Sentada, aqui. Olho lá para fora. O rio escuro. O céu breu. A noite negra. As luzes vibrantes, ao longe. Eclode uma vontade de voar… voar literalmente… ter asas… quase que sinto em mim, as asas, o voo… um alor nocturno… pairando, sobrevoando, planando… por onde? até onde? que importa. desta irrealidade sentida, permanece a música que me ala.
domingo, 29 de fevereiro de 2004
sábado, 28 de fevereiro de 2004
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2004
(somos) tão pouco… e, por vezes, sentimo(-no)s tanto
Se escrever não nos redime, será que, em última instância, a própria vida nos salva, nos resgata? Em relação aos outros, a nós mesmos, à condição humana, à vida? Que adianta ter sido, alguma vez, alguém? Uma simples existência humana? Subimos e descemos, fazemos e refazemos, tentando sempre um fazer diferente. E se calhar, é precisamente nesta escalada, neste percurso erradio, vagabundo, sem pequenos objectivos definidos que pode advir o maior prazer. O fim em si mesmo. O prazer da descoberta, da visão de novas ‘paisagens’, fora e dentro de nós, de testar, de vivenciar os limites da nossa intensidade existencial.
Numa consciência de sermos todos os dias. Assim como respiramos todos os dias, precisamos de ser, todos os dias. Num ‘impulso’ inexplicável, numa necessidade intrínseca e essencial de nos vivermos plenamente. De não estarmos, apenas, de sermos, de criarmos, de nos recriarmos. Incessantemente.
De morte natural nunca ninguém morreu.
Não foi para morrer que nós nascemos,
não foi só para a morte que dos tempos
chega até nós esse murmúrio cavo,
inconsolado, uivante, estertorado,
desde que anfíbios viemos a uma praia
e quadrúmanos nos erguemos. Não.
Não foi para morrermos que falámos,
que descobrimos a ternura e o fogo,
e a pintura, a escrita, a doce música.
Não foi para morrer que sonhámos
ser imortais, ter alma, reviver,
ou que sonhámos deuses que por nós
fossem mais imortais que sonharíamos.
(…)
A morte é natural na natureza. Mas
nós somos o que nega a natureza. (…)
Jorge de Sena
Numa consciência de sermos todos os dias. Assim como respiramos todos os dias, precisamos de ser, todos os dias. Num ‘impulso’ inexplicável, numa necessidade intrínseca e essencial de nos vivermos plenamente. De não estarmos, apenas, de sermos, de criarmos, de nos recriarmos. Incessantemente.
De morte natural nunca ninguém morreu.
Não foi para morrer que nós nascemos,
não foi só para a morte que dos tempos
chega até nós esse murmúrio cavo,
inconsolado, uivante, estertorado,
desde que anfíbios viemos a uma praia
e quadrúmanos nos erguemos. Não.
Não foi para morrermos que falámos,
que descobrimos a ternura e o fogo,
e a pintura, a escrita, a doce música.
Não foi para morrer que sonhámos
ser imortais, ter alma, reviver,
ou que sonhámos deuses que por nós
fossem mais imortais que sonharíamos.
(…)
A morte é natural na natureza. Mas
nós somos o que nega a natureza. (…)
Jorge de Sena
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2004
corpo imaterial
Quando se ouve apenas (um)a voz, em ausência de corpo, com que(m) estamos? O que é a voz? Não há vozes iguais. Por vezes parecem-se, mas ao fim de uns momentos, torna-se claro que aquela voz é única. Só pode pertencer àquela pessoa. Mesmo que não a conheçamos, mesmo que a conheçamos. E há vozes dentro daquela voz. Com o seu tom, a sua modelação, a sua entoação, a sua pronúncia, o seu ritmo. A diversificação na unidade, numa constância reconhecida. A voz que, sendo a mesma, se transforma na situação. Como o corpo. Como o espírito. A voz identifica, como uma impressão digital, revela e revela-se em substância, em essência, comove, suscita, perturba, tranquiliza, toca, trespassa. A voz é medível enquanto som, enquanto tonalidade(s) diversa(s), mas nunca é verdadeira e autenticamente captável, reproduzível.
A voz é, talvez e simultaneamente, o nosso lado mais imaterial e mais somático; um insubstancial, um incorpóreo que se materializa através de nós, em nós; o corpóreo que emana, transmutando-se em espírito, no inapreensível; ondas de alma corporal que se evolam.
A voz é, talvez e simultaneamente, o nosso lado mais imaterial e mais somático; um insubstancial, um incorpóreo que se materializa através de nós, em nós; o corpóreo que emana, transmutando-se em espírito, no inapreensível; ondas de alma corporal que se evolam.
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004
Dois meses, faz este lugar. Como se o efémero fosse algo parecido com uma certa… uma outra… felicidade. Descobrindo, aqui e ali, em mim e nos outros, um novo e renovado prazer transformado em gosto de sentir, de pensar. Num estar efémero, em que todas as coisas, e cada uma das realidades, assumem um distinto valor, uma dimensão estranhamente real e autêntica. Para mim tem sido muito isto, para além de outras mais… Para os que passam vindos de outros lugares, gostaria que este fosse, de algum modo (talvez um pouco pretensiosamente, e desculpem),… um objecto ‘estético’, um lugar que se olha, onde se fica ou se abandona, que toca de algum modo, mesmo que num efémero esquecimento, que reflecte sentires, pequenos sentires partilhados, individualizados, espelhados, que é uno e múltiplo. Não por ser ‘belo’, mas por ser de uma ordem mais sensitiva ou sensível, que reflecte e/ou remete para uma outra experiência, um outro ‘conhecimento’ construído, sentido e, também pensado.
Talvez um dia possa ser mesmo, isto… ou não…
Talvez um dia possa ser mesmo, isto… ou não…
quarto com vista sobre…
o pretérito…
(ao abram os olhos, no parapeito, azul cobalto, homem fumando, e alguns outros que se demoram numa ausência efémera)
De algumas palavras que nos acompanham silenciosamente ao longo dos últimos meses, de pessoas que ao sentirem, pensarem, fazem transparecer a sua inquietação, a sua alegria, a sua melancolia, a sua exultação, a sua dolência, o seu estar e, mesmo o seu ser, único, resta uma suave nostalgia. Perene de alguma forma, em mim. Boas viagens.
Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria partilhar
a sede de alegria –
por mais amarga.
Eugénio de Andrade
terça-feira, 24 de fevereiro de 2004
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2004
tóssan
Encontro numa das minhas viagens deambulatórias pela blogosfera, um nome. Um nome quase esquecido publicamente… injustamente, como tantos outros. Mas não é sobre os seus méritos que quero escrever, outros o(s) conheceram melhor. A sua memória em mim será sempre a de uma garota. Quando saí da maternidade, parece que vim para casa de meus pais, nos braços da sua mulher, discreta, silenciosa, companheira daquele homem efusivo, espontâneo, grande, largo, com um riso do tamanho do humor que tinha. Lembro-me criança e adolescente, ao recebermos a visita daquele casal, a casa enchia-se de alegria – e eu sentia, quando for grande quero ter uma ligação como a que eles tinham, só os dois, unidos, companheiros, inseparáveis, de admiração mútua, tão complementares -, as histórias que achava mirabolantes, encantatórias, feitas de pequenos pormenores, as incessantes anedotas nunca grosseiras – apesar das meninas, por vezes, serem retiradas da sala temporariamente por ‘prevenção’, mas ouvindo muitas delas a partir do corredor -, muitas das suas narrativas cruas – como só o subtil e perspicaz humor consegue -, captando o sentido de ridículo da nossa existência, ironizando sobre as grandes miudezas deste mundo. A facilidade da palavra, mas nunca palavras fáceis ou cómodas, e a destreza do gesto desenhado, face visível de uma extraordinária capacidade de observação, de subtileza, de expressão pensada. Na parede de meu quarto guardo um desenho seu, apenas cinco traços, escrevendo ‘Adolescência’.
domingo, 22 de fevereiro de 2004
Não há vozes, nem trilhos, nem memórias. Apenas o eco de uns passos que se afastam sob os arcos de mil viagens, de chegadas, de despedidas. Uma mão clara e longa, de ternura macia. Um sorriso desajeitado ou tímido que guarda a alma de um mundo. Uma caixa esquecida em cima de uma mesa. Um papel branco de letra encriptada. Uns lábios ressequidos de tanta água. Uma noite de longínqua tempestade. Um quadro caído, estrondosamente. Pedaços de pomos engolidos avidamente. Uma gota de sal para ser breve. Hoje é… domingo.
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2004
Palavras indizíveis
As palavras dizem tudo o que pode ser dito por elas. Por vezes é tudo. Quase sempre não basta. Não esperes que diga tudo. Há palavras que nunca direi nem a ti nem a ninguém. Nem a mim mesma. Está para além da palavra. Está aquém da palavra. Há coisas que não são palavras. Que se lêem, ou não. Como as palavras. Demanda de traduções de sentido insondado. Que se desfolheiam. Que se percorrem às vezes num labirinto às vezes numa seara. Por vezes num jogo de quarto escuro, por vezes numa pequena chama da vela. As palavras que nunca direi. Ou ouvirei. As palavras, as não palavras, como num livro, as linhas, os espaços. Moram lá. Demoram-se lá. Dentro e Fora. Com Palavras… ?
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2004
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2004
Plotino
Na minha incursão diária através dos livros, descobri estes trechos de um filósofo da antiguidade helénica. Plotino (III século d.c.), nasceu no Egipto, viveu em Alexandria, e rumou a Roma. Só aos 50 anos começou a escrever, mas deixou-nos 54 tratados reunidos em (6 livros, as) 'Enéadas' (julgo que não há tradução portuguesa). É considerado o primeiro e, principal, neoplatónico, e embora a sua teoria seja também essencialmente idealista, difere do mestre em muitas questões, nomeadamente no reconhecimento da importância da aisthesis, dos sentidos (e do corpo) como veículo para atingir a Alma e a Beleza Ideal. Como Platão em O Banquete, relaciona amor, emoções sensíveis, beleza e ser.
“Eis as emoções (pathe) que devem gerar-se quando nos aproximamos de uma coisa bela (kalon): um sentido de espanto (thambos), de doce terror (ekplexis hedeia), de aflição (pothos), de desejo (eros), de pavor misturado de prazer (ptoesis meth’hedones). Mas é possível sentir estas emoções – e de facto as almas sentem-no – também perante belezas invisíveis. Todas as almas as sentem, mas sobretudo as almas que das belezas invisíveis estão enamoradas. A mesma coisa acontece em relação aos corpos belos: todos os vêem mas nem todos ficam impressionados da mesma maneira. Daqueles que por eles são trespassados, diz-se que estão enamorados”
(…) “porque os olhos nunca poderiam ver o sol se não se tivessem tornado semelhantes ao sol, nem a alma poderia ver o belo (to kalon) se não se tivesse tornado bela (kale)”
(…) “Entra em ti mesmo e olha: e se não te vês ainda belo, faz como o escultor, quando trabalha numa estátua que deverá ser bela: aqui ele elimina alguma coisa, ali raspa, acolá alisa e torna a limar enquanto não aparecer o belo rosto da estátua” (…) “Seguro de ti, ainda que permaneças cá em baixo, já ascendeste e, sem precisar de qualquer guia, concentra o olhar em ti: eis o único olho que contempla a grande beleza (to mega kallos)”.
(Plotino, 'Sobre o belo', 1.6.4 - 1.6.9)
“Eis as emoções (pathe) que devem gerar-se quando nos aproximamos de uma coisa bela (kalon): um sentido de espanto (thambos), de doce terror (ekplexis hedeia), de aflição (pothos), de desejo (eros), de pavor misturado de prazer (ptoesis meth’hedones). Mas é possível sentir estas emoções – e de facto as almas sentem-no – também perante belezas invisíveis. Todas as almas as sentem, mas sobretudo as almas que das belezas invisíveis estão enamoradas. A mesma coisa acontece em relação aos corpos belos: todos os vêem mas nem todos ficam impressionados da mesma maneira. Daqueles que por eles são trespassados, diz-se que estão enamorados”
(…) “porque os olhos nunca poderiam ver o sol se não se tivessem tornado semelhantes ao sol, nem a alma poderia ver o belo (to kalon) se não se tivesse tornado bela (kale)”
(…) “Entra em ti mesmo e olha: e se não te vês ainda belo, faz como o escultor, quando trabalha numa estátua que deverá ser bela: aqui ele elimina alguma coisa, ali raspa, acolá alisa e torna a limar enquanto não aparecer o belo rosto da estátua” (…) “Seguro de ti, ainda que permaneças cá em baixo, já ascendeste e, sem precisar de qualquer guia, concentra o olhar em ti: eis o único olho que contempla a grande beleza (to mega kallos)”.
