terça-feira, 31 de outubro de 2006

enrolada numa lágrima
dou o que o meu coração
exige
silêncio


um grito ecoa no deserto

"Ama-me quando eu menos merecer, pois é quando eu mais vou precisar...." (Provérbio Chinês)

Encontrei esta frase, transcrita por mim, num caderno antigo. nessa altura, acrescentei (confúcio). não sei onde a li ou a ouvi. mesmo não me agradando o termo merecer não encontro nenhum que o substitua. fico com o seu melhor sentido.
Volto a encontrá-la neste blog com uma antologia de Mário Quintana.

Nenhum sentido encontro à célebre frase:
"Cada um tem o que merece"
é falsa, é injusta, desprovida de bondade. mas é a que mais se ouviu, infelizmente.
Não. Há muita coisa que ninguém merece! Alguém merece morrer à fome? Adoecer? Alguém merece não ser pessoa? Não, nem dizendo a brincar, se ouve incólume...

segunda-feira, 30 de outubro de 2006

sangro
sangro por dentro
sangro mais do que se tivessem arrancado um dente
sangro com sangue escarlate
sangro e nem apará-lo com um maço de algodão
- também não valia a pena -
sangro sangue nas mãos
na boca anestesiada
comendo saliva
sanguinolenta
donde veio? - veia
dum coração incauto e
sangrento
ego-ista
de repente repara-se num detalhe e muda tudo. pelo menos, muito. ter esquecido de ver um pormenor. como é possível que estivesse lá e não o ter visto? ainda por cima tão visível. tão afamado?! o que era um quadro claro, límpido, consistente, torna-se confuso. seria uma minudência se não estivesse num lugar fulcral. a intencionalidade, o a(in)cidente, a ocorrência altera-se porque existe aquele risco, aquele traço. e o outro? aquele que confina com ele? desapareceu, apagou-se? poderia esse desaparecido mudar o olhar?
e mudará, de facto, tudo? ou quase tudo? ou quase nada?... ou nada?! como é possível confiar nas contaditórias... sensações?

Episódios femininos

A prova pública - social - de um corte de cabelo

Ao longo do dia, espaçados comentários, elogios ao cabelo. Num local de trabalho exclusivamente feminino não é de estranhar. Menos uma. uma das que esperaria um reparo imediato. Mas não julgo que a razão mais forte seja a mais evidente (em bom português, dor de cotovelo), é o nosso progressivo afastamento (ando sem paciência para a incompetência*), mas sobretudo porque tinhamos já falado de cortes... de cabelo, tendo-me proposto a sua cabeleireira. Quando a vi depois de ter utilizado tais serviços, afirmei para mim própria que nem de graça iria lá. Era um pavor.
Mas o que mais me tocou aconteceu no café onde vou à hora de almoço. Duas moças simpáticas brasileiras que já conhecem os meus hábitos. Uma delas, ar de rapariga novinha, cerca de 20 anos - e já tão longe de casa a ganhar a vida - aproxima-se e diz, com uma voz extraordinariamente doce, cantada como só falam os brasileiros, espontânea, quase deliciada:

- O seu cabelo está tão bonito!

O que eu poderia responder? apenas o que senti: - gostei tanto que mo dissesse!


* Se estivesse identificada, aqui, talvez não devesse ser tão explícita... mas não fingimento, nota-se bem no olhar que mostro à pessoa e vou-lhe dizendo de outras formas.

domingo, 29 de outubro de 2006

almoço tardio

aqueço a água no micro-ondas. barro bolachas quadradas com o doce de abóbora. abóbora e pinhões. doce feito numa tarde de outono. por mãos de ternura. costuma-se pôr nozes no doce. não havia nós(es) só pinhões. pequenos e esguios. na água, uma infusão, uma fusão de cidreira e mel. àquela os gregos designavam-na por erva do mel de abelha. seiva nectár. oferta desejo doce dos deuses, dos céus.

são 3 horas. da tarde. ou 15
seriam 4 horas, pela hora de ontem.
não há sol às 3 ou às 4...
e às 5 ...?
é preciso sol?
Não devia ter cortado o cabelo...
cobria os meus medos

sábado, 28 de outubro de 2006

Vem...

