sábado, 31 de janeiro de 2004

A incerteza dos afectos só existe quando não nos tocam perenemente. No sentir, não há primeiros nem últimos. Nem mesmo quando é efémero.
É a aleatoriedade dos encontros e dos desencontros.


Ainda, agradecimentos pelos links, aos blogs Sublinhar, Vistalegre, universos desfeitos, a tribo dos sonhos, bekbekbek, e Deep.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2004

recanto(s)

ontem, noite chuvosa, ‘descobri’ – quando uma palavra visibiliza um sentir – que este lu.gar tinha recantos.
Não eram apenas ‘palavras efémeras ou talvez perenes’… era mais… é um recanto.
Quase todos os lugares têm o seu recanto. Lugar retirado, menos perceptível, quase escondido, quase surpresa. Lugar saboroso. Único. Onde se deixa por vezes uma marca, desejo de uma qualquer perenidade.
Todos guardamos na nossa melhor memória um (ou mais) recanto; imagem do que partilhámos, do que sentimos, do que pensámos… súmula da passagem por esse lugar… da nossa existência … às vezes só nosso… outras de mais alguém.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2004

chuva

gosto deste tempo de chuva… desta chuva que escorre pelo beiral e cai nos guarda-sóis esquecidos lá fora na esplanada, nas mesas, naquelas cadeiras antigas arredondadas, de ferro e de assento de madeira. Gosto de um dia assim, em que a chuva vem primeiro de mansinho e vai ficando mais forte, mais intensa. A princípio as nuvens são tão baixas que parecem uma extensão da água que delas deslizam, mergulham nas ruas, tornando o dia num entardecer prolongado.
Aí, sinto o dia ainda mais triste, ainda mais melancólico do que eu e, paradoxalmente, sorrio para o dia. E com este sorriso, ele ganha forças e vai crescendo, como se quanto mais desse, mais tivesse para dar.
Lagunas e riachos ocupam agora as ruas da cidade.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2004

A escuta inaudível dos bastidores.
A presença silenciosa… quando as palavras bastam… ou talvez não.

Síndroma ‘feminino’

Desde ontem que não me posso ver! Detesto ir à cabeleireira. Mas um ano e meio depois, já se exigia, e como sempre, detesto estar horas frente ao espelho, tendo como opção dramática, a minha (más)cara ou a revista ‘Caras’. E o resultado… sempre horroroso! De cabelos compridões ficamos com eles compridinhos, certinhos, parecem de outrem. Dá vontade de ir imediatamente para o duche ou rapá-los tipo máquina 0.
Enfim… atitude zen… esperar que cresçam e se desalinhem outra vez.

… ou a estória do velho, do burro e do rapaz… meu pai só se apercebeu ao fim de uma hora e porque outros o referiram, a minha sobrinha sei que vai ficar desolada… uma senhora no hospital: Ah! mudou de visual, ‘tá muita gira… outros… pensam que é assim porque assim me vão ver… 99,999% nem olha nem se importa. It’s just the skin.
inesperadamente. o sol projectando-se nas águas do rio.

