terça-feira, 27 de março de 2012

transparência vs. previsibilidade

Muitas vezes exaltei o valor da transparência por a associar ao brilho da cumplicidade, ao entendimento sem palavras, à atracção pela sintonia. Como se ao pegarmos numa peça de um puzzle ou de um lego, nos revelasse o seu inequívoco lugar no meio do ruído ou das múltiplas possibilidades.
Previsibilidade, não é transparência, é o seu contrário. É não poder deixar de acontecer só porque sim. É ser 'mono', cinzento. É opacidade que se esgota em si mesma, como Narciso e o seu espelho. É cópia do mesmo. É fraude humana.
Transparência é descoberta, iluminação. É imaginar outro mundo que deveras existe. É ir além do que aparece. É revelar-se através da matéria e da luz. É ser maior do que os corpos que habitamos.

3 mulheres à mesa de jantar

- É alguma reunião familiar? - Perguntou chegado da rua.
- Não, estamos apenas a conversar. - Depois dos beijos de olá-adeus, sai. Nós continuamos...
Conversa entre mulheres. Conversa entre pessoas que estão a crescer, que querem crescer e partilhar e criar outras narrativas de vida. Porque é preciso. Viver e tentar ser feliz. Reperspectivar o olhar. Até mesmo sobre os passados, sobre as mágoas que sentimos lá atrás, sobre os Se's que não aconteceram, sobre o que se consentiu e se deu e se cresceu por amor, sobre as dádivas e egoísmos quotidianos, sobre as mudanças e as permanências das gerações, sobre ser mãe e filha e irmã, sobre o que sobrou e nos faltou. Sobre nós e os outros. Olhar e questionarmo-nos construtivamente se nos queremos tornar pessoas. Porque é em nós mesmas que está a possibilidade de podermos mudar, mesmo que a educação ou a sociedade ou os relacionamentos nos impelem em sentido contrário. Tal como está a liberdade e a dignidade de se construir como pessoa, cada vez mais pessoa. Não ficar agarradas às nossas próprias narrativas que compussemos ao longo de tempo e que não têm já a ver com o que somos, ou que impedem que nos libertemos dos nossos supérfluos e das nossas aparências.
Mulheres que tentam fazer e dar o melhor de si em cada momento , apesar de...  we're only human.

sábado, 24 de março de 2012


É fácil estar na fortaleza, desde que não se abra a janela. Não é fácil, mas vai-se lidando com... Quando se entreabre, sente-se um tremor. Como se aquela brisa pudesse estremecer-nos de novo.
É só uma janela... só uma.
Haverá mais que se possam abrir.
De par em par.
E respirar.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Efémero é
estar exposto ao que os dias trazem

Píndaro. Odes Píticas para os Vencedores. (A. C. Caeiro, trad.)

quarta-feira, 21 de março de 2012

porque "os pássaros nascem na ponta das árvores"*

Tenho voltado devagarinho. Ainda em muito silêncio de mim. Tentando o renascer do sorriso. Não esforçando a pele. Dizendo aos meus orgãos, acordem mas lentamente. Olhando os outros e procurando, numa distância segura, a graça da sua diversidade, da sua humanidade. 
Vou voltando devagarinho. Como um pássaro aos primeiros sinais de uma outra Primavera.

* E "Eu passo e muda-se-me o coração", mas não demasiado.
 [do poema de Ruy Belo]

sexta-feira, 16 de março de 2012

ringue

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deixo-me deitada.
deixem-me deitada. Quando já não há forças nem sequer para ter vontade de tentar, deixar estar. Não há palavras nem racionalidades que auxiliem. Já que não há um abraço que se estenda apenas ao nosso lado em silêncio. Não consigo sequer receber aqueles que, com palavras, mesmo de afecto, nos querem levantar à força. Chega de ter forças. De fingir que se tem forças. De fingir que se é forte todo o tempo e se aguenta todos os socos. Todos os socos, num equilibrio para não sair do ringue. De um ringue sem qualquer corda. Deixo-me deitada, sem saber se ainda dentro ou fora do ringue. No silêncio. Finalmente e sem fingimentos fora do mundo.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Consonâncias

