... um pára-quedas não abre, temos o sobresselente.
Ou, em última instância, soltamos as asas
as que sempre tivemos e fizemos crescer ou nos fizeram crescer.
terça-feira, 5 de junho de 2012
terça-feira, 29 de maio de 2012
Porque a vida acontece hoje
Fiz uma loucura. (bem, talvez não seja uma loucura para muitas pessoas, mas para mim foi-o). Se quando não se tem nada a perder, e se tudo em nós diz: Faz!, não há porque não fazer. É aqui que começam os primeiros passos de uma mudança. Fazer em vez de ficar a sonhar com os 'ses', ou, no fundo, agarrada aos medos de nos expormos, de expor os nossos afectos ou aquilo que nos afecta.
Fiz!
Não sei o próximo passo.
Mal fiz, dei uma gargalhada para mim mesma (corei, claro) e senti que era isso, seja o que for a seguir, tinha de o fazer, seguir aquele impulso tão intenso, mas tão consciente, e ao mesmo tempo, ainda tão imprevisto, que me disse para fazer.
Fiz! Agi!
Fiz!
Não sei o próximo passo.
Mal fiz, dei uma gargalhada para mim mesma (corei, claro) e senti que era isso, seja o que for a seguir, tinha de o fazer, seguir aquele impulso tão intenso, mas tão consciente, e ao mesmo tempo, ainda tão imprevisto, que me disse para fazer.
Fiz! Agi!
Imagem roubada daqui
and i feel good!...
terça-feira, 15 de maio de 2012
como naqueles dias...
como naqueles dias...
dias que chegam ao fim e se constata estar tudo está feito como 'il faut'. ou se conseguiu dar ordem e arrumação a uma panóplia de coisas para as quais tivemos de arranjar sentido ou categorizar. tarefa difícil para quem acha que tudo pode ter haver com tudo, ou que não há compartimentos na vida, no pensar, e especialmente no sentir.
mas há dias em que é preciso. olhar e sentir que as coisas estão no seu lugar. estão mesmo no seu lugar. porque as coisas têm um lugar, ou não? e nós, temos um lugar? e os outros têm um lugar em nós?
as palavras deixam de ter como significado o sentir, assumem-se no que verdadeiramente são, significantes, e por isso ajudam a destrinçar sentidos.
ou, como naqueles dias, em que as palavras deixam de fazer sentir, porque o sentir encontrou o seu lugar. já não anda disperso, envolto em palavras que o ajudem a encontrar sentidos ainda sem lugar.
como naqueles dias, ao chegar o entardecer, se percebe claramente que esse dia está arrumado, terminado, e nem mesmo a noite que se adivinha já pertence a esse dia. a luz é outra e os olhos vêem melhor sem o brilho ofuscante.
aqueles dias, como naquele dia, em que o lugar ficou.
e eu, continuei os meus passos...
quinta-feira, 10 de maio de 2012
Na era da descartibilidade
Descartam-se trabalhadores e colaboradores
descarta-se lealdade e amizade
descartam-se filhos nos depósitos de infância
ou na casa do outro progenitor - queremos é gozar a liberdade
descartam-se pais velhos em túmbolas solitárias
descartam-se os animais quando o peluche lhes cai
descarta-se a vida nas corridas diárias em automóveis
descarta-se tempo nos passatempos
descarta-se o olhar no écran
descarta-se o silêncio nos fones
descartam-se palavras que ninguém quer ouvir
descarta-se a alma na pele sofrega de afecto/carência
descarta-se os corpos
descartam-se como lixo
descartam-se amores e namoros
viva o nosso prazerzinho... tudo o resto, paciência!
descarta-se lealdade e amizade
descartam-se filhos nos depósitos de infância
ou na casa do outro progenitor - queremos é gozar a liberdade
descartam-se pais velhos em túmbolas solitárias
descartam-se os animais quando o peluche lhes cai
descarta-se a vida nas corridas diárias em automóveis
descarta-se tempo nos passatempos
descarta-se o olhar no écran
descarta-se o silêncio nos fones
descartam-se palavras que ninguém quer ouvir
descarta-se a alma na pele sofrega de afecto/carência
descarta-se os corpos
descartam-se como lixo
descartam-se amores e namoros
viva o nosso prazerzinho... tudo o resto, paciência!
domingo, 6 de maio de 2012
sob a lua das noites
No silêncio, já deitada, surgem-me recorrentemente frases que nunca escreverei. Surgem com uma fluidez que perdi algures - lembro-me de no início escrever, escrever, mesmo com as muitas reticências e hesitações que sempre tive.