terça-feira, 27 de janeiro de 2004

os olhos aparentemente vítreos fixavam o branco do tecto. como ele. horizontal. rígido. alvo. ao lado a mesa de cabeceira arrumada, apesar de algumas coisas dispostas como se não pertencessem ali. um papel escrito. uma caixa de papelão. fechada. um livro com uma página marcada. um fio enrolado sobre si mesmo. e os objectos usuais. o candeeiro. o copo meio vazio. o porta-retratos antigo. o quarto limpo, arranjado. quem vive só não se perde na confusão dos outros… apenas na sua.
a campainha toca.
permanece imóvel. na solidão das quatro paredes. estivera demasiado tempo só para estar com os outros. não era vontade de estar ou de não estar. era simplesmente assim. era finalmente uma escolha assumida. já que assim tinha sido, assim seria. há opções que deixam de ser opções quando são únicas. não podia trabalhar, não que não pudesse. não podia amar, não que não pudesse. não podia sentir-se feliz, não que não pudesse. apenas… não. não podia sair de sua casa, não que não pudesse, não queria, nem quereria quando os outros quisessem. lá ficaria até que lhe pegassem e a levassem. podia ter sido tanta coisa. podia ter sido de outra maneira, tudo. talvez não. as escolhas não são só meros acasos. nos acasos fazem-se escolhas.
a campainha toca pela segunda vez.
vinha à hora combinada, sempre veio, sabia que podia confiar. não por ela, pelo incómodo dos vizinhos, dias mais tarde. está tudo como deve ser. como escolheu que estivesse. finalmente. tinha sorrido. satisfeita. por si. finalmente.
ouve-se uma chave a entrar na fechadura. solta o trinco. abre-se a porta. ouvem-se passos. a porta do quarto entreaberta move-se. mais um passo.
pétalas rosas vermelhas grenás cobrem quase o branco sujo da colcha. como tinha visto num filme americano. ou numa telenovela brasileira. o cão em cima do tapete. deitado. horizontal. rígido. alvo. os olhos repousam nos olhos vítreos que parecem fixar o branco do tecto.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2004

a propósito da tele-biografia de Marianne Faithfull…

A leveza (do ser) mascara por vezes tantos dramas… torna-se quase sempre mais pesada que o próprio peso

apanhar as canas…

Larguei foguetes antes do tempo… relativamente às fotos… mas se fiz isto tudo sozinha, não hei-de conseguir pôr aqui umas míseras fotos?… Vou!!

ser dado como morto… antes de morrer

mais uma triste figura do 'jornalismo' da TVI. Já não bastava a vulgar nota forçada relativa ao futebol no final dos comentários do professor, porque assumidamente faz subir as audiências. Hoje devem ter pensado que seria “ouro sobre azul”: davam em primeira-mão a notícia da morte de um jogador em campo… só porque se viam os companheiros a chorar… e se choram é porque já morreu… “dedução” ‘chica-esperta’, irresponsável e eticamente reprovável… infelizmente confirmou-se duas horas mais tarde… mas não muda nada… só agrava!

domingo, 25 de janeiro de 2004

Efémeride

Esta noite faz um mês que foi criado este lugar. Durante meio ano fui espectadora da blogosfera, deste espaço de ideias e de afectos, de qualidades efémeras e eternas. Revelada pela mão de um Amigo que afirma que, num certo sentido, ela é a “minha cara”… não sei se é, mas tenho-me sentido bem cá dentro… muito bem. Tive muitas hesitações e dúvidas, algumas das quais permanecem, mas foram na essência, momentos de partilha e de solidão, de superação e de refúgio, de leveza e de peso, de (re)encontros múltiplos.
Tem sido bom estar cá… porque é também estar em muitos outros lugares.
Assim que cheguei fui acolhida por um inesperado “padrinho” bloguista, sombra amiga, depois pelo meu outro amigo, pelo amigo etér(n)eo, e por uma montanha de pessoas que, de longe ou de perto, efémera ou eternamente, por aqui viajam. Obrigada a todos.
Isto já está a ‘cheirar’ à entrega dos Óscares… e como se costuma dizer por lá: não sei bem se este lugar é para vós ou, por vós. Mas sei, porque sinto, que este lugar é feito, de algum modo, convosco.
Como até aqui… nunca vou saber qual o post do dia seguinte… não penso em ficar nem em partir… cada dia é uma surpresa… um encontro… uma descoberta…
até…

sábado, 24 de janeiro de 2004

no muro

uma gata prenha preta levemente malhada em cima de um muro. de um lado um jardim, do outro, a uns 5 metros, uma movimentada rua da cidade. espera… observa… um homem de gabardina branca desce a rua, passa perto, pára, acaricia-a demoradamente, a bichana corresponde, ajeitando o dorso à sua mão... ele parte… ela fica… esperando… quieta… apenas arrebita as orelhas ao ruído de um avião… imóvel… os transeuntes sucedem-se… e ela atende a cada um acompanhando-o com o olhar… imóvel… aguardando… observando