(Plotino, 'Sobre o belo', 1.6.4 - 1.6.9)
1000
De manhã, venho cá e encontro este número… sorrio, não por ser um número, este número, por ser de uma pessoa, por ser um amigo. Tenho quase a certeza que eras tu. Desde que soubeste que tinha este lugar, às vezes vens cá de manhãzinha, mesmo passados tantos anos de silêncio… tanto C.arinho… obrigada.
Instante Inadiado
Sabes,
hoje é sempre hoje
seja amanhã ou em qualquer depois,
senão, será um talvez
ou um cansaço do jamais.
Eterno é ser… - tudo –
em cada efémero instante.
Perguntas e eu também não sei.
por vezes ainda luto com o tempo
numa urgência de mim
passando pelo ontem e no amanhã
e chorando ser somente hoje.
E no sentir do frio da água correndo em mim,
desperto… por ser tanto, já hoje.
quarto com vista sobre…
a vontade de Viver…
“Há dois anos atrás, estava moribunda, tão dorida que tinha deixado de sentir, para não doer, prisioneira - pensava que de outros, mas era dos meus ‘ medos’, ao fim e ao cabo de mim, - tinha adiado demais, o fenecimento tinha vindo aos poucos e nem quase tinha notado - afinal era só um dia de cada vez,‘amanhã seria melhor’-, esqueci tanto - não ‘quis’ pensar, não ‘quis’ sentir - que me esqueci … de mim.
Há um ano, o mundo era eu… e cresci… tinha renascido… nasci de mim e por mim. E subia as ruas do chiado, voando sobre o mundo que redescobria, o universo estava todo à minha frente. Escalava o escadote de trinchas, rolos de pintura, berbequim, buchas e parafusos, na mão… vida nova, casa nova… o tempo afinal não tinha passado, o brilho no olhar tinha voltado, o fogo pela vida. Fazia e assumia finalmente aquilo de que gostava… apaixonava-me a estudar, a pesquisar, a pintar… e a amar… amar de novo o mundo… amar as pequenas grandes coisas como o calor do sol numa esplanada à beira rio, os verdes-relva da relva, uma pedra de uma casa, uma cor que lá estava no alto, um ruído comum que eu procurava a origem, o olhar indiferente, solitário das pessoas, e olhava-as nos olhos sem se aperceberem e quando acontecia notarem, tentava sorrir-lhes, o estar sozinha, o estar com os poucos mas queridos amigos, o ir e vir, por mim própria… finalmente… nada ser indiferente, tornar especial o que aparentemente é banal ou igual… e com uma consciência e um assumir inaudito, descobri que irei amar sempre, que me apaixonarei sempre, que este sentir é meu … sou eu...
Este ano, um pouco a descida à realidade, bastante solidão, o mundo ainda está lá; quando posso vou ter com ele, ele nunca vem ter comigo, nem nunca virá, e o mundo às vezes sabe ser duro… bem duro… mas eu dou-lhe um sorriso e ele suaviza, ele no fundo está tão só como eu, ou mais. Tenho-me a mim, para sempre, mesmo que às vezes, bata com a cabeça nas paredes nuas com telas. Sei que me tenho de manter viva todos os dias ’hoje é que é o dia’, fazer qualquer coisa, por mínima que seja, por mim e pelos outros… sim, pelos outros… outra coisa de que nunca mais me posso esquecer – que nunca esqueci, no fundo – dos outros… dos próximos, dos mais distantes, até dos desconhecidos… confio no coração deles… assim o meu torna-se maior… e o deles também… se precisarem de mim, estou aqui para o que puder, sem me esquecer de mim… isso nunca mais… só posso dar, se construir em mim. Um tijolo todos os dias… um mimo para mim para poder dar ternura aos outros. Espontaneamente. Livremente. Olhar os outros, para ver os outros e, para me ver a mim. Descobrir sempre algo de novo nos outros, em mim, em qualquer e em todas as coisas.
Já doeu demais sem qualquer sentido, já esperei demasiado por mim … agora quero viver… numa apaixonada serenidade… sozinha ou não… amando alguém, ou não, se não for possível, mas vou continuar amar… nem que seja uma gota d‘água deste rio... E o sol, e a lua, e as estrelas, as coisas e as pessoas… Não me vão quebrar o coração… mais valia ter morrido então… quero sorrir. E rir. Quero chorar, quero sentir. Ouvir, ver, saborear, dançar, falar, escrever. Nem que o faça sozinha - já o fiz tantas vezes, e estou aqui, assim. Acarinhar as minhas paixões. Já que estou, neste mundo… até decidir estar… vou fazê-lo…
Raios, estou a chorar… e ainda por cima outra vez aquela música… mas gosto de estar a chorar… estando mais bonita que nunca. condensando o mundo num só grito! Estou Viva!”
E POR VEZES
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos."
David Mourão-Ferreira
terça-feira, 17 de fevereiro de 2004
de regresso ao… quarto com vista…
para o (meu) mundo (sur)real…
existência pouco inteligível… com sede de infinito.
"the essential is no longer visible" - Heiner Müller
Eu
Identidade =
(desculpem, falta a foto do carro e da casa… não cabia aqui)
Alma = 21 gramas
Corpo = 170 x 58 x 90 x 71 x 92
Poesia = conjunto de letras agrupadas em palavras segundo uma determinada métrica
Amor = não existe. não é medível.
Fim = um monte de cinzas
irónico destino de uma memória …
(desculpem, falta a foto do carro e da casa… não cabia aqui)
Alma = 21 gramas
Corpo = 170 x 58 x 90 x 71 x 92
Poesia = conjunto de letras agrupadas em palavras segundo uma determinada métrica
Amor = não existe. não é medível.
