terça-feira, 21 de setembro de 2004

Ada Negri

Ada Negri é natural de Lodi, na Lombardia, onde nasceu em 1870, filha de camponeses e veio a ser professora primária. Os seus primeiros livros reflectiam uma consciência social que se opunha às tendências simbolistas e esteticistas dominantes no fim do século. Mais tarde, a sua poesia evoluiu para incluir uma imensa afirmação de sexualidade feminina, muito diversa da tradicional poesia de amor em que as mulheres se confinavam (Il Libro di Mara, 1919). A sua expressão (derivada das liberdades e experiências métricas de Carducci e D'Annunzio) deixou por décadas de interessar à crítica italiana, largamente dominada pelo prestígio do "hermetismos" (uma poesia sábia e intimista que se desenvolveu durante a época fascista, como um refúgio contra as orientações oficiais, se bem que muitos dos "herméticos" tenham sido eles mesmos fascistas) que ainda comanda muito do gosto poético italiano. Ada Negri veio a falecer em 1945.”


Multidão


Uma folha tomba do plátano, um frémito sacode o cimo do cipreste, És tu que me chamas.


Olhos invisíveis sulcam a sombra, penetram-me como à parede os pregos,

És tu que me fitas.

Mãos invisíveis nos ombros me tocam, para as águas dormentes do lago me atraem,

És tu que me queres.

De sob as vértebras com pálidos toques ligeiros a loucura sai para o cérebro,

És tu que me penetras.

Não mais os pés pousam na terra, não mais pesa o corpo nos ares, transporta-o a vertigem obscura

És tu que me atravessas, tu.


Aquele Que Passa

O desconhecido que passa e te acha ainda digna de uma fugidia palavra de desejo,

Talvez porque na sombra da noite tão doce de Maio

Ainda resplendem teus olhos, ainda tem vinte anos a ligeira figura deslizante,

Não sabe que foste amada, por aquele que amaste amada, em plena e soberba delícia de amor,

E em ti não há membro nem ponta de carne ou átomo de alma que não tenha uma marca de amor.

Que tu viveste apenas para amar aquele que te amava,

E nem que quisesses podias arrancar de ti essa veste que o amor teceu.

Ele, ignaro, em ti já não bela, em ti já não jovem, saúda a graça do deus:

Respira, passando, em ti já não bela, em ti já não jovem, o aroma precioso do deus:

Só porque o levas contigo, doce relíquia à sombra de um sacrário.

in Poesia do Século XX, tradução de Jorge de Sena, Fora do Texto, Coimbra, pgs. 161,162
retirado de
http://www.terravista.pt/Guincho/2482/adanegri.html

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