sexta-feira, 23 de janeiro de 2004

rostos

o rosto dos que passam sem serem vistos

o rosto dos que oferecem um sorriso

o rosto dos que vimos todos os dias, de relance

o rosto dos que avistamos e não conhecemos

o rosto das vozes que escutamos

o rosto das árvores, da relva e de uma folha caída

o rosto dos sons e dos corpos

o rosto das palavras que perturbam

o rosto familiar sem o ser

o rosto das sombras e do imaginado

o rosto dos afectos e da solidão

um rosto mil rostos um só rosto

rosto que sentimos sem vislumbrar

quinta-feira, 22 de janeiro de 2004

vaga
intensa
memória corporal
do tocar brando
ou ânsia
ciclópica e líquida

D.S.L.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2004

a legenda

Antes de apagar a luz ainda liga a televisão e, ao mesmo tempo, pega nuns papéis adiados, tentando conciliar o sono e o cansaço. Começa um filme. Dali a pouco levanta os olhos para o ecrã. Uma cena de amor. Volta a descansar os olhos nos papéis sem ler, pensando. O olhar vagueia até pousar numa legenda: “vai… os teus pensamentos criam a tua realidade”. Desliga a televisão, põe os papéis de lado, apaga a luz, fecha os olhos.

terça-feira, 20 de janeiro de 2004

diabólica ignorância

Santa Ignorância (a minha) sobre este meu lu.gar. Espanto, embaraço e incredulidade. Espanto, pelo adjectivo. Embaraço, ou um pouco de sobressalto, porque não sei lidar bem com certo tipo de visibilidade, gosto da discretude, e este meu anonimato aqui, para além de ser um pouco sinal disso e de ser equivalente escrever maria x. y. ou lu. – continuo tão inconhecida como sou para quase todos -, permite uma liberdade expressiva em que a responsabilidade é máxima, porque é comigo mesma, perante mim. Talvez também seja um pouco terapêutico para assumir algumas coisas ou para não dar tanta importância a outras. Talvez seja somente um modo de dar voz a mim própria, já que muitas vezes não me deixo dar.
Incredulidade… não por vós, acredito que sintam aquilo que escrevem. Creio, em geral, no que dizem, não por ser a Verdade, mas por ser a verdade de cada um em cada momento – e por vós e, por mim, pela minha ‘liberdade criativa’ (aqui e depois deste elogio) ainda bem que ela é muitas vezes, efémera. A minha dúvida não tem a ver convosco, com a vossa opinião. Hoje numa conversa obtive a analogia quase perfeita: a do estrangeiro que vem cá, admira, aprecia muito, por exemplo esteticamente, algo de que nós gostamos, acarinhamos porque é nosso mas consideramos apenas esse o seu valor… pequenino e querido (a cherry…). Não temos objectividade para avaliar… e eu aqui não tenho. E não tenho noutras circunstâncias, como num post que hesitei em publicar há cerca de 10 dias e não publiquei (aí vai ele, de seguida…ou antes) e nada tinha a ver com blogs.
Mas também queria confessar que gostei, o meu ego ficou grandinho com aquele ar balofo, mas felizmente muito transitório… amanhã ninguém se lembra do que dissemos aqui… mas, no fundo, agradeço de um modo perene.
Por vezes não percebo o que os outros percebem de mim. O vidro embacia-se… o espelho não reflecte… ou é a minha insegurança a não querer ver?

segunda-feira, 19 de janeiro de 2004

A saborosa amenidade inquieta dos dois últimos dias ameaça metamorfosear-se. Há um ligeiro sobressalto, uma pequena agitação, um alvoroço, por nada… é assim mesmo… por vezes depois da bonança… deve ser a noite… às vezes apazigua, outras desordena… mas haverá o sol logo de manhã… e " ’bora aí, dia". Por agora, dulces sueños.