As palavras e as frases começavam durante o dia a bailar na minha cabeça, as histórias também; e iam-se formando, delineando. Agora só à noite. Deitada. No silêncio. Por entre os lençóis brancos. Aconhegada pelo edredão e um saco térmico, ainda nestas noites frias de primavera adiada. Quantas noites após os rituais preparatórios, abro a cama, ajeito a almofada, coloco o saco térmico quentinho a meio, e deito-me. Às vezes pego no livro, outras aninho-me no meu ninho branco e quase de imediato o torno escuro desligando o interruptor. De qualquer das formas, as palavras surgem, ou misturando-se com a boa escrita do autor, suspendendo a leitura mas levando a palavra lida pelos caminhos por onde deambulo; ou apenas vindas dos meus dias, de outras horas, preenchem a minha solidão com as divagações que me habitam. Então escrevo frases ou mesmo páginas inteiras que se perderão no sono que sobrevirá. Páginas de pensamentos, de uma ou outra memória mais antiga, às vezes um nó na garganta que tento de imediato deslaçar numa profunda expiração, outras um sorriso pela lembrança, ou por se ver algo em que não se tinha reparado ou relacionado, outras enredando-me em labirintos. Vou discorrendo, sem prender, vou aonde o meu pensamento me leva - sim, já nem sei aonde estará um músculo irrigado de sange que nos faz pulsar -, deixo-me ir na certeza do esquecimento nocturno, mesmo se há uma ou outra noite em que o sono demorará mais a chegar. Muitas das minhas noites são assim, neste ritual silêncio cheio de palavras.
Não são só outros vazios que habitam as minhas noites. Nas minhas noites já não há a terna presença da Bugy - companheira de tantos anos -, ela encostada a mim, aquecendo-me, e eu a ela. No outro dia, ou antes, noite, de repente um insight: constatando que nunca usei até maio o saco térmico, pois não sou assim tão friorenta, apercebi-me, por esta estranheza, da minha inconsciente tentativa de substituição do seu calor, por outro.
É algo que me aconchega, mesmo que ilusoriamente, ter um 'corpo', uma coisa quente junto a mim, por entre os lençóis brancos quando adormeço na escuridão do silêncio.
Há pouco fui abrir as vidraças do meu quarto - hoje para além do saco térmico, do edredão e daquelas conversas de silêncios, quero adormecer aconchegada; aconchegada aos reflexos de uma lua maior que entram pela minha janela.
segunda-feira, 30 de abril de 2012
a existência nos papéis
Entre papéis.
Organizo os papéis do último ano.
Arrumo papéis dos últimos nove. Papéis, papéis.
Provas de actos, provas de vida - vida tão pouca, ou vida de tanto - numa engrenagem em que se tem de justificar a própria existência.
Papelada que se guarda como lixo precioso.
Quilos e quilos em caixas brancas com os respectivos rótulos, para, se necessário, lembrar aos outros da nossa integridade, a nossa legitimidade.
Posso até conseguir lidar com isto tudo, mas este não é decisivamente o meu mundo... nem o meu tempo... isto e tudo, ou aqueles pequenos nadas, que pouco a pouco nos pretendem transformar no que não somos, nem podemos vir a ser.
Organizo os papéis do último ano.
Arrumo papéis dos últimos nove. Papéis, papéis.
Provas de actos, provas de vida - vida tão pouca, ou vida de tanto - numa engrenagem em que se tem de justificar a própria existência.
Papelada que se guarda como lixo precioso.
Quilos e quilos em caixas brancas com os respectivos rótulos, para, se necessário, lembrar aos outros da nossa integridade, a nossa legitimidade.
Posso até conseguir lidar com isto tudo, mas este não é decisivamente o meu mundo... nem o meu tempo... isto e tudo, ou aqueles pequenos nadas, que pouco a pouco nos pretendem transformar no que não somos, nem podemos vir a ser.
quarta-feira, 25 de abril de 2012
E agora, Liberdade?
Gravura de António Pimentel
Nunca pensei viver para ver isto:
a liberdade – (e as promessas de liberdade)
restauradas. Não, na verdade, eu não pensava
... - no negro desespero sem esperança viva -
que isto acontecesse realmente. Aconteceu.
