- gosto tanto de a ver!
- obrigada.
Tinham-se encontrado à porta do prédio. Nunca tinham trocado mais do que meia dúzia de frases. Conheciam-se há mais de 10 anos. Vizinhas. Três andares a separá-las. Uns quantos anos também. Cumprimentavam-se, sorriam-se, falavam sobre o tempo, sobre os animais de estimação ou qualquer outro assunto supérfluo.
- gosto mesmo. está tão diferente. dá gosto vê-la.
- obrigada. realmente emagreci bastante, sinto-me mais…
- nem é isso.
Nem se podiam tratar pelo nome. não o sabiam. Aparentemente só se conheciam pelos traços exteriores.
- não é isso. está mais magra, é verdade. muito mais. mas agora tem um outro ar.
um sorriso era a resposta suficiente.
- está tão diferente, mais leve, com um outro brilho… no olhar… no modo como se arranja… o gosto de… está outra. às vezes custava vê-la… pela tristeza, estava… ainda bem… fico feliz.
Por resposta, um sorriso, emoção quase incrédula, a interrogação muda: - era assim tão visível?
O elevador tinha parado. Saiu e segurando a porta do elevador, olhando-se nos olhos, ternamente:
- desejo-lhe toda a felicidade, como a desejo para a minha filha.
- obrigada. até logo
- até logo.
O elevador continuou a subir mais três andares. Um nó de comoção prendeu-àquela senhora, quase desconhecida. um laço de ternura subitamente visível. Por aquilo que tinha ouvido, sentido. Pelo que tinha sido, pelo que era agora… sim, brilho de vida, renascida. pelo olhar que jurara um dia nunca mais ter de abandonar… um olhar para os outros, para muitos outros… Nunca mais…
Quando se olha, algures recebe-se, despertam-se olhares novos… conhece-se. Onde é que tinha ouvido: olhar é amar?...
Tira a chave de casa da mala, coloca-a na fechadura, roda-a. Entra em casa. Vazia. Fecha a porta. apenas aquela de madeira, pesada.
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