quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Ângulos

Suzanne Valadon


Modelo. Pintora.



Nasceu em 1865. Cem anos antes... mais de cem anos depois, quase desconhecida. Posou como modelo, para diversos célebres pintores. Cada olhar, um ângulo. Nesses olhares, ela, no olhar dos outros. Nesses olhares, um (outro) nosso olhar.






por Degas


por Toulouse-Lautrec

por Renoir

Através do olhar dos outros, imagens tão diferentes. Ela.
Pelo olhar de outros, cresceu o seu... e a necessidade de criar.


la femme a la contrebasse
Suzanne Valadon

Não somente ser criatura, mas criadora. Ser outra, ser mais que o reflexo, objecto de olhares.

Ser ela própria a olhar. para si, para os outros. por si.
Divulgando poesia, espalhando afecto, o Sub Rosa é um blog especial.
Por ele, uma pequena partilha:

A LUA NO CINEMA

A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.
Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!
Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.
A lua ficou tão triste
com aquela história de amor,
que até hoje a lua insiste:
— Amanheça, por favor!

Paulo Leminski

Heterónimos?

http://www.dailymotion.com/video/xf9oo_jerome-murat

ou o bailado de estátuas...

P.S. Eu que não gostava de You Tube e afins nos blogs, estou a começar a render-me...

terça-feira, 28 de novembro de 2006

Desafio a chuva. Ou o sol.
Saio sem aquele objecto absurdo que dizem que nos guarda. – protege de quê? da força, da doçura da natureza? – quando saio da estação, uma desconhecida oferece-me a partilha do seu abrigo. Aceito por delicadeza. Felizmente só ia até a meio do meu caminho. A outra metade…
Chego ao ‘meu’ café com os cabelos guardados por gotas de água.
Durante o dia, foi a vez do sol desafiar-me … (e eu numa reunião)

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

noite alva

foi numa noite. numa noite como esta
que se anuncia. de chuva e tempestade.
em casa nesta noite, mergulhou nas águas
quentes, banhou-se, perfumou-se. depois,
vestiu uma camisa leve, acendeu uma vela
e jantou. na tranquilidade do esquecimento
de si. na suavidade de um namoro, consigo. à luz
de uma pequena chama. chegou a hora
de se deitar. sob os ruídos da água
que escorre pela janela, adormece. quente dorme.
nada a acordaria daquele sono fundo. nada
a não ser aquele fragor surdo e longínquo que
se aproximava. como em sonho. um sonho.
não estava acordada. não estava a dormir.
vagamente ouvia, sem identificar. sente.
sente algo que dela se acercava. sente
os braços de um som, daquele som,
sem rosto, sem forma, enorme, imenso, amplo.
sente-os, envolvendo-a, num afago vasto,
largo. o abraço. enleado. cativos. encantados.
já não era ela, já não era o sopro. apenas. o enleio.
nos lençóis mornos as pernas nuas. quentes.
e do corpo, adormecido, entorpecido pela demora,
amanhece a chama. irrompe o tacto e o calor.
e o som abraço, desfigurado, nasce amante.
e no corpo nasce a pele.
e na pele, as mãos.
e o beijo, mais que beijos, carícias.
e o ardor. como se estivessem sob os raios de um imenso sol.
e o clamor. como se inventassem sob as vagas de um silêncio.
iluminados adormecem, clarões, trovões e corpos,
estancados. abraçados.
naquela morte.

o dia desperta alvo.

domingo, 26 de novembro de 2006

em todas as ruas...

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco.



Mário Cesariny de Vasconcelos, 1923-2006
podemos
ser
um paradoxo
estar assim num lugar de silêncio

quinta-feira, 23 de novembro de 2006


        

              o                     r       o
V v t t
i o

o
por linhas t r
t s ...
a
 



Afinal, de nada valeram os cadernos de duas linhas da escola primária.

terça-feira, 21 de novembro de 2006

uma pena
uma leve pena
um leve toque
um toque

prostrada
Para lá da janela, o mundo continua
ruidosamente ensurdecendo-se
Entreaberta
deixo-me contaminar

Não somente consinto neste engano,
mas inda to agradeço, e a mim me nego
tudo o que vejo e sinto de meu dano.

