quinta-feira, 17 de junho de 2004

acordar

um fio de água percorreu-lhe uma parte do tronco, como se fosse a carícia de um só dedo. leve, tímido, hesitante. talvez fosse isso que a acordasse. algumas das gotas que envolviam o seu corpo uniram-se formando aquele riacho digital desejado. acordou alagada no seu próprio suor, mas pelo menos a febre tinha baixado. sentia-se mesmo quase fresca, apesar do corpo molhado, dos lençóis húmidos. deixou-se estar deitada mais um pouco, auscultando o seu corpo. corpo moído de estar tanto tempo deitada, corpo dorido das dores, corpo dorido do colchão, corpo dorido do cansaço de estar meia viva. era assim que se sentia. meia viva. sentia o raciocínio embotado do sono provocado pela febre, dos medicamentos. como detestava esta sensação de não conseguir estar desperta para o mundo, de não poder olhar. de não poder fazer. do sentir, uma leve sensação semi-onírica, que ainda lhe parecia mais irreal pelo carinho com que a mimavam. rolou o corpo para a outra metade da cama, mais seca. ainda assim não encontrou uma posição confortável. levantou-se devagar. foi até à janela ainda fechada. abriu-a para receber o sol. semicerrou os olhos por tanta luminosidade. como tinha saudades do sol, de o receber no rosto. do seu calor, do sol forte e quente que já sentiu na pele, como um afago, como desejo, como abraço. do sol que a modela em água e luz. sorriu e inspirou uma centelha de vida.

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