Fim = um monte de cinzas
irónico destino de uma memória …
ou finos fios...
Pode ser um estendal, a cerca de 20 metros do solo, com gotas de orvalho e talvez uma teia que as sustente…
Pode ser lágrimas prestes a soltarem-se … a despenharem-se…
Pode ser…
Pode ser… tão só… aquilo que vimos e acreditamos.
pergunta ingénua
(que me ocorreu no final de 'Sete palmos de terra')
Porquê que as pessoas não sabem ser simplesmente felizes?
Não vale a pena responder... iria complicar...
Porquê que as pessoas não sabem ser simplesmente felizes?
Não vale a pena responder... iria complicar...
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2004
quarto com vista sobre…
Será que é o sol que nasce para mim,
ou sou eu que renasço com ele?
Acordei antes do sol nascer… já lá estava a lua, no céu… por momentos, fico confusa… ali aquela hora? É a lua que se está a ‘pôr’? vou tirar-lhe uma fotografia quando ela se aproximar do rio. Vou aguardar… palermice… se ela estava no lugar do sol… é por que também estava a nascer… e subiria como o sol, com o sol.
O sol que nasce agora por cima do rio…que corre… rumo à foz… ao mar…
Quero agarrá-lo, captá-lo com a objectiva… as minhas mãos tremem… tenho de tirar 3, 4 fotos… Preciso de olhar o sol. Quero. E se cegar? Se me tornar estátua de sal? ou ave?
E ele ver-me-á e continuará a brilhar? Despenhar-se-á? Distanciar-se-á?
Sinto, hoje já há um novo dia de sol… neste lugar.
Amanhã?
Se este sol for o meu sol, e eu a sua lua, quero renascer amanhã… e mais outro dia.
“sabemos isso. porque não sabemos mais nada para além disso.”
domingo, 15 de fevereiro de 2004
cartas de amor
Tenho guardadas todas as cartas de amor. Das que enviei… umas foram rasgadas, sei, as outras… a primeira, recebi aos 11 anos, 2 ou 3 páginas, uma carta “à séria”, que guardo com ternura por ter sido a inaugural, pela ingénua admiração e espanto que me causaram… nunca esperava suscitar tais sentimentos… a carta originada por um – “gostas de mim?”, eu, na surpresa, para não querer magoar, lembro-me tão bem, balbuciei – “acho que não”… partindo daí uma extensa reflexão sobre o ‘achar’ que podia significar ‘não’ ou ‘sim’. Ficámos amigos, tanto quanto crianças daquela idade conseguem ser. (ainda era criança nessa idade). Depois, papéis escritos com destinatário mais ou menos incerto, nunca entregues. Aos 15, a primeira paixão, bilhetes escritos durante as aulas, dezenas de cartas, os primeiros ‘poemas’ escritos a lápis, letra minúscula… acho que só dei uma…mais, não valia a pena… as outras abrigam-se na minha caixa de recordações… com as conversas de amigo que mantivemos durante esse ano. Entretanto, recebia algumas de dois ‘pretendentes’. De um deles nunca mais soube. De J. S. sei onde está… sem o saber ao certo. No ano seguinte, a ida para a minha ‘segunda’ cidade… o primeiro ‘dar a mão’… o primeiro beijo… (um dia escreverei mais…) … e mais uma carta… minha, de despedida… ou de uma espécie de medo racionalizado … ou de susto … ou apenas não gostar o suficiente… gostava de a reler… esse tempo foi abundante… em cartas… recebidas… escritas… trocadas… mas absolutamente desencontradas… um maço que guardo carinhosamente… mostrei-as ao remetente o ano passado… lemos e sorrimos os dois… Mais um ano, regresso à casa de sempre… mais umas não enviadas… uma apenas… de despedida… a mesma razão… outro desencontro, talvez. Faculdade, ‘adulta’(?) idade … muitos escritos… sempre… ora enviados, ora amontoados na caixa, porque se calhar eram-me apenas destinados… exercícios sentimentais… exploração dos afectos, descobertas de outros em mim… E… as cartas de amor atraiçoado… despedaçado… depois os bilhetes de amor-amigo, as missivas de amor distante… e quase finalmente… espontâneas cartas de amor rasgadas retribuídas com poemas aprisionantes … incongruentes… e as cartas de amor sem ecos.
Cartas de amor? talvez… cartas de enamoro de escasso namoro… Cartas de tantos sentires… Cartas de encontros e desencontros… guardados… não sei bem onde… esquecidas, passadas, nunca incólumes … ficam numa memória qualquer… entranhada… mas renovada… reconstruída, reescritas a cada momento. Um dia, quem sabe… correspondidas… e absolutamente ridículas.
Cartas de amor? talvez… cartas de enamoro de escasso namoro… Cartas de tantos sentires… Cartas de encontros e desencontros… guardados… não sei bem onde… esquecidas, passadas, nunca incólumes … ficam numa memória qualquer… entranhada… mas renovada… reconstruída, reescritas a cada momento. Um dia, quem sabe… correspondidas… e absolutamente ridículas.
sábado, 14 de fevereiro de 2004
porque sorrimos e choramos?
Excelente programa documental, na RTP1 sobre etologia: “Porque sorriem os cães e choram os chimpanzés”. O estudo bioquímico, comportamental, social daqueles que chamamos de irracionais. (não está afinal a ‘razão’ tão ligada à emoção?) Os afectos, a emoção, a “consciência” (mais do que simples reconhecimento) de si e dos outros, a linguagem, a comunicação, a interacção gestual e corporal, o comportamento criativo (imaginativo e não só adaptativo – mais do que assimilação/acomodação) e lúdico dos animais. E a frase final: “as emoções são a chave da sobrevivência”. Somos assim tão diferentes?
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2004
vozes
O escritor escreveu:
“O que gritava nela era o idealismo ingénuo do seu amor que pretendia ser a abolição de todas as contradições, a abolição da dualidade do corpo e da alma e talvez mesmo a abolição do tempo. (…) era o sentido da beleza que a libertava subitamente da angústia e lhe trazia um desejo renovado de viver.(…) o instante em que o amor nasce; a mulher não resiste à voz que chama pela sua alma apavorada; o homem não resiste à mulher cuja alma se torna atenta à sua voz. (…) as metáforas são perigosas. O amor começa com uma metáfora. Ou, por outras palavras, o amor começa no preciso instante em que, com uma das suas palavras, uma mulher se inscreve na nossa memória poética”.