Durante anos resisti a mudar o layout deste sítio. Pensava que melhor seria criar um novo (como cheguei a fazê-lo) e deixar este efémero ser 'eterno'. Logo eu que gosto de remodelações. Desde adolescente quando requisitei o sotão para minha mansão exclusiva que, de quando em vez, tinha de mudar a disposição dos móveis; a cama só não esteve no tecto porque este era inclinado. E desde que tenho a minha casa, já fiz inúmeras, desde ligeiras mudanças a reformas totais - tanto que já digo habitar noutra casa,  e nos últimos 10 anos já 'mudei' de casa duas vezes e sem andar a encaixotar e com móveis às costas (só de empurra). Contudo, este lugar permanecia num ambiente azul-turquesa que me era tão próprio; ou era uma faceta minha que aqui gostava de cultivar... mas sabendo que também me condicionava, por vezes.
Sou mesmo assim, condicionada pelos ambientes, pela forma de estar dos outros. Talvez seja um lado meu demasiado atento aos outros. É um aspecto que, se de certo modo, aprecio, mas por outro tento com esta minha adultidade meio tardia, ajustar para que não me possa impedir de ocupar e viver o lugar que necessito e me é devido. Vinha isto a propósito de cores e design, de apenas bits... Ou não, vem a propósito das mudanças e adaptações que precisamos fazer constantemente na nossa vida e relativamente ao que vamos sendo e sentindo. Vem isto a propósito do presente. Do estar em cada instante. Consonante.

sábado, 10 de março de 2012

Os pardais voltam à minha varanda.
Anunciam-me a Primavera.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Dia de semana

Dia de semana. Quinta-feira. Beira-tejo. A outra margem muito perto, demasiado perto para o meu olhar habituado a perder-se no mar da palha. Na outra margem, a fábrica com os seus silos coloridos. Atrás o ruído dos carros de uma cidade em buliço; em cima, um gorgolhar contínuo dos rodados no metal da ponte.
Neste momento, redescubro um aspecto positivo - sim, preciso de redescobrir - desta minha nova condição.
Dia de semana. Passeiam  lentamente ao longo do tejo. Como eu acabei de o fazer. Pessoas que têm tempo e olhar. Não são os magotes de famílias, nem os guinchos dos reis-criancinhas dos fins de semana. Há velhos a passear de mãos dadas higienizando o seu corpo pela caminhada. Há mulheres conversando a passo lento ou ritmado. Há jovens beijando-se sentados nos bancos de cimento esquecidos do mundo e do rio - ó louca paixão, ó doce ilusão. Há estudantes em intervalo, há desempregados ocupando-se, há os que folgam e se exercitam. Há um caniche que passeia o dono pela trela. Há uma senhora de meia-idade, muito arranjada, sentada perto das águas, agarrada ao telemóvel.
Há pessoas que vão e vêm ao longo da margem. A passo, a corrida, em bicicleta. No recorte da fábrica a contraluz, alguém faz flexões, do lado contrário, as canas de pesacas alinhadas. Algures por aqui, alguém que escreve com uma lapiseira vermelha num caderno preto. Em frente, um barco à vela; veio da foz e do sol, aproximando-se lentamente pela brisa e que o vai levar ao porto; entretanto, deixa vogar, saboreiando a deriva.
Também eu saboreio a deriva, o sol, frente ao rio, com a cidade atrás. Que bom é este sol de Março.
[que prenda boa, inesperada para este dia da mulher]

[imagem roubada]

quarta-feira, 7 de março de 2012

noite de lua cheia

Cruzamos o nosso olhar na lua cheia. Gostei de o pensar assim. Talvez também te tenhas recordado daquele outro luar no rio, quando esse lugar foi nosso. Talvez te recordes dos sorrisos e do brilho nos olhos - aqueles que ficaram registados na memória de um telemóvel - em mim gravados numa lembrança feliz -. Das águas e do horizonte tranquilos, do entardecer suave que se foi tornando negritude, ampliando o vazio, primeiro à nossa volta, depois entre nós.
Olho a lua cheia, já vai alta, respiro-a sem pretensões de compreender; olho para o breu horizonte, sem nada mais do que um breve suspiro. Fui, sou, serei. Um pedaço de ti, noite: noite de lua cheia.