...
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Pelos campos a fome em grandes plantações
Pelas ruas marchando indecisos cordões
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo canhões
Vem vamos embora que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora não espera acontecer
...

Pra nao dizer que nao falei de flores
(Geraldo Vandre) cantada por Simone


Por nós.
talvez um dia saibamos...
ser amantes amadas.

sexta-feira, 27 de outubro de 2006

porque choras
vi no espelho
o caminho que percorri
já não consigo ver
doem-me os olhos
choram-me as lágrimas

quinta-feira, 26 de outubro de 2006

- sabe o seu signo chinês?
- sei
- …
- …
- serpente
- hum
- porquê…?
- se eu lhe dissesse, estragava a surpresa.

(???)

quarta-feira, 25 de outubro de 2006

o oculto segredo que ela guardava estava à vista de todos. era ela própria, secreta.

os educadores... do povo

-Então já votou?
- Votei?
- No português mais...
- Ah! Não! Nem vou gastar dinheiro com as ideias que uns sujeitos resolvem ter...
- Mas pode-se mandar por mail. Só se paga telefonando ou por SMS. O prof. Marcelo disse, no outro dia, que já votou.
- Ah! O professor...
- Sim, o nosso grande professor...
- Pois, o educador. O educador do século XXI. Pois é, nos anos setenta tínhamos o nosso Arnaldo de Matos, no século XXI é o Marcelo, o grande educador... do povo.

(sinal dos tempos... acrescento agora)

terça-feira, 24 de outubro de 2006

Se

A vida não é vivível em termos de "Se...".
Se a nossa mulher não tivesse um amante... Se tivessemos encontrado aquele conhecido que naquele momento sabia de um trabalho que queríamos muito... Se a média de entrada para a faculdade nos tivesse colocado noutra academia, ou noutra cidade... Se tivessemos parado naquele instante em que aquela pessoa de que já esquecemos o rosto, nos olhou acidental ou intencionalmente na rua... Se morassemos noutra localidade com outros amigos, outras relações... Se tivessemos mais ou menos 15 anos... Se tivessemos dito aquela palavra, feito aquele gesto... Se tivessemos outros pais, ou irmãos... Se os nossos pais não se tivessem amado momentos antes da nossa concepção... Se...
a nossa vida poderia estar repleta de Se's.
Haveria uma infinidade de Se' s relativamente ao que poderia ter acontecido, sido, existido, ou ainda não acontecido, não sido, não existido... ou àquilo que nós julgaríamos que poderia ter acontecido ou não, sido ou ...
E se uso o tempo passado, uso erroneamente, porque no Passado não há um único Se.
A existir, o Se é do porvir (por-vir).
Enquanto o Futuro não se torna Presente...
Enquanto ainda podemos agir.

domingo, 22 de outubro de 2006

… antes da hora do sol do meio-dia…ou... na raiz de uma árvore

a dúvida. a dúvida. terrível dúvida. uma pergunta ecoa. quem dera não a ter. não precisar de uma resposta. sabê-la com sei que o sol nascerá um e outro dia. as duas respostas possíveis – talvez hajam mais -, as que vislumbro. ambas temíveis por razões diversas. a cegueira. a claridade. ambas ferem, ambas feriram. em ambas, as sombras. pela escuridão, pela luz excessiva. não é o olhar a espada, apesar de penetrar. o olhar é a mão suave que pousa em meu leito. que o quieta. que o inquieta. creio e descreio. talvez não seja só eu. talvez um dia tenha sido também alguém que criou a crença e a descrença. porque se vendaram os olhos. porque se aprisionaram as mãos. imóveis e cegos. e o coração deixou de bater. descompassadamente. nenhum coração aguenta o movimento alternado de luz e escuridão. nenhuma respiração pode ofegar para sempre. uma mão sobre o peito. iluminando o que é tão simples alumiar.

sábado, 21 de outubro de 2006

Espelho meu...


