sexta-feira, 2 de janeiro de 2004

“podia muito bem ser de outra maneira”

Às vezes tudo pode mudar num instante, pela existência desse instante, de um encontro, de uma coincidência, de um desencontro, de um ‘estado de espírito’, de um acidente ou incidente, de um acontecimento fortuito, por estarmos apenas naquele lugar, ou não – “podia muito bem ser de outra maneira” (*). Outras vezes não, ou porque não é suficientemente relevante ou importante ou não estarmos abertos, despertos para o significado que esse mesmo ‘instante’ possa ter, ou não, ou vir a assumir. Para lá das coincidências ou dos encontros/desencontros aquilo que verdadeiramente faz mudar, ou nos faz mudar, é o significado que lhe atribuímos.
O modo como vemos - não é a morte a tristeza maior da vida, mas sim o rosto com que se apresenta - a forma como integramos e construímos a realidade exterior com a nossa própria realidade ou vivência.
Os factos em si, de per si, pouco ou nada são, se não existirem para cada um de nós e se não se souber ‘transmiti-los’, dá-los aos outros com as nossas idiossincrasias. E voltar a ‘dá-los’ a nós próprios, reconstruindo, refazendo as nossas construções e perspectivas, projectando um novo olhar sobre as nossas certezas fugazes, sobre a nossa visão do real, sobre o(s) nosso(s) passado(s) e presente(s)… desenhando e redesenhando ‘modos de fazer mundos’.
Mas este processo contínuo, de sucessivas continuidades efémeras, sendo muito ‘interiorizado’, auto-processado, não é possível sem um confronto, ou um diálogo com os outros, porque construímo-nos, criamo-nos através dos outros. Imaginemo-nos, por um instante, num mundo de uma única pessoa, nós próprios. Existiríamos mesmo?


(*) A Insustentável Leveza do Ser, Milan Kundera

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