E agora, meu general?
Tantos morreram de opressão ou de amargura,
tantos se exilaram ou foram exilados,
tantos viveram um dia-a-dia cínico e magoado,
tantos se calaram, tantos deixaram de escrever,
tantos desaprenderam que a liberdade existe-
E agora, povo português?
Essas promessas – há que fazer depressa
que o povo as entenda, creia mais em si mesmo
do que nelas, porque elas só nele se realizam
e por ele. Há que, por todos os meios,
abrir as portas e as janelas cerradas quase cinquenta anos -
E agora, meu general?
E tu povo, em nome de quem sempre se falou,
ouvir-se-á a tua voz firme por sobre os clamores
com que saúdas as promessas de liberdade?
Tomarás nas tuas mãos, com serenidade e coragem,
aquilo que, numa hora única, te prometem?
E agora, povo português?
Jorge de Sena
domingo, 15 de abril de 2012
terça-feira, 10 de abril de 2012
piloto automático
Ligo o piloto automático. Este vem com instruções. Depois de mais de dois meses, tenho finalmente tempo para saber como se põe a funcionar algumas daquelas luzinhas do carro. Ligo o piloto automático - expressão muito mais significativa que um qualquer cruise control -, vou em piloto automático. O carro atravessa a ponte, pouco trânsito, o rio manso, tiro o pé do pedal e estranho. Depois deixo-me ir. E ele vai. Eu deixo-me ir e a vida vai. Comendo quilómetros ou dias. Eu em piloto automático. A minha vida em piloto automático, sem acelerações nem travagens, seguindo constante - morna - ou tranquila? -. Se eu fosse capaz?! Dizia eu que tenho andado em piloto automático... sim e não. Houve um momento que, perante uma rampa, acelerei dando o que devia provocar o impulso, o embalanço, mas na subida fui fechando os olhos - que é como quem diz o coração -, ou seria na descida por receio da atracção do abismo? Travei, apenas um toque, que da máquina, apesar de nova, já se conhece o funcionamento. Ligo o piloto automático, da breve aceleração, da leve travagem, parece não haver sinal; ficou para trás mais um e outro quilómetro. Um fio de estrada.
Ligo o piloto automático, sigo em frente, ou numa direcção que assim parece, uma recta sem horizonte. Sigo tranquila ou morna, deixando rastos invisíveis no chão. Como se levitasse de mim. Passo a outrém o controle que por vezes tanto me tem descontrolado. Antes assim, por agora. A viagem é longa ... tem sido penosa, curvas e contracurvas... a viagem é longa, ou quão longa será...
Sigo e penso: sorte ao jogo, não... sorte à condução, azar aos amores. Devia era ser tão boa numa como na outra, assim nunca teria tido acidentes no percurso*.
*Prova de que não são (necessariamente) os acidentes que nos ensinam a conduzir melhor.
terça-feira, 27 de março de 2012
transparência vs. previsibilidade
Muitas vezes exaltei o valor da transparência por a associar ao brilho da cumplicidade, ao entendimento sem palavras, à atracção pela sintonia. Como se ao pegarmos numa peça de um puzzle ou de um lego, nos revelasse o seu inequívoco lugar no meio do ruído ou das múltiplas possibilidades.
Previsibilidade, não é transparência, é o seu contrário. É não poder deixar de acontecer só porque sim. É ser 'mono', cinzento. É opacidade que se esgota em si mesma, como Narciso e o seu espelho. É cópia do mesmo. É fraude humana.
Transparência é descoberta, iluminação. É imaginar outro mundo que deveras existe. É ir além do que aparece. É revelar-se através da matéria e da luz. É ser maior do que os corpos que habitamos.
3 mulheres à mesa de jantar
- É alguma reunião familiar? - Perguntou chegado da rua.
- Não, estamos apenas a conversar. - Depois dos beijos de olá-adeus, sai. Nós continuamos...