Camões,
Sonetos

do fingimento do amor

Há dias vagueando por , leio algo que me afecta, me atinge. "O amante é um fingidor." Quanta inteireza neste sentir que qualquer pessoa consciente de si já vivenciou.
(começando a escrever sobre a estética do fingimento. fingimento do amor. recebo um mail sobre o Amor, e aí, o meu fingimento, a meu distanciar, racional, quebra-se momentaneamente. o escrever isto é também um fingir. um querer continuar a fingir que não é o que afinal talvez seja, ou não.)
A incorporação de alteridades, o ser dois, ao mesmo e a outro tempo, substancializa-se de forma ímpar nestes ‘entes’, poeta e amante, daí este inevitável paralelismo (ou equiparação); e não sendo acaso que se torna absolutamente visível na poesia de amor.
É no mundo fingido da poesia (ou do amor, que aqui se confundem ou fundem) que este jogo ficcional/criacional mostra a sua indiscutível verdade. O personagem-poeta desdobra-se não somente nos seus heterónimos, mas a pessoa/amante é ela mesma, várias ‘composições’ de si própria. instinto cénico? lúcida descentração de si? ou um esquecimento de si num outro?
A ‘máscara’ do amor é a que está mais próxima (como segunda – ou primeira - pele) do sujeito amante, mas simultaneamente é aquela que ele sente como mais estranha. E se é também pela sua natureza catártica, arrebatadora, é sobretudo pela potencialidade, pela possibilidade realizadora que ela suporta. É não apenas ser outro, mas ser o próprio que é em simultâneo um mesmo, tão ‘maior’ que se torna outro (não deixando de ser)
…que chega a sentir que é dor/ a dor que deveras sente”* ,
ou seja, sente as duas dores, a que deveras sente e a do fingido sentir, e quem sabe, uma terceira, a de um meta-sentir, a do fingimento de sentir
“porque verdadeiramente/ não sei se estou triste ou não”*.
Perante tanto sentir, poeta/amante também necessita de uma certa ‘despersonalização’, intelectualização ou racionalização; é incomportável, física e emocionalmente, essa permanente e intensa experienciação/criação. Daí a transmutação no ‘próprio’, em consciente, ‘monótono’ e plácido estado (ou projectado estado). Mas esta é também a oportunidade que lhe permite ‘ver-se’ ‘maior’ e logo desejá-lo, assumindo de facto, como seu, o seu próprio ‘fingimento’.
(*) de poesias de Fernando Pessoa.

domingo, 19 de novembro de 2006

o doido e a morte

"Estas duas coisas não podem mais coabitar - esta estupidez e este sonho dorido e imenso, o grotesco de todos os dias, quando do outro lado galopa e passa uma coisa sôfrega e imensa."