Como na história da Branca de Neve, há espelhos. Espelhos que reflectem o nosso melhor lado. Ou outros, em que o que incide é o que de pior existe em nós. E todos somos como a madrasta: diz-me espelho meu, há mulher(homem) mais bela(o) que eu? (poderíamos seguir uma outra linha… não quereria a madrasta, no fundo, ser apenas amada? Nem que para tal tivesse de eliminar a concorrência?)
É isso que procuramos no amor. Ou o amor também é isso um espelho... quanto mais amamos, mais nos amamos. Sermos considerados os mais valiosos, os únicos.
Poderia ter ido buscar o livro Justine de Lawrence Durrell, mas aquela história de encantar traz-me melhores recordações. Espelha um lado melhor…

Imagem retirada de: http://members.tripod.com/volobuef/page_maerchen_ilustracoes_volksm.htm

private post

Dois anos numa caixa.
nem é de sapatos...
por ironia, de um pequeno electrodoméstico.
e nem uma lágrima...

Está guardado...
arrumado, como tanto insistias. o passado.

Falta um outro pedaço... pelo menos o meu... as fotos em que estou eu.
e não sei de uns papeis que eram só meus, desapareceram.
hoje houve palavras a mais. num dia demasiado comprido. preciso do pouco. preciso do quase nada. não suporto as certezas nem a dúvida. uma mão que estende pelo atlântico. a outra bem mais perto. é assim que quero adormecer. assim dormirei.

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

teriam de arrancar todo o meu coração
para extirpar aquele grão.
Chove lá fora. muito. muito. se estivesse lá fora, ficaria encharcada até aos ossos. diz-se assim e assim seria. encharcada. mais que molhada. pelo poder purificador da água. pelo excesso destruidor da água. a água. coisa essencial à vida. são apenas palavras. com as águas. quase me vejo a sair a esta hora maldita da manhã. da madrugada. para a receber. em mim. talvez fosse isso que me acordasse. de um sono já demasiado leve. o seu ruído forte a bater nas pedras, nos beirais, na janela. como palavras a bater, em mim. em ecos semi-adormecidos. em sonhos interiores-anteriores. quase me vejo a sair por esta escuridão matinal, sob as chuvas que batem. batem, em gestos doridos. sem fazer mal. porque não é por mal. apenas É. quem sente é que a sente. ela só é. quase parou de chover agora. lá fora. já não poderia ir lá para fora. já quase não chove. já quase não tenho sono. cansaço de noite mal dormida. pouco dormida. já não iria lá para fora, para a chuva. iria para perto da ria. adormecer tranquila. nos seus braços.

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

des-montagem

Sentada no chão tijolo da sala. Possuindo por inteiro, os derradeiros momentos. Tinha sido mais do que um compartimento. Agora, um espaço vazio. Quase. Aqui e ali jaziam uns materiais, mais ou menos arrumados, encostados às paredes, prontos para seguirem o seu destino. Regressarem ao seu legítimo proprietário. Mais além, destroços de um acontecimento. Como todos na vida, com início e términos. Como tudo, de condição efémera, persistindo sob outra forma. Na memória. O após da co-memoração. Rememoração eterna enquanto quem a guarda, existir. Pela circunstância de primordial, acrescida de situação de feito maior, torna-se inscrita, indelével.
A sala quase vazia, hoje; amanhã, voltará a animar-se de cores, outras. A nostalgia orgulhosa de a ter visto plena, de a ter feito inteira. A melancolia da antevisão da próxima; não terá a mesma emoção e a inocência da virgindade.
silêncio, memória, marítimo, reflexos, pormenor. Sessenta e oito grandes detalhes de algo desmedido. Irrepetível. Sucedeu no ano da graça de dois mil e seis.