Conversa entre mulheres. Conversa entre pessoas que estão a crescer, que querem crescer e partilhar e criar outras narrativas de vida. Porque é preciso. Viver e tentar ser feliz. Reperspectivar o olhar. Até mesmo sobre os passados, sobre as mágoas que sentimos lá atrás, sobre os Se's que não aconteceram, sobre o que se consentiu e se deu e se cresceu por amor, sobre as dádivas e egoísmos quotidianos, sobre as mudanças e as permanências das gerações, sobre ser mãe e filha e irmã, sobre o que sobrou e nos faltou. Sobre nós e os outros. Olhar e questionarmo-nos construtivamente se nos queremos tornar pessoas. Porque é em nós mesmas que está a possibilidade de podermos mudar, mesmo que a educação ou a sociedade ou os relacionamentos nos impelem em sentido contrário. Tal como está a liberdade e a dignidade de se construir como pessoa, cada vez mais pessoa. Não ficar agarradas às nossas próprias narrativas que compussemos ao longo de tempo e que não têm já a ver com o que somos, ou que impedem que nos libertemos dos nossos supérfluos e das nossas aparências.
Mulheres que tentam fazer e dar o melhor de si em cada momento , apesar de... we're only human.
- Não, estamos apenas a conversar. - Depois dos beijos de olá-adeus, sai. Nós continuamos...
Conversa entre mulheres. Conversa entre pessoas que estão a crescer, que querem crescer e partilhar e criar outras narrativas de vida. Porque é preciso. Viver e tentar ser feliz. Reperspectivar o olhar. Até mesmo sobre os passados, sobre as mágoas que sentimos lá atrás, sobre os Se's que não aconteceram, sobre o que se consentiu e se deu e se cresceu por amor, sobre as dádivas e egoísmos quotidianos, sobre as mudanças e as permanências das gerações, sobre ser mãe e filha e irmã, sobre o que sobrou e nos faltou. Sobre nós e os outros. Olhar e questionarmo-nos construtivamente se nos queremos tornar pessoas. Porque é em nós mesmas que está a possibilidade de podermos mudar, mesmo que a educação ou a sociedade ou os relacionamentos nos impelem em sentido contrário. Tal como está a liberdade e a dignidade de se construir como pessoa, cada vez mais pessoa. Não ficar agarradas às nossas próprias narrativas que compussemos ao longo de tempo e que não têm já a ver com o que somos, ou que impedem que nos libertemos dos nossos supérfluos e das nossas aparências.
Mulheres que tentam fazer e dar o melhor de si em cada momento , apesar de... we're only human.
sábado, 24 de março de 2012
quinta-feira, 22 de março de 2012
quarta-feira, 21 de março de 2012
porque "os pássaros nascem na ponta das árvores"*
Tenho voltado devagarinho. Ainda em muito silêncio de mim. Tentando o renascer do sorriso. Não esforçando a pele. Dizendo aos meus orgãos, acordem mas lentamente. Olhando os outros e procurando, numa distância segura, a graça da sua diversidade, da sua humanidade.
Vou voltando devagarinho. Como um pássaro aos primeiros sinais de uma outra Primavera.
* E "Eu passo e muda-se-me o coração", mas não demasiado.
Vou voltando devagarinho. Como um pássaro aos primeiros sinais de uma outra Primavera.
* E "Eu passo e muda-se-me o coração", mas não demasiado.
[do poema de Ruy Belo]
sexta-feira, 16 de março de 2012
ringue
1
2
3
4
............
10
deixo-me deitada.
deixem-me deitada. Quando já não há forças nem sequer para ter vontade de tentar, deixar estar. Não há palavras nem racionalidades que auxiliem. Já que não há um abraço que se estenda apenas ao nosso lado em silêncio. Não consigo sequer receber aqueles que, com palavras, mesmo de afecto, nos querem levantar à força. Chega de ter forças. De fingir que se tem forças. De fingir que se é forte todo o tempo e se aguenta todos os socos. Todos os socos, num equilibrio para não sair do ringue. De um ringue sem qualquer corda. Deixo-me deitada, sem saber se ainda dentro ou fora do ringue. No silêncio. Finalmente e sem fingimentos fora do mundo.
