Se escrever não nos redime, será que, em última instância, a própria vida nos salva, nos resgata? Em relação aos outros, a nós mesmos, à condição humana, à vida? Que adianta ter sido, alguma vez, alguém? Uma simples existência humana? Subimos e descemos, fazemos e refazemos, tentando sempre um fazer diferente. E se calhar, é precisamente nesta escalada, neste percurso erradio, vagabundo, sem pequenos objectivos definidos que pode advir o maior prazer. O fim em si mesmo. O prazer da descoberta, da visão de novas ‘paisagens’, fora e dentro de nós, de testar, de vivenciar os limites da nossa intensidade existencial.
Numa consciência de sermos todos os dias. Assim como respiramos todos os dias, precisamos de ser, todos os dias. Num ‘impulso’ inexplicável, numa necessidade intrínseca e essencial de nos vivermos plenamente. De não estarmos, apenas, de sermos, de criarmos, de nos recriarmos. Incessantemente.
De morte natural nunca ninguém morreu.
Não foi para morrer que nós nascemos,
não foi só para a morte que dos tempos
chega até nós esse murmúrio cavo,
inconsolado, uivante, estertorado,
desde que anfíbios viemos a uma praia
e quadrúmanos nos erguemos. Não.
Não foi para morrermos que falámos,
que descobrimos a ternura e o fogo,
e a pintura, a escrita, a doce música.
Não foi para morrer que sonhámos
ser imortais, ter alma, reviver,
ou que sonhámos deuses que por nós
fossem mais imortais que sonharíamos.
(…)
A morte é natural na natureza. Mas
nós somos o que nega a natureza. (…)
Jorge de Sena
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