últimos instantes

O sibilo do vento entrando pela fresta da janela, entreaberta. Algures pelo céu, o retumbar dos trovões, o fulgor dos relâmpagos espalhando-se por entre nuvens nocturnas. O movimento ondulante, cadente da persiana quase fechada. Querendo penetrar. Como o sono invadindo o corpo. De supetão invernal. Deitada nos lençóis ainda frescos, escreve. A caneta, a sua última ligação ao verão.

terça-feira, 17 de outubro de 2006

cingindo palavras
os meus olhos não são a tua mão
mudo-lhes o sentido
avanço na direcção do mar

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

às 4 da tarde...

Não tinha voltado àquele lugar desde aquele dia. memória sobre memórias. hoje e ontem e anteontem. sentada no sítio oposto. como se me visse do lado de lá, sentada. bastaria atravessar a ponte. como se me quisesse ver uma vez mais que não fosse essa vez.
A importância dos lugares. mais do que os rostos. esses, muitas vezes esqueço-os ou não os identifico instantaneamente. dos lugares raramente me perco. mesmo que sejam lugares de uma única vez. saber voltar a esse sítio é como soubesse regressar a algo que sou.
Foi ontem. hoje. lugares diferentes. o mesmo. o da memória. simultaneamente longínqua e próxima - intrínseca. da memória incompleta. acrescentada. o desejo na memória. o que não foi, mas que lá estava. as rectas de um caminho nem sempre passam por lá outra vez - nunca passam. percorrem outros mesmos lugares.
Este está diferente. igual diferente. como nós. como a maçã que acabei de trincar sentada no gramado. está temporariamente fechado, parcialmente fechado. há acontecimentos de que não fazemos parte. não são nossos. os nossos.
Olho para o outro lado. a margem onde já estive. ainda não me vi. Vi sim. desejo de realidade criada. olho bem, para lá. está lá tudo, quase tudo. falta... além, só falta o hoje. o agora, aqui.
Sei que daqui a pouco me vou perder nos rostos e nas figuras sem rosto, inclinadas, tombadas, nas árvores despidas, em paisagens desoladas com casas. vou ser a minha própria personagem. ser a mão que a criou. e apenas um olhar a vislumbrará.
Por ora escuto o som do vento, o restolhar das folhas das árvores, o retombar das pedras de outros tempos, o silêncio da cidade.
E olho. olho para o lado de lá. bastava atravessar a ponte...

domingo, 15 de outubro de 2006

Debruço-me sobre a sombra da morte. Pálida sombra de uma vida. Debruço-me. Antes o aperto. Não é receio. Chegará a todos. Nada há a fazer que enfrentá-la. Tomo-lhe a mão. Falo baixo. Tão baixo que é inaudível. Forço-me. Não quero que outros que não nós, nos ouçam. Afinal é a nossa despedida. Põe-me a outra mão por cima da minha que aperta a sua. Beijo-o. Como nunca tinha feito. A falta de ar. O olhar vago. Não chego a perceber se me escuta. Não importa, sei que me entende. Falo-lhe ao ouvido olhando-o nos olhos que não me olham. Como se diz que se gosta muito? Que se ama? Como se diz que nos lembraremos sempre? Que faz parte de nós. da memória, do presente. Sendo a memória um presente sempre em nós. Como se diz que o admiramos? Não sei como o disse. Disse-o. Por ele. Por mim. Pela sua vida na hora da sombra da morte. Por momentos não quis deixá-lo. Senti que a nossa vida – juntos – tinha sido tão pequena. A percepção que era demasiado tarde. O cansaço visível. A ausência de uma presença forte. Tão jocosa. A ironia de nos lembrarmos do riso na hora da morte. Era como ele vivia. É como o lembro. A irreverência. Pela revolta? A sensação de ter sido pouco amado. Não sei se o foi. É somente a minha percepção. E a tranquilidade. Apesar… Saio. Para trás, resta a penumbra do velho quarto. E a sombra da morte deitada. Estaco. Não estou ainda preparada para ir ter com os vivos. Olho-o pela última vez. Com a consciência da última vez.. O que se faz? Nada. Retém-se. Contém-se. Momentos depois avanço. Momentos antes tinha subido as escadas da Sé. Percorrido a calçada. Entro pela mão de uma criança. E com ela, sento-me nos bancos de madeira a ouvir uma oração entoada por crianças: Ave Maria cheia de graça. Eu não-crente pela mão de uma criança, peço o que me permito pedir. O não sofrimento, demasiado. Rogai por nós. O olhar da criança: senta-te aqui. Volto a sair, percorrendo as pedras antigas da calçada. Sob os olhares da Fé. É quase noite. Na sua ronda, a sombra da morte…
Transportando o som dos violinos, saio para a Rua da Vigorosa, talvez no número 770 encontre entre os rostos, um que seja o deste Bach.