Contradições: voz? quem a profere? quem a escuta, afinal?
“O que gritava nela era o idealismo ingénuo do seu amor que pretendia ser a abolição de todas as contradições, a abolição da dualidade do corpo e da alma e talvez mesmo a abolição do tempo. (…) era o sentido da beleza que a libertava subitamente da angústia e lhe trazia um desejo renovado de viver.(…) o instante em que o amor nasce; a mulher não resiste à voz que chama pela sua alma apavorada; o homem não resiste à mulher cuja alma se torna atenta à sua voz. (…) as metáforas são perigosas. O amor começa com uma metáfora. Ou, por outras palavras, o amor começa no preciso instante em que, com uma das suas palavras, uma mulher se inscreve na nossa memória poética”.
Contradições: voz? quem a profere? quem a escuta, afinal?
Sem SonS
Acaricio-te num gesto de
saudade do beijo, face da
imagem sonhada, sublimada
última vertigem ou primeiro
lugar de lua alada
saudade do beijo, face da
imagem sonhada, sublimada
última vertigem ou primeiro
lugar de lua alada
silêncio, ausência de sons, de qualquer som, num ruído insuportável. Silêncio da palavra urgente… como se o coração parasse para a escutar… e quando (quem dera, enquanto) não vem… volta a bater regularmente… numa normalidade… numa constância idiota. Silêncio de confrontos, num sismo periclitante… cai… não cai… caímos? E o abismo… não abismos… um dum lado outro do outro. Parece não haver saída; há. Voar ou sufocar.
Silêncio distante, em diferido, como um eco que se revela tardiamente, num caminhar primordial pelo mundo, antes de… entretanto, perdemo-nos no seu rasto… de dúvida, do incerto, do inseguro.
Numa dúvida quase certa, não rasgo o silêncio, ofereço-lhe um gesto num murmúrio, numa só letra, num só sinal . Para que a palavra se torne lua ou o silêncio, poeira de areia. Crendo na incerteza, na insensata impossibilidade do possível. Por isso estamos aqui.
“Penso que é impossível. E é quando gostava que me desses a mão. Tu sabes que é assim. Existe tudo dentro dessa palavra, amor, essa palavra que dizemos e que nos soterra. Estamos debaixo dela como se estivéssemos debaixo de montanhas, como se existíssemos no centro do céu sem nuvens. E imaginamos que todos podem ver-nos, e imaginamos que ninguém nos vê. Possível e impossível.” (uma outra vez, o texto de J. L. Peixoto)
Silêncio distante, em diferido, como um eco que se revela tardiamente, num caminhar primordial pelo mundo, antes de… entretanto, perdemo-nos no seu rasto… de dúvida, do incerto, do inseguro.
Numa dúvida quase certa, não rasgo o silêncio, ofereço-lhe um gesto num murmúrio, numa só letra, num só sinal . Para que a palavra se torne lua ou o silêncio, poeira de areia. Crendo na incerteza, na insensata impossibilidade do possível. Por isso estamos aqui.
“Penso que é impossível. E é quando gostava que me desses a mão. Tu sabes que é assim. Existe tudo dentro dessa palavra, amor, essa palavra que dizemos e que nos soterra. Estamos debaixo dela como se estivéssemos debaixo de montanhas, como se existíssemos no centro do céu sem nuvens. E imaginamos que todos podem ver-nos, e imaginamos que ninguém nos vê. Possível e impossível.” (uma outra vez, o texto de J. L. Peixoto)
Insónia ou falta de vontade de ir dormir
Noite fria, fria como as minhas mãos. Uma refugia-se no roupão, a outra, a outra acorrentada à escrita. Sem saber muito bem o que fazer. A alma… essa nem sei onde está, por onde vagueia… talvez algures perto da ursa menor, uns kilometrozitos por cima de mim… prefiro que hoje seja assim. Não posso pensar em infinitos nem em limites. Não penso… é a minha mão fria que guia estas linhas. Podia usá-las nos exercícios de desenho de movimento… automáticas, mas nem isso, a escrita hoje é mais instintiva. Gosto de escrever pelo prazer de desenhar letras, caracteres, formas que se unem e estendem… numa continuidade qualquer… numa unidade de tempo, de lugar, de acção, gesto de pontos, linhas, planos. Caneta de aparo fino, do mais fino que houver, de tinta, de preferência, permanente ou efémera… hoje é permanente… paradoxo. Às vezes, lapiseira, também fina. dantes escrevia tudo o que podia a lápis, hoje guardado tanto tempo, muitos mal se vêem. Numa letra pequena mas legível em que a verticalidade de alguns traços contrasta com a horizontalidade do aspecto geral. Para uns era pequenina demais e assim tive de usar cadernos de duas linhas, na escola… de pouco adiantou. Aparentemente fazia, mas dentro dela, eu crescia e hoje a minha letra sou (também) eu.
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2004
Não é poesia!
é um Vidro sujo, e ali, o Nu, o cru.
um dia…
um dia
nunca mais adormecerei a chorar
um dia
um dia, prometo,
nunca mais acordarei a chorar
um dia
nesse incógnito dia…
esse dia… tomara que não seja
o último dia.
um dia…
um dia
nunca mais adormecerei a chorar
um dia
um dia, prometo,
nunca mais acordarei a chorar
um dia
nesse incógnito dia…
esse dia… tomara que não seja
o último dia.
