessidade de fugir ao envolvimento constante com suas circunstâncias presentes torna imperioso que encontre alguma solução. A situação presente contém elementos críticos ou perigosos, para os quais é imperioso encontrar solução. Isto pode levar a decisões súbitas ou mesmo imprudentes. É rebelde e rejeita qualquer conselho.
Sua situação real: Sente que está recebendo menos do que lhe é devido, mas que terá de conformar-se e adaptar-se a sua situação. Sente-se sobrecarregado com mais do que sua justa parcela dos problemas. Contudo, atém-se as suas metas e tenta superar as dificuldades sendo maleável e acomodado.
O que você quer evitar:
Interpretação fisiológica: Tensões resultantes de incapacidade de manter relações de maneira estável em condição desejada.
Interpretação psicológica: Deseja alguém com quem possa compartilhar plenamente de uma atmosfera de clara serenidade, mas a compulsão para demonstrar sua individualidade leva-o a adoptar uma atitude crítica e exigente. Isto provoca desentendimentos que levam a períodos alternados de aproximação e afastamento, de modo que não se permite o desenvolvimento do estado ideal que ele deseja. A despeito do impulso para satisfazer seus desejos naturais, impõe considerável contenção aos seus instintos, na crença de que isto demonstra sua superioridade e o eleva acima do comum. É perspicaz, crítico e exigente, tendo gosto e distinção. Estas qualidades, combinadas com sua tendência para formar seus próprios pontos de vista, permitem-no julgar as coisas por si mesmo e expressar suas opiniões com autoridade. Aprecia o original, o engenhoso e o subtil, esforçando-se por ligar-se com outros de gosto idêntico que possam ajudá-lo em seu pleno desenvolvimento intelectual. Deseja a admiração e a estima dos outros. Em suma: refinamento intelectual ou estético.
Seu problema real: Tem prazer quando está em actividade, e quer ser respeitado e estimado pelas sua realizações pessoais.
(no comments...)

segunda-feira, 21 de maio de 2007

ser do sonho

"é preciso sonhar os sonhos até ao fim..."
às vezes não se sabe como começam os sonhos. e quando. só se sabe que são sonhos quando nos surpreendemos no meio deles, ou com eles dentro de nós. quando nos ocupam absolutamente, quando ocupam os espaços vazios entre as células que nos fazem sobre-viver, quando transformam essa matéria, num viver.
o fim do sonho não é um acabar dos sonhos. quem sonha, sonhará até ao fim, até ao expirar. tantos já morreram por um sonho, mesmo quando sonhando insistentes, só o espectro do sonho existia. outros levam a sua sombra para outros lugares de sonho, impedindo renascidos brilhos. como se o acabar do sonho fosse uma tábua que se afoga. como?, se os sonhos são o próprio mar...
como começam nem sempre entendemos, e quando acabam...?! como se sente que os sonhámos até ao fim? quando em luminosa luz do sol se vê a estrela ir embora e o coração já não treme, quando essa réstia de luz lentamente se apaga sob o olhar iluminado por uma minúscula gota de água, grávida de um arco-íris.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Hope there's someone

Hope there's someone / Who'll take care of me /When I die, will I go
Hope there's someone / Who'll set my heart free /Nice to hold when I'm tired
There's a ghost on the horizon /When I go to bed /How can I fall asleep at night / How will I rest my head
Oh I'm scared of the middle place / Between light and nowhere /I don't want to be the one / Left in there, left in there
There's a man on the horizon /Wish that I'd go to bed /If I fall to his feet tonight / Will allow rest my head
So here's hoping I will not drown /Or paralyze in light / And godsend I don't want to go / To the seal's watershed
Hope there's someone /Who'll take care of me /When I die, Will I go
Hope there's someone /Who'll set my heart free /Nice to hold when I'm tired

Antony and the Johnsons, Hope there's someone, in I'm a bird now (2005)

http://www.youtube.com/watch?v=mbA0RmHD7RY
(de auscultadores e de olhos fechados... para quê imagens?)

terça-feira, 15 de maio de 2007

vai

...,
as amarras são apenas uma paragem...

segunda-feira, 14 de maio de 2007

não. digo.

quando digo
é preciso começar todos os dias
é porque quero fechar o fim de um dia num baú escuro e
enterrá-lo bem fundo no outro lado do mundo.
quando o digo
é preciso cerrar os olhos num respirar de entranhas
cerrá-los com força até serem leveza de pálpebras
abri-los apenas ao chamar das flores e o sol lhes dar cor.
quando digo
é preciso começar todos os dias
não sei se fui eu ou o dia que já acabou.
quando o digo ainda não é dia.
na noite.

traves.suras


domingo, 13 de maio de 2007

saído da noite...

com o tempo, o regresso dos sonhos. aquela amálgama de pedaços dos dias, de pedaços de sentires, de pedaços de impossíveis.
e uma grande barriga onde nos abrigamos, como quando (talvez) crianças.

sábado, 12 de maio de 2007

onde...

