Tenho guardadas todas as cartas de amor. Das que enviei… umas foram rasgadas, sei, as outras… a primeira, recebi aos 11 anos, 2 ou 3 páginas, uma carta “à séria”, que guardo com ternura por ter sido a inaugural, pela ingénua admiração e espanto que me causaram… nunca esperava suscitar tais sentimentos… a carta originada por um – “gostas de mim?”, eu, na surpresa, para não querer magoar, lembro-me tão bem, balbuciei – “acho que não”… partindo daí uma extensa reflexão sobre o ‘achar’ que podia significar ‘não’ ou ‘sim’. Ficámos amigos, tanto quanto crianças daquela idade conseguem ser. (ainda era criança nessa idade). Depois, papéis escritos com destinatário mais ou menos incerto, nunca entregues. Aos 15, a primeira paixão, bilhetes escritos durante as aulas, dezenas de cartas, os primeiros ‘poemas’ escritos a lápis, letra minúscula… acho que só dei uma…mais, não valia a pena… as outras abrigam-se na minha caixa de recordações… com as conversas de amigo que mantivemos durante esse ano. Entretanto, recebia algumas de dois ‘pretendentes’. De um deles nunca mais soube. De J. S. sei onde está… sem o saber ao certo. No ano seguinte, a ida para a minha ‘segunda’ cidade… o primeiro ‘dar a mão’… o primeiro beijo… (um dia escreverei mais…) … e mais uma carta… minha, de despedida… ou de uma espécie de medo racionalizado … ou de susto … ou apenas não gostar o suficiente… gostava de a reler… esse tempo foi abundante… em cartas… recebidas… escritas… trocadas… mas absolutamente desencontradas… um maço que guardo carinhosamente… mostrei-as ao remetente o ano passado… lemos e sorrimos os dois… Mais um ano, regresso à casa de sempre… mais umas não enviadas… uma apenas… de despedida… a mesma razão… outro desencontro, talvez. Faculdade, ‘adulta’(?) idade … muitos escritos… sempre… ora enviados, ora amontoados na caixa, porque se calhar eram-me apenas destinados… exercícios sentimentais… exploração dos afectos, descobertas de outros em mim… E… as cartas de amor atraiçoado… despedaçado… depois os bilhetes de amor-amigo, as missivas de amor distante… e quase finalmente… espontâneas cartas de amor rasgadas retribuídas com poemas aprisionantes … incongruentes… e as cartas de amor sem ecos.
Cartas de amor? talvez… cartas de enamoro de escasso namoro… Cartas de tantos sentires… Cartas de encontros e desencontros… guardados… não sei bem onde… esquecidas, passadas, nunca incólumes … ficam numa memória qualquer… entranhada… mas renovada… reconstruída, reescritas a cada momento. Um dia, quem sabe… correspondidas… e absolutamente ridículas.
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