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004
lentamente levanta-se silenciosamente num silêncio pleno
de respirações suspensas um passo desvela desvela-se nos véus
que cobrem o corpo a alma olham-se sob véus na imobilidade
um braço levanta-se vagarosamente num gesto gentil lança
o véu sobre o espelho que se azula vaporiza em pétalas carmim
no solo da sala outro passo recua na proximidade debaixo do véu
uma mão move-se devagar o pulso condensando todo o seu pulsar
o braço abraça envolve envolve-se no próprio corpo um pé
erguendo-se percorre a perna no joelho projecta-se num movimento
que vagueia no espaço circundante o torso dobra-se num anseio
curvo tomba outro véu na sala solar dança em cadências suaves
vestígios indefinidos vagas de impulsos contornos velados movimentos
sustidos do corpo dos véus que descaem um outro sempre um outro
movendo movendo-se cercando cercando-se saciando
distendida flectida olhar de invisíveis transparências ritmo evolutivo
de corpo e véu detém-se erguida levanta o rosto demoradamente
translúcido límpido abrigado olham-se num derradeiro véu
lentamente levanta-se silenciosamente num silêncio pleno
de respirações suspensas
terça-feira, 10 de fevereiro de 2004
Sentados frente a frente. Um espelho de dupla face interpõe-se. qual reflecte qual? imóveis. olhar fixo. para além… de quê? olhar suspenso. quase hipnótico. murmurando em ecos sucessivos. por vezes parece que há um gesto, uma mão que se estende, ficando suspensa no ar… um sorriso que trespassa… como se aquele vidro fosse de matéria transparente… na opacidade de um sentir comum que se julga diferente mas não será tanto assim (pois não?)… a escolha de cada uma daquelas cadeiras foi casual, acidental.
e o olhar, o gesto, o murmúrio, o sorriso? e o espelho?
De uma janela, por vezes entram raios de sol, por vezes escorrem gotas de água, densas ou leves, iluminando ou obscurecendo. daquela sala vazia, só com duas cadeiras e um espelho, nem um nem outro querem partir… nem querem ficar… imóveis… se, pelo menos, o murmúrio se tornasse voz?... ou o espelho se quebrasse por prestidigitação? se se estilhaçasse por encanto?
desejo ou medo do encanto se quebrar. desejo ou medo do encanto se intensificar.
pela sala ressoa um claro clamor
e o olhar, o gesto, o murmúrio, o sorriso? e o espelho?
De uma janela, por vezes entram raios de sol, por vezes escorrem gotas de água, densas ou leves, iluminando ou obscurecendo. daquela sala vazia, só com duas cadeiras e um espelho, nem um nem outro querem partir… nem querem ficar… imóveis… se, pelo menos, o murmúrio se tornasse voz?... ou o espelho se quebrasse por prestidigitação? se se estilhaçasse por encanto?
desejo ou medo do encanto se quebrar. desejo ou medo do encanto se intensificar.
pela sala ressoa um claro clamor
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2004
efémero?
É um não silêncio. Como não quebrar o silêncio se há palavras que ecoam em mim e que já são demasiadas? Cada estar é um desejo de ser, cada efémero é um desejo de eternidade, um desejo em que não creio… porque não é possível… como o poderia ser? Não gosto de ilusões óbvias, sempre as combati, contudo perco-me nelas como dentro um livro; e na insegurança, fujo para a frente, tentando encontrar uma possível objectividade, dados que confirmem ou infirmem o geral numa busca do particular. Contudo sei que às vezes um pormenor atraiçoa, desmente aquilo que é indesmentível … porque toca agora, neste preciso momento, a spanish guitar?... delírio? anseio? Num cansaço de esperar mas mantendo, porque não posso deixar, é intrínseco, este verde absurdo, de fundo, da esperança. Outra ilusão? Então tudo é ilusão, sempre ouvi que tudo é ilusão. Ilusão - distracção. Nunca acreditei de um modo simples no que me diziam, ainda mais quando era diferente do que via fazer, mas acreditando e tentando ver porque o diziam. Construí-me num mundo em que não ouvi/cri, mas vi, tentei ver sempre mais, porque só assim podia construir aquilo em que acreditaria, para pensar e sentir ao meu modo. E sempre quanto mais me tentavam impor os seus modos de ver, mais eu elaborava os meus, não contra, muitas vezes englobando-os, mas diferentes. Não há cópias, não há mimesis. Tem de ser cada um a fazer aquilo que pensa que deve fazer, a pensar…a sentir… livremente… e se os outros não concordarem, acharem ridículo, pensarem outras coisas, derem outras intenções/presunções, são livres… como todos nós condicionalmente livres.
Sinto por vezes que vivi demais sem ter vivido, amei demais sem ter amado muito, esperei demais sem ter esperado muito… ou esperei tudo?.. senti e pensei demais e ainda agora… mas que mais resta? Somos o que sentimos e o que pensamos. E não é esta ânsia de sentir e pensar que nos torna gente, seres únicos, numa exclusividade que afinal não existe nem nunca existiu? Não é revolta ou amargura, é tentar aceitar aquilo que é irracionalmente ou emocionalmente inaceitável. É sorriso triste que num paradoxo ainda espera, ainda quer arriscar… porque o demais foi pouco… é pouco… e ainda pode ser tanto. Quero que seja. Às vezes acho que ajo pouco, que a minha quietude exterior é impedida pela outra inquietação que me avassala. Como se se compensassem, mas não. Ou noutras, não sei como agir, ou tenho receios, ou … simplesmente, não queria que tivesse sido assim, e mudar…? Mudar por mudar, não. Mudar o invólucro e deixar o resto vazio, não. Já quase me senti morta e rejeitei-me nesse molde, consegui renascer voltando a amar-me, Olhar de Novo, sei que é difícil todos os dias… no entanto… arrisco… procuro… escuto… amo indefinidamente, “O amor é uma ingénua tentativa de nascer outra vez”, como diz Luís Sepúlveda. Sei nem sempre o mundo nos deixa sequer amá-lo, mesmo que saibamos como, o que nem sempre acontece.
Sinto que ‘tutti li miei pensier parlan d’Amore’ (Dante) e será sempre, mesmo que, ou por saber que só assim consigo (sobre)viver “Amor que a nenhum amado amar perdoa” (idem).