2
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deixo-me deitada.
deixem-me deitada. Quando já não há forças nem sequer para ter vontade de tentar, deixar estar. Não há palavras nem racionalidades que auxiliem. Já que não há um abraço que se estenda apenas ao nosso lado em silêncio. Não consigo sequer receber aqueles que, com palavras, mesmo de afecto, nos querem levantar à força. Chega de ter forças. De fingir que se tem forças. De fingir que se é forte todo o tempo e se aguenta todos os socos. Todos os socos, num equilibrio para não sair do ringue. De um ringue sem qualquer corda. Deixo-me deitada, sem saber se ainda dentro ou fora do ringue. No silêncio. Finalmente e sem fingimentos fora do mundo.
segunda-feira, 12 de março de 2012
Consonâncias
Durante anos resisti a mudar o layout deste sítio. Pensava que melhor seria criar um novo (como cheguei a fazê-lo) e deixar este efémero ser 'eterno'. Logo eu que gosto de remodelações. Desde adolescente quando requisitei o sotão para minha mansão exclusiva que, de quando em vez, tinha de mudar a disposição dos móveis; a cama só não esteve no tecto porque este era inclinado. E desde que tenho a minha casa, já fiz inúmeras, desde ligeiras mudanças a reformas totais - tanto que já digo habitar noutra casa, e nos últimos 10 anos já 'mudei' de casa duas vezes e sem andar a encaixotar e com móveis às costas (só de empurra). Contudo, este lugar permanecia num ambiente azul-turquesa que me era tão próprio; ou era uma faceta minha que aqui gostava de cultivar... mas sabendo que também me condicionava, por vezes.
Sou mesmo assim, condicionada pelos ambientes, pela forma de estar dos outros. Talvez seja um lado meu demasiado atento aos outros. É um aspecto que, se de certo modo, aprecio, mas por outro tento com esta minha adultidade meio tardia, ajustar para que não me possa impedir de ocupar e viver o lugar que necessito e me é devido. Vinha isto a propósito de cores e design, de apenas bits... Ou não, vem a propósito das mudanças e adaptações que precisamos fazer constantemente na nossa vida e relativamente ao que vamos sendo e sentindo. Vem isto a propósito do presente. Do estar em cada instante. Consonante.
sexta-feira, 9 de março de 2012
Dia de semana
Dia de semana. Quinta-feira. Beira-tejo. A outra margem muito perto, demasiado perto para o meu olhar habituado a perder-se no mar da palha. Na outra margem, a fábrica com os seus silos coloridos. Atrás o ruído dos carros de uma cidade em buliço; em cima, um gorgolhar contínuo dos rodados no metal da ponte.
Neste momento, redescubro um aspecto positivo - sim, preciso de redescobrir - desta minha nova condição.
Dia de semana. Passeiam lentamente ao longo do tejo. Como eu acabei de o fazer. Pessoas que têm tempo e olhar. Não são os magotes de famílias, nem os guinchos dos reis-criancinhas dos fins de semana. Há velhos a passear de mãos dadas higienizando o seu corpo pela caminhada. Há mulheres conversando a passo lento ou ritmado. Há jovens beijando-se sentados nos bancos de cimento esquecidos do mundo e do rio - ó louca paixão, ó doce ilusão. Há estudantes em intervalo, há desempregados ocupando-se, há os que folgam e se exercitam. Há um caniche que passeia o dono pela trela. Há uma senhora de meia-idade, muito arranjada, sentada perto das águas, agarrada ao telemóvel.
Há pessoas que vão e vêm ao longo da margem. A passo, a corrida, em bicicleta. No recorte da fábrica a contraluz, alguém faz flexões, do lado contrário, as canas de pesacas alinhadas. Algures por aqui, alguém que escreve com uma lapiseira vermelha num caderno preto. Em frente, um barco à vela; veio da foz e do sol, aproximando-se lentamente pela brisa e que o vai levar ao porto; entretanto, deixa vogar, saboreiando a deriva.
Também eu saboreio a deriva, o sol, frente ao rio, com a cidade atrás. Que bom é este sol de Março.
[que prenda boa, inesperada para este dia da mulher]
Neste momento, redescubro um aspecto positivo - sim, preciso de redescobrir - desta minha nova condição.
Dia de semana. Passeiam lentamente ao longo do tejo. Como eu acabei de o fazer. Pessoas que têm tempo e olhar. Não são os magotes de famílias, nem os guinchos dos reis-criancinhas dos fins de semana. Há velhos a passear de mãos dadas higienizando o seu corpo pela caminhada. Há mulheres conversando a passo lento ou ritmado. Há jovens beijando-se sentados nos bancos de cimento esquecidos do mundo e do rio - ó louca paixão, ó doce ilusão. Há estudantes em intervalo, há desempregados ocupando-se, há os que folgam e se exercitam. Há um caniche que passeia o dono pela trela. Há uma senhora de meia-idade, muito arranjada, sentada perto das águas, agarrada ao telemóvel.