terça-feira, 6 de março de 2012

Primeiro foste um nome
ainda não eras tu mas pertencia-te
Depois foste um corpo
apenas ossos – disseste
Por fim fizeste-te ouvir
Na voz com que me acariciaste
voaste para mim inteira
Nesse momento percebi
que envolvendo o meu desejo
tu abrias as asas
para me abraçar

Ademar Ferreira dos Santos


Um mês depois... Se sinto a tua falta? Não. Se sinto a tua ausência? Sim. Se sinto saudades de ti? sim, de ti, contigo, do muito que existiu, do muito que ficou por acontecer.

Não, não tenho saudades de dançar contigo. Na verdade é a saudade que me tem, que me possui, que invade o meu corpo, a minha alma, que me toma e transtorna, quando me sinto nas tuas asas de desejo, abrindo-se para eu voar. 

PS: Por instantes, sinto-me perdida, por não caminhar contigo. Sinto-me perdida no meu próprio caminhar.

segunda-feira, 5 de março de 2012

dia 1

O dia como uma tela em branco,
como uma página em branco.
E nós perante ele...

domingo, 4 de março de 2012

Respirar tranquilo

Caminho para a tranquilidade - mais uma vez. Não é para a zona de conforto - haverá conforto na solidão? sim, há mas... -, é mesmo o caminho para a autenticidade, ou para a sua procura constante. Posso ser apelidada de radical, ou de difícil, mas tudo o que é autêntico, tem de Ser, porque é esse o seu âmago, a sua essência.
Seja o que for, seja no silêncio ou rodeada por uma festa, sinto-me cada vez mais eu, tranquilamente eu, com toda a diversidade de eus que seja momentaneamente. E que for sendo... neste caminhar, muitas vezes de aparência parada, mas no fundo somente tranquila.
Penso na palavra 'segura' e traz-me a memória de um jantar de curso finalizado por uma sessão de 'terapia grupal', quando a desinibição alcoólica já assomava, e a percepção de uma segurança que me fez sorrir interiormente porque não reconhecia a imagem espelhada... hoje reconheço uma imagem que outros já tinham visto. Transparência? Cresci antes de mim? ou seremos melhores do que nós próprios?
És melhor do que tu.
Não digas nada: sê!
Graça do corpo nu
Que invisível se vê.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

quinta-feira, 1 de março de 2012

virar de página

vira-se a página. não uma página qualquer. a última. a última página que também é a contra-capa. vira-se a contra-capa. a que está mais perto da capa. a face e o verso. fecha-se o livro. dantes lembro, nos livros de que gostava, sentia sempre uma resistência quando começava a chegar ao fim. começava a ler mais devagar, saboreando as frases, pausando na memória de narrativas anteriores, interligando-as, criando mais e diversos sentidos. este foi um dos livros da minha vida. um dos livros que lemos e reescrevemos constantemente. um daqueles livros que nos apaixona porque feito de paixão. e de tanta paixão não vimos o final aproximar-se - ou vimo-lo com os olhos mas não com as mãos, não com a aorta que nos fez, faz virar páginas atrás de páginas. e o final aproximou-se: decadente e patético, mesmo se, por entre os gestos íntegros, se insistia em continuar a desenhar palavras e frases com sentido. a história pertence ao autor; a narrativa pertence a quem a lê e a reconta.
vira-se a página, vira-se a folha, vira-se a contra-capa, fecha-se o livro. logo ao lado, uma outra página. uma outra folha, um outro livro com capa sem título. uma folha junto a outra, um livro ao lado de outro livro. e mesmo ao lado, há ainda outra prateleira. outra estante. porque há sempre mundo. outra página. comecemos: de cima para baixo, da esquerda para a direita: um mundo de página.