domingo, 18 de janeiro de 2004

Azuis

O azul quase nocturno do anoitecer… o azul claro luminoso do dia… o azul meigo da manhã. Fim de semana de cores suaves, seriam pastel se não fosse a luz suave que as enalteciam.
Pela manhã, acompanho o rio, de leve cinzento, quase mar de prata ou palha. E o sol acarinha-me, torna-me mansa, como ele, ou como a minha gata que se enrosca no seu calor.
Dias com um pouco de tudo, de pequenos nadas, que sabe bem, onde há o ver, o sentir, de outro modo, com outro olhar. Um pouco para os outros, para mimar e receber, um pouco para mim, para estar e fazer o que dá prazer, o equilíbrio talvez harmonioso de uma quietude atenta, de uma reflexão interpeladora… um sereno desassossego.

Nota: estou escrevendo isto, à tarde, num canto de um corredor do hospital, passa uma das senhoras, ‘auxiliar de acção médica’ (julgo que é este o termo) – já sou quase da ‘casa’ ao fim de quase um mês de ‘permanência’ forçada – e lança a ‘boca’: “a aproveitar para escrever no diário?!” Sorrio-lhe, e penso, nem ela sabe que é mesmo para o ‘log’ – ‘diário de navegação’.

o tempo

"Não sei o que é o tempo. (…). Julgo, às vezes, (…) que o tempo não é mais do que uma moldura para enquadrar o que lhe é estranho. (…) Que coisa, porém, é esta que nos mede sem medida e nos mata sem ser? E é nestes momentos, em que nem sei se o tempo existe, que o sinto como uma pessoa, e tenho vontade de dormir.”

23-5-1932
Livro do Desassossego, Bernardo Soares (F. Pessoa)

sexta-feira, 16 de janeiro de 2004

Eternidade... é um 'tempo' sem temporalidade, um tempo sem contagens ou marcações, sem limites, é um tempo aconsciente… como o efémero… os infinitos tocando-se, entrecruzando-se. No fundo, não existem enquanto tempo, simplesmente existem… só, são.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2004

a propósito do estudo sobre a violência... no amor?

Sei o que é a violência. Por isso a compreendo. Por isso a recuso. Sei o que é a ternura. Não preciso de a compreender ou de a aceitar, apenas a sinto e a cultivo em mim para mim e para os outros, para os que a quiserem e souberem receber.
Sei que a insatisfação, as múltiplas insatisfações, perturbações complexas, podem levar à ou gerar violência, compreendo muito coisa, quer racionalmente quer emocionalmente… como disse o poeta, par delicatesse j’ai perdu ma vie, mas nesta minha outra, nova vida, é com delicadeza que quero conquistar a minha existência, com uma terna força interior.

A frase do principezinho: és responsável por quem cativares, é verdade, mas não é tão linear como parece. Somos é primordialmente responsáveis por aquilo que sentimos relativamente a quem gostamos, pelos sentimentos que temos para com essa pessoa, temos é de acarinhar os nossos próprios sentimentos; se somos responsáveis por aquilo que sentimos pelos outros seria mais natural agir em consonância, se amamos, se gostamos porquê que, em vez de o querer (mesmo inconscientemente) destruir ou apoderarmo-nos, não queremos somente que ele seja maior, melhor, único? Não por ou para nós próprios, mas por ele, porque gostamos dele como pessoa, independentemente dos seus sentimentos por nós. O encontro, progressivamente mais próximo, da raposa com o principezinho, é um encontro “criativo”, livre, de respeito entre dois seres diferentes que se torna eterno enquanto sentir, mas potencialmente efémero nas suas circunstâncias, porque há respeito, liberdade, afinidade, sentimento profundo.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2004

cores...