Há pessoas que vão e vêm ao longo da margem. A passo, a corrida, em bicicleta. No recorte da fábrica a contraluz, alguém faz flexões, do lado contrário, as canas de pesacas alinhadas. Algures por aqui, alguém que escreve com uma lapiseira vermelha num caderno preto. Em frente, um barco à vela; veio da foz e do sol, aproximando-se lentamente pela brisa e que o vai levar ao porto; entretanto, deixa vogar, saboreiando a deriva.
Também eu saboreio a deriva, o sol, frente ao rio, com a cidade atrás. Que bom é este sol de Março.
[que prenda boa, inesperada para este dia da mulher]
[imagem roubada]
quarta-feira, 7 de março de 2012
noite de lua cheia
Cruzamos o nosso olhar na lua cheia. Gostei de o pensar assim. Talvez também te tenhas recordado daquele outro luar no rio, quando esse lugar foi nosso. Talvez te recordes dos sorrisos e do brilho nos olhos - aqueles que ficaram registados na memória de um telemóvel - em mim gravados numa lembrança feliz -. Das águas e do horizonte tranquilos, do entardecer suave que se foi tornando negritude, ampliando o vazio, primeiro à nossa volta, depois entre nós.
Olho a lua cheia, já vai alta, respiro-a sem pretensões de compreender; olho para o breu horizonte, sem nada mais do que um breve suspiro. Fui, sou, serei. Um pedaço de ti, noite: noite de lua cheia.
Olho a lua cheia, já vai alta, respiro-a sem pretensões de compreender; olho para o breu horizonte, sem nada mais do que um breve suspiro. Fui, sou, serei. Um pedaço de ti, noite: noite de lua cheia.
terça-feira, 6 de março de 2012
Primeiro foste um nome
ainda não eras tu mas pertencia-te
Depois foste um corpo
apenas ossos – disseste
Por fim fizeste-te ouvir
Na voz com que me acariciaste
voaste para mim inteira
Nesse momento percebi
que envolvendo o meu desejo
tu abrias as asas
para me abraçar
Ademar Ferreira dosSantos …
ainda não eras tu mas pertencia-te
Depois foste um corpo
apenas ossos – disseste
Por fim fizeste-te ouvir
Na voz com que me acariciaste
voaste para mim inteira
Nesse momento percebi
que envolvendo o meu desejo
tu abrias as asas
para me abraçar
Ademar Ferreira dos
Um mês depois... Se sinto a tua falta? Não. Se sinto a tua ausência? Sim. Se sinto saudades de ti? sim, de ti, contigo, do muito que existiu, do muito que ficou por acontecer.
Não, não tenho saudades de dançar contigo. Na verdade é a saudade que me tem, que me possui, que invade o meu corpo, a minha alma, que me toma e transtorna, quando me sinto nas tuas asas de desejo, abrindo-se para eu voar.
PS: Por instantes, sinto-me perdida, por não caminhar contigo. Sinto-me perdida no meu próprio caminhar.
segunda-feira, 5 de março de 2012
domingo, 4 de março de 2012
Respirar tranquilo
Caminho para a tranquilidade - mais uma vez. Não é para a zona de conforto - haverá conforto na solidão? sim, há mas... -, é mesmo o caminho para a autenticidade, ou para a sua procura constante. Posso ser apelidada de radical, ou de difícil, mas tudo o que é autêntico, tem de Ser, porque é esse o seu âmago, a sua essência.
Seja o que for, seja no silêncio ou rodeada por uma festa, sinto-me cada vez mais eu, tranquilamente eu, com toda a diversidade de eus que seja momentaneamente. E que for sendo... neste caminhar, muitas vezes de aparência parada, mas no fundo somente tranquila.
Penso na palavra 'segura' e traz-me a memória de um jantar de curso finalizado por uma sessão de 'terapia grupal', quando a desinibição alcoólica já assomava, e a percepção de uma segurança que me fez sorrir interiormente porque não reconhecia a imagem espelhada... hoje reconheço uma imagem que outros já tinham visto. Transparência? Cresci antes de mim? ou seremos melhores do que nós próprios?
Seja o que for, seja no silêncio ou rodeada por uma festa, sinto-me cada vez mais eu, tranquilamente eu, com toda a diversidade de eus que seja momentaneamente. E que for sendo... neste caminhar, muitas vezes de aparência parada, mas no fundo somente tranquila.