Raul Brandão, Teatro

Canções

Em ano de comemoração do nascimento de Lopes Graça e assistindo a um desses eventos, fala-se do compositor e do homem. Escuta-se a sua música, erudita, sinfónica, rústica, de raiz popular, composições para um ‘heroísmo’. Do homem, apesar de algum convívio, pouco ficou na memória. As memórias da infância são sempre autênticas. Cruas. Despem os outros das suas roupagens inessenciais ou artificiais. Ainda mais quando se é apenas, ou quase permanentemente, observador.
Da música do Graça, as canções. Heróicas. Cantadas. Sem querer e por inevitabilidade comparo-as, ou melhor, chamo instintivamente à colação, as de Luís Cília. (que é feito deste músico?). Compositores de poetas. E no assunto de gosto, nem sempre a ‘razão’ condiz com a ‘emoção’. Nem sempre a sofisticação é preferível à simplicidade (de desafectação). Talvez sonoramente mais próximo das palavras; os sons da música servem os da palavra, não o inverso ao pretender a erudição.
As canções cantadas na infância, ouvidas, entoadas em pequenos ‘coros’ familiares. Que concorriam com as marcadamente populares infantis: que linda falua, o meu menino é de oiro, no alto da montanha. E a propósito desta última quase nem quis acreditar quando há uns meses me relembraram que a cantei a solo num palco da Gulbenkian quando era criança. Ido ao baú das memórias, depois de me dizerem, desenterrei uma tão vaga ideia, tão ténue lembrança… no lado esquerdo do palco, a cantar… agora penso, como é que eu não sumi pelo palco abaixo?! será que desafinei um pouco menos do que agora? pois só canto quando a música é mais alta que a minha própria voz. Gostava tanto que houve um registo mais nítido…
Adiante. São aquelas as verdadeiras músicas dos meus inícios. Das canções mais ou menos interditas. Das canções de um futuro: Acordai! Mãe pobre. Ronda. Adeus trigo. Jornada.
São, para mim, canções de sempre. Que envolvem uma emoção muito especial. Canções cantadas, poema-música, com, e para, vozes ‘humanas’.
para quem as saiba ouvir... para quem as saiba cantar...
começos? recomeços? ilusões, construções para pensarmos que podemos ser diferentes? para que a realidade se molde à nossa medida? continuidade(s)? em permanente(s) mudança(s)? ou em quase estáticas e ligeiras evoluções? com ‘saltos’? ou ‘piruetas’? aparências de quem se anseia melhor? mais alto? de quem olha para as asas e vê-as curtas, breves, pequenas para a alma? “já não há começos”. não? e caminhos? percursos diferentes? que por jeito de linguagem ou de pensamento, ou mesmo de sentir, se experienciam distintos, não por rupturas – talvez também não haja fracturas por não haver fragmentos - , por encadeamento(s)? e (se) não havendo início(s), não significa que não exista(m) con- e subsequência(s). e, disto tudo – matéria de procura(s) – reflexos de estradas – remanesce a possibilidade da configuração de um novo final. não é apenas nesse que podemos intervir?

sábado, 18 de novembro de 2006



uma
e
outra
e

o u t r a

o u t r a


a r t u o
r T u o a
ou T ra
O u T r A
e
o u t r a
o .. U ... t .... r .....

terça-feira, 14 de novembro de 2006


o que se descobre na Wikipédia...


O dia do meu nascimento, é segundo a mitologia celta, o dia das Dríades. "A dríade ou dríada, na mitologia grega , era uma ninfa(*) associada aos carvalhos. A sua existência estava vinculada à da sua árvore; caso esta fosse abatida, a ninfa pereceria"

(*) Ninfa deriva do grego nimphe, que significa "noiva", "velado", "botão de rosa", dentre muitos outros significados. As ninfas são espíritos, geralmente alados, habitantes dos lagos e riachos, bosques, florestas, prados e montanhas.

segunda-feira, 13 de novembro de 2006

uma tarde diferente

Isto do 'serviço exterior' ao local de trabalho - e já vão dois nos últimos 8 dias - tem coisas positivas. um dos aspectos é poder andar... andar ao sol. apanhar um pouco de ar ao invés de estar dentro de 'casa' todo o dia. Por causa dessa carência, na semana passada, fui fazer uma espécie de piquenique ao pé do rio, à hora de almoço. Foi só uma aproximação. Que saudades de um piquenique a sério. Lembro-me que há 4 anos também me deu uma vontade enorme. Cheguei mesmo a fazer um convite para a serra de Sintra, mas o piquenique ficou por fazer. E que me lembre, ainda não o fiz... desde essa altura. Comer sob as árvores, ou à beira mar; e não metida dentro de uma casa ou restaurante. Até a comida sabe diferente. Mas não era disso que vinha falar - se é que vinha falar de alguma coisa em especial que não o prazer que tive ao andar um pouco na baixa, à hora de almoço e à tarde. Andar de metro... ah, já se ouvem os telemóveis! nem ali escapam... revisitar locais que, coincidentemente há 4 anos, também percorria várias vezes na semana. os afectos longínquos, vagos, mas de alguma forma presentes. ali... lembro... aconteceu isto. aqui... e sorrio... foi aquilo. os lugares conhecidos. um reinício de vida. sempre. naquela altura, agora, sempre. depende mesmo do nosso olhar! do modo como nos vivemos. E hoje, sinto uma maior segurança em mim (lembro que alguém nessa altura se referiu a mim como uma pessoa segura - nunca soube se intelectualmente se em termos pessoais - e para mim própria sorri, como sorri quem se sabe). E isso nota-se na minha atitude. Mas sempre abertura, receptividade. E foi bom conhecer e estar em meios mais 'reservados', aprende-se sempre. Se se souber ver.
Vejo o livro numa estante de casa de meus pais. como de vez em quando faço, pergunto: posso [levar]? o autor nada me dizia, parecia-me de leste, mas só hoje, quando acabei de ler é que vim à net ver o que dele diziam.
Ivan Klima. "Amor e desencanto" (na tradução brasileira Amor e Lixo), Bertrand Ed.
Autor checo, nascido em 1931, de origens judaicas, esteve num campo de concentração com 14! anos de idade. O livro, uma boa surpresa. O que me levou a pegar nele foi o título... tipo deixa cá identificar-me um bocadinho com as minhas desgraças, não quero neste momento livros pesados. Azar... ou sorte a minha. as minhas desgraças entretanto já tinham voado e o livro, apesar de não ser excepcional, foi uma boa revelação. A personagem central, um homem, um escritor que escolhe ser um homem do lixo, vulgo almeida. Aqui e ali, referências a Kafka; e sempre a sua posição neste mundo e nas relação humanas, em particular, a sua própria relação com os afectos, com o amor, com a solidão, com o(s) encontro(s).
"o paraíso não pode ser fixado numa imagem, porque o paraíso é o estado do encontro. (...) O paraíso é, sobretudo, o estado em que a alma se sente limpa." (última página)

