domingo, 9 de maio de 2004

Lampedusa & Visconti

"O negro do fraque, o cor de rosa do vestido, misturados, formavam uma jóia estranha. Ofereciam o espectáculo mais patético que pode existir: o espectáculo de dois jovens apaixonados que dançam um com o outro, cegos aos defeitos recíprocos, surdos aos avisos do destino, convencidos de que o caminho da sua vida será tão liso como o chão daquela sala, actores ignaros a quem um encenador faz desempenhar um papel de Julieta e Romeu sem lhes mostrar a cripta e o veneno previstos no argumento."
"Don Fabrizio sentiu o coração amolecer: o seu enfado cedia lugar à compaixão por aqueles seres efémeros, que tentavam desfrutar do exíguo raio de luz que lhes era concedido entre as trevas que antecedem o berço e as que se seguem ao último estretor. Poder-se-ia ser severo com quem está destinado a morrer? Seria ser tão vil como as peixeiras que há setenta anos insultavam os condenados na Praça do Mercado.(...) um dia, os toques da sineta que ele ouvira três horas antes nas traseiras de S. Domenico chegaria aos ouvidos de todos eles. Não era permitido odiar nada a não ser a eternidade."
"Além disso, toda aquela gente (...), todos aqueles imbecis, aqueles sexos fanfarrões, eram sangue do seu sangue, eram ele próprio".

O Leopardo (Il Gattopardo, 1963, ITA/FRA) de Luchino Visconti
baseado no romance homónimo de G. Tomasi di Lampedusa, Editorial Presença (1995)

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