O que não é dito, as palavras ausentes, as palavras silenciadas, mudam os significados, transforma a paleta… como qualquer cor junto a outra cor… ou à sua ausência.
Tive um mini-crash. Três semanas sem um único dia de descanso, as súbitas mudanças de temperatura, o stress, o cansaço físico e psíquico, a expectativa, a preocupação, e hoje um pouco de febre e os brônquios apanhados. De manhã ainda fui trabalhar, à tarde iria outra vez para o hospital, mas convenceram-me a não ir, também eu não queria agravar o estado de quem está tão debilitado. E assim fiquei em casa. Soube bem. Preguicei. Li as primeiras e-ternas palavras de alguém que, hoje de manhã, (julgo) estava aqui, quando eu tinha acabado de ir lá…não sei se foi simultâneo… mas foi uma coincidência… é um fenómeno engraçado isto da ‘virtualidade instantânea’ e dos mecanismos de ‘vigilância’… perigosos eventualmente… mas como em tudo, depende do que o ‘bicho-homem’ faz do seu uso, da liberdade que se possa ter ou permitir, do consentimento que se dê às interferências dos outros, do respeito, em suma.
Perguntam o que têm vocês com isto que escrevo? Nada, mesmo nada, a não ser que queiram ter, que gostem de ter. O mesmo não se passa comigo, estou a ver o telejornal, e sei que não me interessa nada as manchas de certa parte do corpo de uma certa pessoa.
E como não me interessa, desligo… não a tv mas a atenção. Continuo preguiçando…
Não há dúvida que o pensamento precisa de um certo ócio. Não que se reflicta neste post, mas há pouco, à tarde, debaixo do edredon, meio dormitando, meio vagueando em sonhos acordados, tive tantas ideias para posts. Já esqueci algumas, outras, sei que voltarão noutra altura, outras não são ‘postáveis’, só sonháveis… Na verdade este post nem deveria ser publicado, mas paciência… é p´rós amigos, em ultima instância. Talvez descubra mais algum no meio dos 6 biliões de pessoas, ou pelo menos, nos 200 milhões de falantes do português. E vou aproveitar a ‘embalagem’ da escrita e a ausência de compromissos para continuar a tese… escrita séria :-| - pelo menos que ‘alguém’ diga aqui algo de jeito - como esta afirmação do ‘avô’ Aristóteles: “Toda a arte trata da criação, tecer e considerar como pode chegar a ser algo do que pode ser ou não ser e cujo princípio está em quem o produz e não no que é produzido

terça-feira, 13 de janeiro de 2004


o silêncio de um beijo

segunda-feira, 12 de janeiro de 2004

Hoje foi a minha vez de apressar o passo ao atravessar aquele corredor. all by myself.
tomorrow, it’s a new … and a better day… I hope.
Às vezes, penso que é impossível que entendas completamente aquilo que sinto. A culpa não é tua. Não existe culpa. As palavras que tenho são muito insuficientes, são muito imperfeitas”.

Este é o início de um texto que marcou o meu ano de 2003. É de José Luís Peixoto. “Amor”, saído no JL, em 28/5/2003.

nós somos feitos de tantas coisas impossíveis, tantas coisa de que duvidámos, tantas coisas que verdadeiramente acreditámos impossíveis, com todas as certezas, com todas as dúvidas. Nós somos impossíveis e, no entanto, somos possíveis. Estamos aqui. É isto que não sei como dizer-te. É isto que não sei se entendes completamente

Significados diferentes, afectos diversos… por estas palavras, por aquilo que me suscita(ra)m. Lemos as mesmas palavras e o texto é percebido de modos distintos. Sei que a sua leitura flutua com o nosso sentir. Uma mesma forma assume formas distintas. O tempo sucede, e nós reconstruímo-nos constantemente. Numa estranha constância que nos percorre, a variabilidade, o efémero do perene… ou do eterno… de qualquer forma… numa necessária busca de essencialidade… a incomunicabilidade do sentir que, por vezes, de repente, se torna tão clara, tão luminosa que “olho-te nos olhos e basta-me a verdade desta palavra (…) basta-me a verdade do teu nome (…)".