Penso na palavra 'segura' e traz-me a memória de um jantar de curso finalizado por uma sessão de 'terapia grupal', quando a desinibição alcoólica já assomava, e a percepção de uma segurança que me fez sorrir interiormente porque não reconhecia a imagem espelhada... hoje reconheço uma imagem que outros já tinham visto. Transparência? Cresci antes de mim? ou seremos melhores do que nós próprios?
És melhor do que tu.
Não digas nada: sê!
Graça do corpo nu
Que invisível se vê.
Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
Não digas nada: sê!
Graça do corpo nu
Que invisível se vê.
Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
quinta-feira, 1 de março de 2012
virar de página
vira-se a página. não uma página qualquer. a última. a última página que também é a contra-capa. vira-se a contra-capa. a que está mais perto da capa. a face e o verso. fecha-se o livro. dantes lembro, nos livros de que gostava, sentia sempre uma resistência quando começava a chegar ao fim. começava a ler mais devagar, saboreando as frases, pausando na memória de narrativas anteriores, interligando-as, criando mais e diversos sentidos. este foi um dos livros da minha vida. um dos livros que lemos e reescrevemos constantemente. um daqueles livros que nos apaixona porque feito de paixão. e de tanta paixão não vimos o final aproximar-se - ou vimo-lo com os olhos mas não com as mãos, não com a aorta que nos fez, faz virar páginas atrás de páginas. e o final aproximou-se: decadente e patético, mesmo se, por entre os gestos íntegros, se insistia em continuar a desenhar palavras e frases com sentido. a história pertence ao autor; a narrativa pertence a quem a lê e a reconta.
vira-se a página, vira-se a folha, vira-se a contra-capa, fecha-se o livro. logo ao lado, uma outra página. uma outra folha, um outro livro com capa sem título. uma folha junto a outra, um livro ao lado de outro livro. e mesmo ao lado, há ainda outra prateleira. outra estante. porque há sempre mundo. outra página. comecemos: de cima para baixo, da esquerda para a direita: um mundo de página.domingo, 26 de fevereiro de 2012
Dança ou do corpo com alma
Dança. danço. danças. dançamo-nos. coloco Lura no play. Nha vida. hoje. agora. neste exacto instante. só nós. a tua mão na minha. os rostos juntos. os corpos unidos. movem-se. onduleiam-se. tudo começa a evaporar. olhos fechados. o som invade-nos. nós invadimo-nos. já não és tu e eu que dançamos. é um nós. um nós de tu e eu e a música. nada mais na sala. nada mais em nós. só nós feitos de corpo. só nós, nus. nus de tudo. vestidos de som e corpo. o ritmo uno. alegria. sintonia, harmonia. a sala semi-obscurecida continua inexistente. a multidão desapareceu. a mobília desapareceu. só nós. no espaço de nós, transcendendo-o, transcendendo toda a noção de espaço. o tempo é apenas música, a música, nós dançando-nos. o corpo e o gesto. desejo movimento. sentindo eternidade e infinito. o nós incorpóreo, amando-nos somente através do corpo de nós, no corpo sonoro que nos invade. do corpo com alma.
o sol penetra-nos como uma corda. o som da água travessa-nos numa ondulação. cordas do sol. brincamo-nos. sorrimo-nos. banhamo-nos. olhamo-nos. dançamo-nos num ritmo crescente. os corpos respondem. os passos levam os nossos pés a acariciar o chão. o teu braço segura o meu corpo, encostando-o ao teu, fundindo-o em nós, os rostos húmidos desejam-se. sorriem. com as bocas. no olhar despido. dançamos dançamos rodamos devagar depressa dançamos dançamos. percorremo-nos. em alegria. sintonia. harmonia. só nós, lugar eterno.
olho-te. fecho os olhos. ouço a música, o canto dos pássaros, o nosso sorriso. o silêncio da nossa dança. apetece-me. apeteces-me tanto. desejo. -nos. na terra da sodade. na terra do fogo. na alegria, na incorporeidade da dança dos corpos unos. na leveza do esquecimento da matéria. no som das cordas de vidas.