Sinto por vezes que vivi demais sem ter vivido, amei demais sem ter amado muito, esperei demais sem ter esperado muito… ou esperei tudo?.. senti e pensei demais e ainda agora… mas que mais resta? Somos o que sentimos e o que pensamos. E não é esta ânsia de sentir e pensar que nos torna gente, seres únicos, numa exclusividade que afinal não existe nem nunca existiu? Não é revolta ou amargura, é tentar aceitar aquilo que é irracionalmente ou emocionalmente inaceitável. É sorriso triste que num paradoxo ainda espera, ainda quer arriscar… porque o demais foi pouco… é pouco… e ainda pode ser tanto. Quero que seja. Às vezes acho que ajo pouco, que a minha quietude exterior é impedida pela outra inquietação que me avassala. Como se se compensassem, mas não. Ou noutras, não sei como agir, ou tenho receios, ou … simplesmente, não queria que tivesse sido assim, e mudar…? Mudar por mudar, não. Mudar o invólucro e deixar o resto vazio, não. Já quase me senti morta e rejeitei-me nesse molde, consegui renascer voltando a amar-me, Olhar de Novo, sei que é difícil todos os dias… no entanto… arrisco… procuro… escuto… amo indefinidamente, “O amor é uma ingénua tentativa de nascer outra vez”, como diz Luís Sepúlveda. Sei nem sempre o mundo nos deixa sequer amá-lo, mesmo que saibamos como, o que nem sempre acontece.
Sinto que ‘tutti li miei pensier parlan d’Amore’ (Dante) e será sempre, mesmo que, ou por saber que só assim consigo (sobre)viver “Amor que a nenhum amado amar perdoa” (idem).
domingo, 8 de fevereiro de 2004
louca intenção consciente
Intencionalidade (poética?) e loucura
Consciência (entre a nuclear e a autobiográfica) e loucura
loucura, meta-consciência de um meta-sentir
“Se eu quisesse, enlouquecia”
Consciência (entre a nuclear e a autobiográfica) e loucura
Tenho de querer, não enlouquecer
loucura, meta-consciência de um meta-sentir
sábado, 7 de fevereiro de 2004
Pinto mundos, desenho gestas e esqueço, desaparecendo numa consciência diversa. Perco-me no nevoeiro por uma procura longínqua que reencontro brevemente em traços e manchas sem mundos nem gestas. ‘não procuro, encontro’; procuro e não encontro; no desencontro, encontro uma multiplicidade de caminhos, outros. Abandono caracteres, formas definidas e narrativas ilusórias, ou quase dementes, que martelam numa sucessão de palavras, de frases, num eco de versos imprudentes, de letras casuais. Iludo-me numa racionalidade de que julgo precisar, mas não agora não aqui. Escape próximo ao invés de um desejo necessário. Regresso algo serena, sorrindo do absurdo. eu?
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2004
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2004
noite
1h00. A minha rua tem as luzes apagadas. Desde há 3 noites. Ainda não tinha reparado bem. Esta noite… tinha de ser… vim à varanda… não sei porquê… talvez por ter visto, horas antes, a lua cheia, ou quase. Já não a vejo daqui… os andares mais altos ocultam-na. Sei que está lá. Sinto-a. Vejo o seu halo. Algum reflexo no rio. Na escuridão as coisas são diferentes. O vulto das árvores, esguio, negro, despidas. Os ruídos intensificam-se… mas queria o silêncio do mar… de água… só tenho o rio pontuado pelas luzes da ponte, enquadrado pelas luzes das cidades, de cá e de lá. O escuro tão claro. As luzes siderais no azul nocturno. Indecisão… permaneço um pouco mais… volto para dentro… uma luz intensa… à esquerda. Viro-me tentando entender… suspendo a respiração… foi… apagou-se. Ainda o vi… mas vê-lo aqui?... tão nítido?... foi um fugaz meteorito brilhante.
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2004
Palavras
Palavras. P-a-l-a-v-r-a-s. Movemo-nos entre palavras. Há um pudor, um receio nas palavras… das palavras… como se ao dizê-las, ao escrevê-las se tornassem mais reais, mais verdade que a própria realidade… retornando à eterna questão entre a verdade e a poesia ou a arte. Ou ao contrário, espelhassem toda a sua mentira, não por serem falsas… por serem de outra ordem… são somente mediadoras… de sentido… do significado… dos sentimentos, dos pensamentos…Ou então bastassem apenas… até se tornarem apenas sons… letras… formas desenhadas… Ou ficassem aquém, tão longínquas, tão distantes, como a praia e as dunas.
Pensar com palavras?... Sentir com palavras?
Pensar sem palavras?... Sentir sem palavras?
A representação ou expressão por palavras. Antes ou depois. A Ideia. Que se traduz em imagem, ou em sensação indefinida ou corpórea, ou em pensamento verbal ou não linguístico. Ou numa linguagem outra. Da música, harmonia-melodia. Do visual, desenho-contorno, cor-mancha. Do táctil, suave-textura-rugosa. Do odor, fragância-hormonal. Do sabor, plácido-acre. Do kinestésico, movimento-corpo-dança.
Formas que desesperadamente formamos, construímos para dar… a nós… aos outros… para nos darmos aos outros.
Pensar com palavras?... Sentir com palavras?
Pensar sem palavras?... Sentir sem palavras?
A representação ou expressão por palavras. Antes ou depois. A Ideia. Que se traduz em imagem, ou em sensação indefinida ou corpórea, ou em pensamento verbal ou não linguístico. Ou numa linguagem outra. Da música, harmonia-melodia. Do visual, desenho-contorno, cor-mancha. Do táctil, suave-textura-rugosa. Do odor, fragância-hormonal. Do sabor, plácido-acre. Do kinestésico, movimento-corpo-dança.
Formas que desesperadamente formamos, construímos para dar… a nós… aos outros… para nos darmos aos outros.
terça-feira, 3 de fevereiro de 2004
Depois da fuga-desejo para outra Lisboa, regresso a esta Terra. Também eu um pouco mais tolerante. Não é possível fugir dos lugares, transportamos connosco os fantasmas, a dificuldade de lidar com as coisas, a solidão, o que nos faz chorar ou sorrir, aquilo em que acreditamos, os nossos sonhos… mas estes às vezes, em certos lugares, tornam-se pesa-delos… demasiado pesados quando podiam ser leves (87yuuuuuuy… -isto foi teclado pela minha gata, percebi o que ela queria dizer: colo, mimos). Sei que não há sol ou sóis como neste lugar, nem se vêem estrelas com tal claridade/obscuridade, nem…
A força que se renova todos os dias, só que por vezes chega no comboio do dia seguinte… atrasada para aqueles momentos de desânimo, de inquietude, em que precisamos de algo que nos evole… quando já não basta…
Dói-me haver uma realidade amável (ou amarga) de que quero fugir. Dói-me não saber para que fujo e o que quero encontrar. Talvez tudo se resuma a não ter o teu corpo junto ao meu quando me vou deitar, e a não ver o teu rosto quando acordo. Talvez seja verdade que há uma realidade física que ultrapassa toda metafísica.