sábado, 10 de janeiro de 2004

Levante

Não havia férias sem aquelas ondas. Desde sempre aguardo ansiosamente por aqueles dias de agosto em que se levanta o sueste. Ainda hoje. Naquela ‘minha’ praia quase deserta, ou nesta mesma praia cheia de gente, os dias de Levante eram os melhores, os mais festejados. Miúda, naquele tempo, ou neste, avançava cautelosa, contudo destemidamente, estudando a cadência das ondas, observando o seu rebentar, procurando a melhor entrada… e aí ia eu… ao seu encontro, mergulhando-a, rompendo-a, voltando à superfície com os cabelos escorrendo pelo rosto e pelas costas e com um sorriso molhado, rasgado de satisfação. Ali ficava longas horas, saltando por cima delas – a sétima era a melhor, gosto das ‘grandes’ -, mergulhando quando se aproximavam com a espuma na sua crista, nadando nas breves pausas, sempre atenta ao seu ritmo, ou boiando, lá, mais longe, ouvindo a sonoridade surda do mar… no seu interior… no meu interior…no corpo, na alma.
Enrolanços poucos, e no início, mas lembro aquela sensação. A primeira vez, debatemo-nos, queremos contrariar aquilo que é incontrolável. Depois aprendemos que é mais sábio deixar-nos ir ao sabor do seu turbilhão, obtendo mesmo um prazer estranho nesse movimento poderoso que agarra em nós e nos leva até… à areia molhada. Não lutar contra aquilo que não podemos controlar, porém, e apesar disso, ter a consciência de nós, sentirmo-nos, e às forças, aos corpos que actuam sobre nós, connosco.
Era, é, um dos melhores momentos das férias, o sueste, naqueles dias em que o céu ganha tons acinzentados confundindo-se no horizonte com o mar, em que a praia era dual, pela barreira alta construída pelas vagas no areal, e as ondas… as ondas… as ondas…
Momentos de solidão, de entrega, de comunhão… de um qualquer esquecimento, de uma consciência sensível.
Dado o adiantado da hora, só uma "postinha":
aos Amigos.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2004

Insatisfação

Quando tinha tempo para ver os outros blogs, não tinha ainda nenhum, e lê-los suscitava-me respostas, intervenções... agora tenho meu e não tenho tempo para ver os dos outros.
Parece que... ou temos tempo para nós... ou para os outros... aqui.. ou lá fora.
Lá fora tem sido para os outros... aqui, um pouco para mim...

Noite alta,

muito alta, nas ruas semi-desérticas da cidade, um carro de recolha do lixo e pouco mais. Avanço em velocidade regular, o som emitido pelo rádio envolve-me e faz-me abstrair dele mesmo. Rolo em artérias conhecidas quase automaticamente, olho para fora, mas pouco vejo. Estou ocupada a pensar, não sei bem o quê, a sentir, vagas indefinidas… estou bem ao sabor deste rolar… entro no IC, as duas linhas brancas, ora contínuas ora intermitentes que ladeiam a faixa de rodagem conduzem o carro e os meus pensamentos, ora contínuos ora intermitentes, e assim continuaria mais 10 km, 20, 200, 2000 km… até…

quarta-feira, 7 de janeiro de 2004

sem tempo

Só hoje reparo, já faz quinze dias que ando todas as tardes a caminho de um dos maiores hospitais do país. O tempo não é contado, só se nota por um certo cansaço acumulado. Quase nunca tinha estado em hospitais e, das poucas vezes por causa de outros.
Agora também. Todos os dias estórias de vidas que entram e saem, ou então que permanecem semanas a fio. Ocorrências extraordinárias num ambiente de normalidade.

Como a de Dona A., vizinha de cama, humilde, generosa, mulher do povo, sofrida, com uma infância dura, aprendendo a sofrer em silêncio… ‘para dentro’ como dizia, agradecendo os pequenos gestos que os outros lhe faziam – como se fosse possível deixar de os fazer! – alegre, mesmo brincalhona apesar das dores, afectuosa. Guardo aqui, um pouco desse afecto.