domingo, 12 de novembro de 2006

faz-de-conta

regresso à infância. à minha infância. brincando. brincando de faz-de-conta. faz-de-conta que brincamos. faz-de-conta que construímos uma casa. uma grande casa. com coisas bonitas lá dentro. à volta uma vedação. que não é fechada nem aberta. em torno de um tapete verde e cinzento. talvez mais cinzento do que verde. manchado. fazemos de conta que é preciso um lago. vamos construir um lago. um lago não de água. de terra. com paus que em vez de peixes, parecem tubos de aspiração. faz-de-conta que brinco. que estou ali a brincar. e de repente o jogo é outro. vamos brincar às escondidas. estou cá. já não estou. já estou mais uma vez. e não estás. eu estou atrás de uma árvore. tu? tu, não sei. se soubesse não era às escondidas. também podíamos brincar à apanhada. mas era preciso correr. e eu já não corro. só aos bocadinhos. o fôlego já não é o que era. maldito tabaco! não sei de ti. a sério! afinal o jardim era grande. como na sensação de criança. e em vez de um lago, fizemos vários. pequeninos. aqui. ali. fizemos? às tantas fui eu que os fiz. fiquei sozinha a brincar. faço de conta que estou a brincar. mexendo em legos. parece que brinco sozinha. todas as crianças, no fundo, brincam sozinhas. todas as crianças brincam a sério o faz-de-conta. começo a construir um castelo. brincando de princesa? desconstruo. –o. reconstruo. –o. concluo: não tenho peças. só um palco onde represento. onde jogo com duas bolas vermelhas. duas? não, uma para mim. a outra ficou quieta à tua espera. à espera que viesses brincar. já não são bolas, faz-de-conta que são maçãs. vermelhas. eu como a minha. a outra… a outra fica no cesto. e faz-de-conta que se faz tarde. o jogo a brincar acabou. vamos agora brincar a sério. como os jogos que começam a brincar e, a certa altura, sente-se que é afinal é a sério. com beicinho, com lágrimas e tudo. tudo silencioso. rodeio o nosso castelo. meio edificado, meio por acabar. no regresso a casa, a música do faz-de-conta que é música. ponho-a alta, tão alta que faz-de-conta que os baixos são distorcidos baixos superprofondos. alta para fazer de conta que não se ouve o que é a sério.

nesta luminosa manhã, o rio bordado com pós de prata.