sábado, 14 de outubro de 2006

Amor? aonde?

Meu amor, por onde andas?

em que caminhos nos vamos cruzar
senão nas areias quentes deste deserto
na folha reflectindo a flor
nas gotas da madrugada que ornam a janela
na espessura dos veios de uma madeira seca?

iremos olhar-nos
ou pela transparência
seremos espelhos
de sussurrantes vozes?

amor meu, serás dedos agarrando a água
e mãos alígeras como aves
e teus dons os de encantamento
em melodias de vocábulos?

Não te vejo amor de dia escuro
pois por maldição nem te procuro.
aonde estás, meu amor?

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

No país dos conhecidos

Que este país é pequeno, demasiado pequeno (ou mesmo acanhado) já se sabe. Um sinal disso é o facto de, em determinados meios - que não são muitos - toda a gente se conhece. E se não se conhece directamente, conhece-se alguém que o conhece, ou em última instância, conhece alguém que conhece quem o conheça. Directa ou indirectamente, ou por interpostas pessoas, conhece-se sempre alguém. Esta terra como se costuma dizer, é uma aldeia. Quando se começa a privar com outra pessoa descobre-se sempre ligações: a nível profissional, por via familiar, por se ter vivido numa determinada cidade ou região, ou ter antepassados daquele lugar.
Isto tem, às vezes, a 'graça' de uma grande 'família'.
Mas, a outra face, pode também ser uma certa 'desgraça'... ser 'visto' por outras razões que não apenas... o que se é.

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

Abandonaria aqui uma imagem de mim
se viesse da minha mão.
Perdi-a no tempo.
Hoje resta-me a paixão
das palavras.
voltarei a dedilhar a tua pele, forasteira.
da chuva, escorrendo das mãos,
tragarei meu corpo,
desfeito ou ressurgido

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

Ainda se justifica o feminismo?

Hoje (duas notícias e um filme):

"As mulheres decidem 70% dos divórcios"
"1 em cada 3 mulheres foi vítima de violência"
"Dunia", de Jocelyne Saab, realizadora libanesa (Beirute, 1948)

Não haverá uma relação entre estes três tópicos?
Uma aeronave num prédio em Nova Yorque. Num dia 11.
talvez não seja atentado. mas é coincidência.

para M.

Com um beijo.
É difícil ser sábio. Poucos o são durante a sua vida. Se o formos num determinado momento, é já muito bom. O poder antecipatório da queda, inevitável, o seu vislumbre... é um instante de sabedoria.
Também eu estive dos dois lados da barricada. Em ambos, permaneci de pé. Sem receio dos tiros. Afinal a meu lado estava a dignidade. E na tranquilidade (im)possível, sempre vi que afinal há um só caminho: civilidade.
no silêncio canto amor,
nas palavras
um sabor a fel.

terça-feira, 10 de outubro de 2006

Cão ou gato?

Sentados à mesa, já não sei a que propósito, surge a clássica questão: preferes o cão ou o gato? A resposta indicará, à boa maneira da caracterologia dos anos sessenta/setenta, a identificação em termos de personalidade. Ou a preferência em relação aos outros. Cada um que reflecta sobre si mesmo. Dos porquês. Das suas relações. Das suas anti-patias e filias.