No corredor. De um dos quartos sai um casal abraçado. Ela chora, baixinho, soltando a contenção que teve de ter lá dentro. Ele, estreitando-a contra si, consola-a, poucas palavras, um aperto amoroso. Andam devagar, depois mais depressa, como se quisessem fugir, fazer desaparecer a má notícia. Juntos.

Só um pequeno reconhecimento: tudo impecável, pessoal profissional e humano. Extraordinário.

O insólito

aconteceu-me hoje, depois da visita. Tinha estacionado o carro perto, em cima do passeio (ups!!!). Chego, está lá o carro, mas… estaco…não tinha sido assim que o tinha deixado!! Não, não é possível! Tento procurar na minha memória, ultimamente um pouco fraquinha. Continuo parada: não, não foi assim. Rodeio o carro. Pois não. Lembro-me perfeitamente da manobra de estacionamento. Incrível, estava perpendicular ao sítio onde o tinha posto. Nem queria acreditar. Mas… como? Porquê? A que propósito? Quem? Estava travado.
Hipóteses, só uma plausível: alguém(s) agarrou no carro e rodou-o sobre si mesmo. Para quê? Um acidente na rua que impossibilitasse a passagem senão deslocando o meu carro?! Suposições, porque ele não anda, não roda sozinho. Não, não é um carro do 007. Alguém viu?

despertar súbito

Acordo. Olho para o relógio. 03.08. Tinha estado a sonhar. Um sonho num lugar que talvez conheça, sem me lembrar onde, com gente, alguns vagamente conhecidos, outros bem reconhecíveis, numa situação muito minha vivida por sentimentos habituais. Inquietação, não o sentir do sonho, mas de acordada. Tento encontrar, voltar a deparar-me com a surpresa, mas o tempo não se repete, perde-se no efémero.
Deito-me e volto a adormecer…

segunda-feira, 5 de janeiro de 2004

aqui e além



"Não chove nem choro
para limpar a poeira
de indiferença,
nem rio das ironias
de sabor incerto,
fecho o grito
que sobrou do sol
e o cantar preso
numa qualquer garganta.



Amar, só aqui e além,
suave, secretamente
neste lugar,
apenas sou,
por estar somente
a narrar.
"

D.S.L.

domingo, 4 de janeiro de 2004

O que faço eu aqui?

A propósito da sonda Espirit, lembrei-me que quando era criança, e depois ainda no início de adolescente, costumava pensar, pensar e acreditar fortemente, de tal modo que até era acompanhado de uma certa angustiazinha (existencial), não gostava de me ir embora, de desaparecer deste mundo sem saber… sem saber os mistérios que há para lá desta terra, sem saber coisas do universo, obter algumas respostas aos enigmas cosmológicos. Do que me lembro era a única razão que me levava a ter pena de morrer. Olhando para trás, entendo uma série de coisas, não do universo, mas de mim e um pouquito dos outros (já não é mau). Nunca quis ter grandes coisas, nem sequer ter filhos, nem deixar ‘rastos’ materiais ou profissionais, não era não querer, mas sim, não pensar nisso. Só queria entender, pensar, conhecer. Para quê? Para conhecer, pensar, entender. Era um fim em si mesmo. Era também talvez, uma busca camuflada pelas eternas questões das origens e dos ‘destinos’, e dos porquês. Não só do universo, da humanidade, mas se calhar e no fundo, de mim mesma enquanto indivíduo mais ou menos singular, ou de isto tudo um pouco enquanto sistema. De nós próprios e do nosso lugar, neste lugar infinito, tão grande que nem somos capazes de o abarcar na nossa consciência… só alguns e só matematicamente.
E curiosamente este ‘post’ surgiu após quase dois dias de uma ‘luta metablogística’ comigo própria, em que escrevi alguns posts não publicados, senão no tal caderninho dos bloggers e mesmo assim incompletos. Uma das minhas dúvidas que sei que não desaparecerá e que já vinha desde há uns meses, mas que irei enfrentando (até à sua resolução… num sentido ou noutro), permanece:
o que faço eu aqui neste Lugar Efémero?