e agora onde é lugar da escrita? onde é o lugar do grito? onde é a caverna sem eco? e o rio sem margens? o recanto... emudecido? lá, onde a palavra escrita é um silêncio. única suportável no silêncio. a única que não se confunde com ruído.
as pedras sob uns pés frios. frios até às pontas dos dedos.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

segunda-feira, 7 de maio de 2007

à luz de vela

Uma falha de energia eléctrica e fica-se desligado do mundo. lá fora, o lusco-fusco. estava deitada no sofá, recuperando do dia de trabalho. a música que ouvia tinha chegado ao fim há poucos instantes. o silêncio. e eu pensava se devia escrever. ou antes, escrevia mentalmente coisas desordenadas. nisso, a televisão ligada sem som - vício de gente que mora sózinha - apaga-se. o portátil em cima da mesa dá o sinal de passagem para a bateria. olho: ficou sem wireless. e penso, daqui a uns intantes fico sem computador - maldita bateria viciada!
Deixo-me ficar, tranquila, vendo o anoitecer pelos cortinados abertos. as luzes dos automóveis por entre a folhagem das árvores. e respiro... a luz indigo do céu. a gata sobe para o colo e deita-se. continuo quase imóvel. construindo pensamentos que não sei se partilharei. imóvel, sinto um barulho no estômago: e logo hoje que a comida era para ser aquecida no micro-ondas. vou esperar mais um pouco.
O bairro continua às escuras. escolho por ficar mais um pouco nesta involuntária interrupção. saboreando-a. a barriga volta a dar horas: deixa-me ir experimentar o forno do fogão, é mais lento, mas também, não sei quantas horas ficarei às escuras.
Sigo pela casa, sem me dirigir à cozinha. caminho sem chocar em nada. conheço-a com olhos de gata. vou até à outra varanda, na outra margem, a horizontal correnteza de luzes. regresso à escuridão do corredor. na cozinha, ainda alumiada pela pouca luz da janela, acendo velas, das pequeninas - darão luz suficiente -, e preparo a refeição.
Enquanto espero, agarro no meu inseparável bloco, numa caneta e começo a escrever isto. a certa altura, ouço o sinal sonoro do micro-ondas. na rua, os edifícios vizinhos estão já pontuadas por luzes. a vela que ilumina a escrita continua acessa. não me levanto para ligar o interruptor do candeeiro nem o computador entretanto em suspensão.
Fico mais uns instantes disfrutando um silêncio de uma outra dimensão temporal. um outro espaço criado pelo fogo da vela. olho-a... hipnoticamente... é isso: vou jantar à luz da vela.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

thinking blogger award



Recebo de Ofeliazinha esta nomeação.
A blogosfera, uma teia que se vai fazendo e refazendo, não apenas um fluxo incessante de bytes, uma corrente de elos que se vão estruturando ou dissipando, construindo (ou não) o que cada um de (dos) nós pode(m) difundir.
Não quero quebrar esta corrente. Talvez fosse difícil nomear agora cinco blogues. Mas não, a escolha surgiu-me estranhamente clara. Mesmo que este seja um mundo tão diverso e rico (e o seu contrário, também).
Se o pensamento gera conhecimento, este está inevitavelmente próximo do afecto. A construção do conhecimento não se processa somente a nível cognitivo; o sensitivo, o afectivo, o emocional são vias privilegiadas na sua aquisição. É na relação entre a intuição sensível, a imaginação e o entendimento que se produz o conhecimento (como diria Kant).
Todas as minhas escolhas, fazem parte da minha 'história pessoal', pertencem-me por razões distintas. E são elas (aqui, como em mim, sem ordenação especial):

delicadeza

há algo que me toca profundamente: a delicadeza.
não é o delico-doce, o frágil-fraqueza, o subterfúgio ou o rodeio. prefiro então a aparente antítese: a robustez, a frontalidade, a franqueza, a amplidão... o cru. prefiro, e embora não seja isto de per si me toca. o que me atinge no fundo é tudo isto com a delicadeza. como se se tocasse, não com um dedinho fingido e pequenininho, mas com uma mão aberta, larga e cheia, mesmo que desajeitada, que penetra subtilmente como um fino fio de algodão-seda
.

do Lat. delicatitia
s. f.,
qualidade de delicado, aptidão para discernir as coisas mais subtis, subtileza, sagacidade, cortesia, urbanidade, afabilidade, tenuidade, brandura, suavidade, amabilidade, carinho, fragilidade, leveza...

terça-feira, 1 de maio de 2007

é Maio e chove...

atravesso a rua. a way to blue. como se as águas do rio se tivessem elevado e, agora, caindo. não é miúda nem tormenta. é. chuva. de maio. pétalas veladas que afagam a memória escrita no rosto. um rápido fechar de olhos prolonga o sentido. e a face suspensa cria-se tágide, em entardecer de lua cheia.

"...
Quem pode impedir a primavera
Se estamos em Maio e uma ternura
Nos faz abrir a porta aos viandantes
E o amor se abriga em cada um dos nossos gestos!
Quem?...
Se os sonhos maus do inverno dão lugar à primavera!"

Ruy Cinati, Nós não somos deste mundo
Cadernos de poesia, Lisboa, 1941, p. 33

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é maio e chove... evocando certas noites frias de inverno.

woman in red


Nu assis sur un divan Young Red Head in
(La belle Romaine) an Evening Dress
1917 1918
Amadeo Modigliani

modified modigliani