Eu tive uma pastora-alemã, linda. - gosto sobretudo de cães pastores (guardadores), grandes e peludos, fofos. Leais, ternos, mas não lamechas. Que saibam (como os animais sentem e sabem) rosnar ao "dono"(*) se este é injusto. Ás vezes irrita-me a docilidade, ou antes, uma certa submissão dos cães - irem ao encontro quando o outro não merece.
Tenho agora uma gata. Siamesa. O mais canino dos gatos. Sempre tive gatos quando, há muito, muito tempo, vivia em casa dos meus pais. Gosto muito de gatos. Esta gata é especial (não porque é "minha", mas porque a conheço e a amo), é afectiva, meiga, arisca, amua quando eu não lhe ligo o suficiente, mas não fica ressentida, é autónoma e não me liga nenhuma quando não está para aí virada. E eu respeito esse modo de ser. Mas também ralho quando entendo que devo. Por isso, convivemos bem. E respeitamo-nos. Adoramo-nos quando é tempo de amar, estamos sós quando queremos estar sós. E falamos uma com a outra, muito fala ela!. (agora está aqui, a meu lado, dormindo)
Muita gente diz que gosta dos animais, mas no que respeita a gostarem daquele animal, com aquela "personalidade", isso é uma outra história. Dos gatos é paradigmático, à primeira vista "que fofos, que queridos", mas quando vem o primeiro arranhão, ou quando ele não vem ao bichanar, pensa-se logo "os gatos só fazem aquilo que querem", "os gatos não gostam dos donos", como se fosse um defeito ou como se fosse um sinal inequívoco da falta de afectividade dos gatos. Realçando imediatamente a diferença em relação ao cão - mais um esterótipo. Em vez de se tentar compreender, ao invés de ter a delicadeza e o respeito de tentar entender aquele ser, julga-se que se é dono. Como tal, o bicho deve corresponder / obedecer, em termos comportamentais e de personalidade, aos desejos do seu "dono".
Há gente que não merece os seres que tem a seu lado. Gosta-se da aparência do bicho, ou daquilo que ele significa para si mesmo. Não amando, na realidade, o que eles são... Não amando para além de si próprio.

(*) Esta palavra 'dono' é repugnante!!!!

segunda-feira, 9 de outubro de 2006

Nunca vi a escrita. a insuflada pelo
demiurgo. Também não o conheci. Nunca
se apresentou nem de fraque ou de
farrapos. Alguém, descendente de Platão
impingiu-nos que poesia era amor
ou vice-versa, pouco importa. Nada
disto é imortal. Talvez porque
já não há - nem nunca houve - começos.
Até mesmo aquele que teve todos os nomes
no mundo, nada criou. Agarrou na terra e no
ar, no fogo e na água, agitou, deitou
uns pózinhos perlimpimpim e eis-nos!
Nós, para além de umas quantas poeiras que
continuam a girar - feitas baratas tontas -
pelo universo a-fora, uns sujeitos com
formato de gente a pensar que
o somos
feitos de amor e poesia.
um rectângulo branco como uma manhã
de nevoeiro. Mal conservado pelo tempo
pelas ervas daninhas corroentes
nem sobrevive o desejo de uma inscrição.
não aspira à mais espantosa tela
do mundo. Ao poema que cale o que geme.
A asma. uma boca
entre-aberta.
a mão, a mão que não se sente, acena
esboçando o adeus.

domingo, 8 de outubro de 2006

Quando algo a que se pode chamar paz nos envolve como um véu,
as palavras - inúteis -,
o pensamento - inessencial -
volatilizam-se.