sexta-feira, 2 de janeiro de 2004

“podia muito bem ser de outra maneira”

Às vezes tudo pode mudar num instante, pela existência desse instante, de um encontro, de uma coincidência, de um desencontro, de um ‘estado de espírito’, de um acidente ou incidente, de um acontecimento fortuito, por estarmos apenas naquele lugar, ou não – “podia muito bem ser de outra maneira” (*). Outras vezes não, ou porque não é suficientemente relevante ou importante ou não estarmos abertos, despertos para o significado que esse mesmo ‘instante’ possa ter, ou não, ou vir a assumir. Para lá das coincidências ou dos encontros/desencontros aquilo que verdadeiramente faz mudar, ou nos faz mudar, é o significado que lhe atribuímos.
O modo como vemos - não é a morte a tristeza maior da vida, mas sim o rosto com que se apresenta - a forma como integramos e construímos a realidade exterior com a nossa própria realidade ou vivência.
Os factos em si, de per si, pouco ou nada são, se não existirem para cada um de nós e se não se souber ‘transmiti-los’, dá-los aos outros com as nossas idiossincrasias. E voltar a ‘dá-los’ a nós próprios, reconstruindo, refazendo as nossas construções e perspectivas, projectando um novo olhar sobre as nossas certezas fugazes, sobre a nossa visão do real, sobre o(s) nosso(s) passado(s) e presente(s)… desenhando e redesenhando ‘modos de fazer mundos’.
Mas este processo contínuo, de sucessivas continuidades efémeras, sendo muito ‘interiorizado’, auto-processado, não é possível sem um confronto, ou um diálogo com os outros, porque construímo-nos, criamo-nos através dos outros. Imaginemo-nos, por um instante, num mundo de uma única pessoa, nós próprios. Existiríamos mesmo?


(*) A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera

Encontros

Acordo e ainda no quente dos lençóis apetece natureza, o cheiro da praia, o marulhar das ondas, a cor da linha do horizonte ou o sabor do verde, a música dos pássaros, a calma da brisa nos arvoredos. Sinto saudade, mesmo desejo, quase corporal desses espaços que nos tocam mansamente, digitalmente.
Nas ondas mergulho e (re)encontro-a no mar de Sophia.

Ou no mar de Setembro de Eugénio de Andrade:

Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
dóceis, leves – só
ritmo e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem
despertos amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto,
puríssimo, doirado.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2004

Uma, duas, três…

... doze badaladas… mas se aqui já não há relógios de parede (o meu, herdado de minha avó, continua parado por falta de corda) nem sinos de igreja… apenas sons digitais, foguetes e outros que tais. Ouvi ruído, muito barulho, lá fora… ‘lá fora’ como a noite de natal… razões outras… e nada se passou… ou talvez sim… estou no sítio onde escolhi estar, onde hoje me sentiria realmente bem, por encarar de frente aquilo que é… acabando o ano de certa forma como ele decorreu, mas ao mesmo tempo diferentemente… não é possível fugir a uma certa verdade mesmo que esta seja efémera. A contagem decrescente, nem me apercebi dela, apesar de uns minutos antes uma amiga numa ‘comunicação’ virtual (mas tão presente) me ter alertado, assim como um telefonema, mas estava tão embrenhada que não liguei à convenção. Levanto-me só por ouvir estrondos perto de casa… um mini fogo de artificio particular mesmo aqui ao pé. Vou à janela, do outro lado do rio, para além das mil luzes permanentes, longínquos clarões efémeros erguem-se em direcção ao céu. Olho por uns momentos e regresso, não a um ano novo, mas a um novo dia. Pois não tem a palavra efémero a ver com dia?! E perene, com ano?! Hoje, é este o meu lugar efémero, dia a dia, efemeramente, embora queira fazer tantas coisas este ano, coisas que já iniciei e outras que virão certamente. Para todos os outros, não é necessário ser dia 1 para lhes desejar que em cada dia, sejam, façam e tenham aquilo almejam.