incorporeidade

um dia de semana. útil, como se convenciona designar. na carruagem de comboio, climatizada, não lê, ao invés do habitual. nem se lembra de tirar da mala o livro, o jornal ou o caderno. senta-se e olha. talvez para os armazéns, para as casas, para as fábricas que se movem em sentido contrário. ela parada, fixa num exterior. só a chegada do rio talvez a tenha despertado, mas se lhe perguntassem não se lembraria dos tons cinzentos? azulados? anilados? levanta-se e aproxima-se da porta ao chegar à estação de destino. automaticamente como faz todos os dias. começa a andar, rodeada de gente que, por entre as portas da gare, se dissipam. escolhe, como sempre, o caminho mais solitário. não por ser mais perto ou mais longe. caminha por uma rua, depois por outra. e a meio dessa, um sentir estranho. uma percepção desconforme de qualquer consciência. como se não estivesse ali. fosse outra sem o ser. a outra que progredia pelo passeio não é ela. e ela? onde está? não ali. não em lugar nenhum. desmaterializada? mas o corpo continua a mover-se, a atravessar a rua. chega ao café onde todos os dias se senta e aguarda que a empregada lhe venha trazer o habitual. basta um bom-dia. diz bom-dia. e senta-se quase em frente ao balcão. em local visível. aguarda que lhe tragam o café e o copo de água. mas não é nisso que pensa. nem pensa em nada. agarra num guardanapo de papel. pela primeira vez na vida chega àquele café e agarra num guardanapo de papel. num impulso irresistível de fazer um origami. sente outras pessoas a entrar. começa a brincar com o pedaço de papel. começa a dobrar o papel. um barco. uma das poucas dobragens que sabe fazer desde a infância. lentamente começam as formas a surgir. sem dar conta do tempo. do espaço. faz e refaz. dobra e desdobra. ela? as mãos. as suas mãos. nela, só as mãos existem. lentas e determinadas. quando enfim acaba, como que desperta. todos os que tinham entrado já tinham sido servidos. do seu café nem sinal. a moça continuava a servir os pequenos-almoços. de barco de papel na mão, ainda brincando com ele, aguarda, sem fazer nenhum sinal. ao fim de um tempo, a rapariga cruza o olhar com o dela – Ah! esqueci-me de si, desculpe! quando vem com o café e o copo de água e o pousa na mesa, escusa-se mais uma vez. e ouve então uma resposta insólita: - Por acaso, eu já vinha com uma sensação estranha… de invisibilidade, e pelos vistos deve ser mesmo. – Não, não, eu vi-a entrar… mas depois esqueci-me. Sorrindo, ela reafirma: - não, a sério, hoje vinha mesmo…

sábado, 11 de novembro de 2006

Ainda estive para dizer:
-Eu não sei se a amaste, ou a amas... ou se simplesmente amaste-te através dela, amando o amor que ela sentia. Só o teu coração o saberá...
Calei-me. Podem as palavras, uma frase mudar, quebrar a distância que nem o próprio sentir aproxima?





__________________




Mais tarde, disse tranquila:
- Foi bom teres-lhe escrito, confessado o teu amor - mesmo ante a perplexidade dele -, o que querias do amor, do 'pequeno' amor que ficou por cumprir... em Amor.
Vem à memória a frase de Dante: amor que a nenhum amado amar, perdoa.
- Não te sentes mais liberta? com mais amor?

delicioso!!

Escrevia, em 1888, Eça a Fialho de Almeida:

"Em Portugal há só um homem - que é sempre o mesmo ou sob a forma de dândi, (...) ou de capitão: é um homem indeciso, débil, sentimental, bondoso, palrador, deixa-te ir: sem mola de carácter ou de inteligência, que resista contra as circunstâncias. É o homem que pinto (...) E é o português verdadeiro. É o português que tem feito este Portugal que vemos"

Agora... quem quiser que enfie a carapuça... e não me venham com 'o filho de boa gente...'
pelo anoitecer
fui filha do vento
nascida de um ovo
de todas as cores

pela mão do sol e da água
- arco de sete íris -
subindo ao rochedo
com os olhos vendados
abraçei a frágua
e a bela luz de cera
no beijo feneceu

por atraída traição
muito errei pelo mundo
atraiçoando-me em mágoa
desgarrada constelação