Apenas estamos.
Contemplando(-nos).

sábado, 7 de outubro de 2006

Já pensei com quem sabia pensar.
Já abracei quem me abraçava,
chorei e sorri.
Já olhei até ao fundo do olhar.
Amar, daquele que se faz
sem (me) ter
memória ou futuro
nunca o fiz.
Dual
entre espírito e alma.
O corpo…
esse?
Está encerrado para balanço.
A planta carnívora fecha-se
ao toque. De um insecto
ou de espada sangrenta.
Devora o ente estranho.
Na ausência, é o seu cerne,
o alimento.

sexta-feira, 6 de outubro de 2006

Dos Lugares onde se sonha...

Quando um amigo nos oferece esta canção

We'll meet again,
Don't know where,
Don't know when,
But I know
We'll meet again
Some sunny day.

Keep smiling through
Just like you
Always do
Till the blue skies
Drive the dark clouds
Far away.

So will you please
Say hello
To the folks
That I know
Tell them,
I won't be long.

They'll be happy to know
That as you saw me go
I was singing this song.

(espantosamente cantada por Vera Lynn)


Quando um amigo nos diz

"desejo, um dia, saber que és feliz"


Embarga-se-me a voz, ficando o sentir

Neste mundo, há pessoas que
mesmo na sombra, nunca esqueceremos

Sempre. Com um sorriso.

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

A lei dos homens em nome de deus (ou da verdade)

pela inquisição
de santa a bruxa

pela inquirição
de pura a puta

quarta-feira, 4 de outubro de 2006

?

Perguntar de nada serve. Perguntar é apenas ouvir a resposta que já temos em nós.
Na exigência de resposta, ouve-se o silêncio. Ou palavras in.significantes.
No amor, não há perguntas.
Estas são da esfera do desamor. O seu princípio. O seu fim.

No amor. O silêncio do olhar.

Transitória mudez

Ódio!
Nojo Repulsa
Num ímpeto, oferecer o corpo ao mais vil dos homens
para me expurgar de ti.




Sobre os escombros de Hera, erguem-se as asas de Fénix.

terça-feira, 3 de outubro de 2006

Nome esboçado

Acreditei que era teu
o nome que pronunciava

- Fugidia voz trazida pela alegria -

Chamava-te meu amor como quem apetece
desejo

Agora sei que não eras tu

Soletro-te… silêncio

segunda-feira, 2 de outubro de 2006

Pode uma pessoa querer ser amada de determinada maneira?
Pode-se exigir que nos amem de um determinado modo?

Queremos que nos amem, sim. Mas não é apenas isso que se deseja; muitas vezes deseja-se não apenas a "quantidade", ou melhor, o estado de amar, mas a sua "qualidade", a forma de amar.
"- Podes dizer que me amas, mas fizeste aquilo que revela que não amas.
- Alguém que ama, não faz isso"
Quantas vezes já vimos, lemos, ouvimos este tipo de afirmação?

Todos nós queremos ser amados. Mas quantos não quererão isso a qualquer preço? isto é, alguns fazem tudo para se sentirem amados (o que é o mesmo que dizer, aprovados, aceites, ou num caso extremo, sentirem que só são Pessoas se forem amados).

Outros têm um especial "jeito" para rejeitar qualquer amor. Qualquer manifestação amorosa é, para eles, e ambiguamente, um modo de testar o amor do outro. A sua rejeição aparente não é mais do que a afirmação de que se o outro apesar disso, de todas as tentativas de afastamento para o desamar, o continuarem a amar, então talvez o amem mesmo. Este é um comportamento, manipulatório relativamente ao outro, que nunca se vai esgotar porque é necessário sempre mais e mais... É o sujeito amado que exige constantes e incansáveis provas de amor.

Se este último padrão é obviamente uma manipulação do sentimento do outro, o primeiro não deixa de o ser também. Porquê? Porque normamente vem associado a afirmações: "Eu até não peço nada", "eu fiz isso por ti, não por mim". Porque nunca o amor do outro pode, por si só, tornar-lo pessoa. Mas também porque está associado a uma exigência inversa: "Eu que te dei tantas provas de amor... (e tu retribuis-me dessa maneira)"
Ou indo mais além, o que quer ser amado vai-se colocando a ele próprio numa posição de subalternidade, de "indignidade", de dependência vital, que o amor do outro pode facilmente tornar-se pena. Pena e não Compaixão (isto é outra coisa). E quando há pena, quando a piedade toma conta da relação amorosa, esta deixa de o ser, para ser um outro tipo de relação.