Ou..
A força que se renova todos os dias, só que por vezes chega no comboio do dia seguinte… atrasada para aqueles momentos de desânimo, de inquietude, em que precisamos de algo que nos evole… quando já não basta…
Dói-me haver uma realidade amável (ou amarga) de que quero fugir. Dói-me não saber para que fujo e o que quero encontrar. Talvez tudo se resuma a não ter o teu corpo junto ao meu quando me vou deitar, e a não ver o teu rosto quando acordo. Talvez seja verdade que há uma realidade física que ultrapassa toda metafísica.
Ou..
We must be still and still moving
into another intensity
for a further union (…)
In my end is my beginning.
T.S. Eliot
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2004
domingo, 1 de fevereiro de 2004
Choraram, abraçados. O regresso a casa, ao quarto, àquelas paredes tão antigas como eles. Juntos, ali, ao fim de 39 dias. Tinha pensado que não voltaria outra vez ali, que ele ficaria sozinho. Primeiro, esteve a dor, o sofrimento, a doença, só depois a consciência da gravidade da situação. Ele, desde o primeiro momento que soube, numa percepção agravada pelo conhecimento, em que o saber agrava a dor, pela impotência, pela irracional culpa de não ter diagnosticado mais cedo, pela angústia dos prognósticos prováveis e hipotéticos.
Quem fica cá fora, sente-se mais só. Só com uma dor que não se monitoriza, que não é sujeita a terapêuticas.
Agora, talvez mais umas semanas, meses… anos? Unidos. Talvez seja amor. Talvez amizade profunda. A certeza de fazerem parte um do outro. São um pouco da carne e da alma do outro. Ao fim de tantas décadas… desde o casamento, realizado numa distância forçada para poderem estarem juntos uma hora por dia. Naquela altura, era ele que estava dentro, dentro de uma cadeia de Caxias, ela cá fora, em constantes viagens de Coimbra a Lisboa num comboio ronceiro.
Muitos e muitos anos apenas os dois, caminhando a custo mas levados pela cumplicidade. Quando os amigos começaram a ser avós, foram inesperadamente, pais. Pais-avós. Por isso talvez se agarraram à vida, na angústia de não verem crescer as filhas crianças. Ainda lutam, desesperadamente, contra a morte, não acolhendo o efémero. Vão pedindo mais um ano… no fundo querem mais… um retorno a algo que se distancia cada vez mais.
Esta noite, estão reunidos, outra vez. Mais uma vez. Dormindo juntos, no quarto de sempre. Não importa se longe, se próximos de uma qualquer eternidade.
Quem fica cá fora, sente-se mais só. Só com uma dor que não se monitoriza, que não é sujeita a terapêuticas.
Agora, talvez mais umas semanas, meses… anos? Unidos. Talvez seja amor. Talvez amizade profunda. A certeza de fazerem parte um do outro. São um pouco da carne e da alma do outro. Ao fim de tantas décadas… desde o casamento, realizado numa distância forçada para poderem estarem juntos uma hora por dia. Naquela altura, era ele que estava dentro, dentro de uma cadeia de Caxias, ela cá fora, em constantes viagens de Coimbra a Lisboa num comboio ronceiro.
Muitos e muitos anos apenas os dois, caminhando a custo mas levados pela cumplicidade. Quando os amigos começaram a ser avós, foram inesperadamente, pais. Pais-avós. Por isso talvez se agarraram à vida, na angústia de não verem crescer as filhas crianças. Ainda lutam, desesperadamente, contra a morte, não acolhendo o efémero. Vão pedindo mais um ano… no fundo querem mais… um retorno a algo que se distancia cada vez mais.
Esta noite, estão reunidos, outra vez. Mais uma vez. Dormindo juntos, no quarto de sempre. Não importa se longe, se próximos de uma qualquer eternidade.
memória de pessoas, de lugares.
Hoje já não vou a caminho do hospital. Não por agora. Já não vou encontrar o sr. arrumador que, quase todos os dias, me indicava o lugar já vislumbrado; que me tratava por tu e passou a olhar-me de uma forma diferente quando, naturalmente, o tratei na 3ª pessoa. A senhora das senhas do fim de semana que já sabia que eu era a filha da senhora x. os porteiros mais ou menos circunspectos. O ruidoso e movimentado espaço da entrada. As enfermeiras solícitas e disponíveis. A enfermeira M., estagiária, delicada e doce, alegre – gostava de, daqui a uns anos, a reencontrar assim; as enfermeiras I., E., B. e tantas outras, portuguesas e espanholas; todos os serviços têm uma mais ‘sargenta’, aquele também, ‘bipolar’, como diria alguém, no entanto um sorriso, quebrava-a e ela correspondia; as auxiliares, todas simpáticas, cuidadosas, brincando quando as doentes recusavam o seu lanche… “estou a ver que aqui já não faço negócio…”; os médicos, mais distanciados, mas atentos, responsáveis. As companheiras de quarto ou de infortúnio, perdi um pouco a conta, talvez nove ou dez, umas de poucas noites, outras de semanas; amizades efémeras, conversas solidárias. Dores partilhadas.
As minhas escapadelas para o corredor, para escrever ou tentar ler um pouco. Ou para o átrio das escadas, frio, tomando um cafezinho de máquina, fumando ou procurando algum apoio amigo através do telemóvel.
Uma perspectiva diferente de um local encarado até então por um outro ângulo. Como diferente esta vista quase aérea, quase (irre)conhecida que me acompanhou nesta quase quarentena.
As minhas escapadelas para o corredor, para escrever ou tentar ler um pouco. Ou para o átrio das escadas, frio, tomando um cafezinho de máquina, fumando ou procurando algum apoio amigo através do telemóvel.
Uma perspectiva diferente de um local encarado até então por um outro ângulo. Como diferente esta vista quase aérea, quase (irre)conhecida que me acompanhou nesta quase quarentena.