pelo frio e antigo fado - anelo
atento o resgate ignorado

sexta-feira, 10 de novembro de 2006

privilégio

é sempre um privilégio ter amigos. sentirmos o afecto por alguém, partilharmos, em relação, momentos únicos que ficam na memória. na memória afectiva. um riso, uma frase, um carinho, um toque no braço, no ombro, na face, uma palavra dita em determinada entoação, um abraço, um olhar breve ou prolongado... o sorriso irónico ou triste ou uma espontânea gargalhada… o estar e o ser… é por, e com estas “pequenas coisas” que as pessoas se vão tornando grandes para nós. há pessoas com quem estabelecemos quase imediatamente uma relação especial, tal a empatia que sentimos. como se a conhecêssemos há mais tempo. como se a sua sensibilidade, a sua forma de olhar, de sentir ou de pensar o mundo fosse reconhecida como nossa. e mais especial se torna porque não acontece frequentemente. quando acontece, sinto-me privilegiada. poder receber o muito que têm para dar. poder dar a quem nos recebe de coração aberto. e se se experiencia alguma tristeza quando partimos transitoriamente (porque nestas relações não existe o temporariamente), também nos sentimos repletos, maiores do que somos.
e sempre me deu vontade – talvez ingenuamente - de compartilhar este sentimento singular com os outros de quem gosto, de participarem na minha alegria.

quinta-feira, 9 de novembro de 2006

na noite de nuvens baixas, a terra é corpo in-visível.
não há gratuitidade. a via láctea é uma espiral.

domingo, 5 de novembro de 2006

encontrei um pássaro. sem nome sem coroa. pardal?
um pássaro encontrou o caminho de nossa casa
nele, poisaram os meus olhos, no beiral
estática fitava. o mel e o negro das suas penas
uma a uma que polia. trémulo agitado num ápice
adiado, a um ruído é quase fugidio
de respirações suspensas habitadas nos olhares
brusco levanta voo escondido atrás das asas
despovoada cravo-me nas vidraças

sábado, 4 de novembro de 2006

à volta de um pano cru

nas areias de um deserto ou de três. desertos. três personagens sentadas. à volta de uma mesa de pano cru. um só pano. heterónimo. ele. outro. outros. comem e bebem e falam. se fossem antigos seria o banquete, ou do amor. três vozes. por vezes, prosas amenas, outras conversas acesas, ou lutas cruentas. tanto que chegam ao fundo do deserto. e de lá retornam ecos. nada que faça parar os transeuntes, viajantes de outro deserto. estes olham, para lá ou além, sem abrandar os passos. nas três areias de um deserto, à volta de um pano cru.

no traço mais fino linha
quase invisível
adormece
meu delito
resta cobrir-te de seda
e água nessa brancura
gelada de seio
de pietá
desfalece figura
de mármore desafoga
esse risco que se
apaga expira
nesse regaço
requiem
por uma aleivosia
pelo chão desaparece
o traço

sexta-feira, 3 de novembro de 2006

Já estava a pensar nisso... a questão estética... aquele azul-verde da imagem abaixo não coaduna... há qualquer coisa que choca com o amarelo-castanho da barra. tenho de os separar... nada melhor do que um post idiota como este... até porque está de maré!
e a propósito de atarantada... é como regressar à superfície e levar com uma onda, das grandes, na cara... até se deixa de ver o que quer que seja.
ao nadar por águas profundas encontra-se tanto que custa voltar à superfície.
fica-se atarantada ao percorrer os corredores de um grande hipermercado

quinta-feira, 2 de novembro de 2006










“Ser pedra é fácil, difícil, é ser vidraça.”


(Provérbio Chinês)


enviado pela L., nem de propósito...

finado o dia - os dias os anos
quarenta e um risos
da morte choremos os mortos
choremo-nos
e aos mortos-vivos,
com eles na urna
descansemos
para sempre na paz
dos senhores,
sele-se o caixão antes do fedor
antes
dos torrões a flor
tapa-se a cova vira-se
costas vai-se à vida que a morte é
certa e dor

em cada degrau a descida
aos infernos

quarta-feira, 1 de novembro de 2006

desperto a soluçar
minha irmã estava a morrer
cubro-me de angústia

a neblina do dia devolve a realidade
estamos todos


(por entre cores do outono)
nunca escrevi um livro
nunca fiz um filho
talvez coisas parecidas
uma árvore... ? numa outra vida...?

planto sementes de coentros num pequeno vaso