Nestes dois modos de amar, ou de querer ser amado, há uma constante: a falta de liberdade. A coerção, a opressão do sentir de um relativamente ao outro.

Estes são dois casos típicos, paradigmáticos, mas que são mais comuns (oh, infelizmente são!) do que aparentemente se pensa.
Na realidade, há mais variações destes "jogos de poder", a que desgraçadamente chamamos de relações, do que gostamos de admitir ( e muito menos quando se passa connosco próprios).


O amor é uma necessidade humana, sim, mas talvez mais do que isso. É, talvez, a maior das condições humanas.

Nota a posterior: Curiosamente ao reler, vi que algumas destas considerações podem aplicar-se não sómente àquilo a que se convenciona chamar de relação amorosa entre duas pessoas, mas a muitas relações que as pessoas têm com os outros, e até mesmo com coisas...

domingo, 1 de outubro de 2006

Soubesse eu escrever aqui sem alma, era o que faria. Assim não me identificavam, não me sentiam. Se tivesse humor, daquele bem rasca, melhor ainda, porque ririam e nem reparavam que aqui estou.
Eu até não existo.
Como dar sem ser notada? Notada por aqueles que não prestam? É espaço de silêncio, mas também de comunicação. Pode até não haver escuta (e não quero ser injusta, ainda ontem... ainda ao longo destes quase três anos... recebi palavras como aquelas da Meg), mas exprimir, escrever, é-me essencial como o ar, como a água.
O olhar dos outros é-me tão necessário como me incomoda. Incomoda naquele sentido da prova, como se eu estivesse a provar algo, a eles, a mim. E depois há aquele olhar... não quero pensar nisso - retirei os dois post de há pouco, não merece. Se vir viu, vou tentar não pensar. Anular aquela existência.
Sinto como se tivesse estado a oferecer uma rosa (podia não ser assim tão bonita, mas era sentida, era eu), e alguém a tivesse agarrado à bruta, deitado para o chão, e no furor de ir à procura de outras flores que houvesse no meu jardim, a tivesse pisado. Uma vez entrado, olhou para as minhas flores, e viu pedras ou cactos. Não eram! podiam não ser bonitas, visosas, mas eram as minhas flores, era o meu jardim. Jardim violado.

Manhã de domingo

Domingo de manhã. A neblina sobre o rio encobrindo a outra margem.
Acordei cedo depois de poucas horas dormidas. Deito-me com as palavras. De um livro. As que ainda rapidamente rabisco num bloco. Ainda um salto a um outro livro; Poesia - por ter conta e medida. E, com outras mais, aconchego-me nos lençóis.
Dos sonhos não há memória. Esta vem dos tempos de infância, em que por vezes, minha mãe me ia levar o pequeno-almoço à cama. Tão bom!
Hoje vou eu buscar um pequeno pequeno-almoço à cozinha. Regresso, comedidamente abastecida, de comida e de sornice, para a minha cama.
Com a luz da manhã, um livro e ... silêncio, inicia-se um novo dia.
Passados foram dias de desejo
por ser mar,
onde me inebriasse
ou, quem sabe, me inundasse.

Torno-me rio.
Nem menos nem mais que isso.
Já não quero tudo – como poderia?
sendo tão escassa -
apenas sulcar este leito
de águas.

Erro devagar entre margens
estreitas ou folgadas.
Invadindo-as com as chuvas,
transbordantes.
Desnudando-as no ardor,
constrangidas.

As minhas águas.

Agora planura de riba-tejo
ocultando insurrectas correntes;

prestes do ensejo da foz
um dia serei - a
naufragada
por outras marés
nas minhas próprias lágrimas.