o sol penetra-nos como uma corda. o som da água travessa-nos numa ondulação. cordas do sol. brincamo-nos. sorrimo-nos. banhamo-nos. olhamo-nos. dançamo-nos num ritmo crescente. os corpos respondem. os passos levam os nossos pés a acariciar o chão. o teu braço segura o meu corpo, encostando-o ao teu, fundindo-o em nós, os rostos húmidos desejam-se. sorriem. com as bocas. no olhar despido. dançamos dançamos rodamos devagar depressa dançamos dançamos. percorremo-nos. em alegria. sintonia. harmonia. só nós, lugar eterno.
olho-te. fecho os olhos. ouço a música, o canto dos pássaros, o nosso sorriso. o silêncio da nossa dança. apetece-me. apeteces-me tanto. desejo. -nos. na terra da sodade. na terra do fogo. na alegria, na incorporeidade da dança dos corpos unos. na leveza do esquecimento da matéria. no som das cordas de vidas.
toma a minha mão na tua.
abraça o meu corpo com teu braço. dancemos o nosso corpo de alma.
o nosso korpu ku alma...
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
amor aos pedaços
se sou inteira
se amo inteira
não quero ser amada só com a cabeça.
não quero ser amada com os pés.
nem com as mãos. nem com os olhos. nem com o sexo.
ou só com o coração.
quero tudo. inteiro.
é demais?
então não me chega.
então não me basta.
quero ser amada
sem pedaços
(muito menos migalhas)
sem intervalos
: - agora espera aí que o amor que sinto já vem, foi arejar
no amor é o tudo. ou o nada.
é.
ou não é.
...até o vagabundo andava sempre com o sol na algibeira, mesmo no relento da noite...
se amo inteira
não quero ser amada só com a cabeça.
não quero ser amada com os pés.
nem com as mãos. nem com os olhos. nem com o sexo.
ou só com o coração.
quero tudo. inteiro.
é demais?
então não me chega.
então não me basta.
quero ser amada
sem pedaços
(muito menos migalhas)
sem intervalos
: - agora espera aí que o amor que sinto já vem, foi arejar
no amor é o tudo. ou o nada.
é.
ou não é.
...até o vagabundo andava sempre com o sol na algibeira, mesmo no relento da noite...
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
raios me partam
duas mãos. na ombreira. dois degraus percorridos. os dedos tocando-se sem olhares. dedos despedindo-se. réstias de corpos. ter de ir. ter de ir. uma lágrima. muitas. solto, arranco a mão ou parte de mim. deixando para trás, trazendo-te, trazendo-me. passos descendo os degraus como se fossem de outra. a mente, o coração algures. uma hesitação ecoa. um choro. os passos continuam descendo um imenso lanço de escadas num eco de saltos altos. um choro por detrás da porta. outra hesitação. acelero sem alterar a cadência dos passos sonoramente firmes, fujo sem fugir, porque tem de ser. tem de ser. a porta do carro. a chave. o pisca. a inversão de marcha. as lágrimas. o eco das lágrimas atrás da porta. o som das lágrimas enchendo o coração dentro do carro. acelero-me, carregando no pedal. fujo de nada. do nada. no rádio, a música, a minha resposta, a resposta à pergunta à soleira da porta, ainda na rua...
mais alto, mais alto. tão alto que ensurdeça os sentimentos. os sentimentos que se projectam na música
Nada de nada. (lembras-te?) Nada.
Nada.
senão fazer com que the lightning strikes me
What I got to do to make you love me?
What I got to do to make you care?
Nada. Nada. What I got to do to make you care?
Nada de nada. (lembras-te?) Nada.
Nada.
senão fazer com que the lightning strikes me
Vem chuva! vem trovoada! vem árvore! cobre-me com os teus braços e ilumina-me...
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
As palavras são as mesmas
mas deixei de saber o tempo
para chegar a ti
durante meses e meses
tinha perdido o hábito
as histórias que de noite sonhas
o evidente esplendor que depois
não tomou nenhuma forma
que razão é a deste amor
que tanto se confunde
com o medo
não dizias nada
tinhas de repente uma pressa desesperada
como quem do mundo inteiro
pretendesse apenas
um cigarro
mas deixei de saber o tempo
para chegar a ti
durante meses e meses
tinha perdido o hábito
as histórias que de noite sonhas
o evidente esplendor que depois
não tomou nenhuma forma
que razão é a deste amor
que tanto se confunde
com o medo
não dizias nada
tinhas de repente uma pressa desesperada
como quem do mundo inteiro
pretendesse apenas
um cigarro
José Tolentino Mendonça, "Apenas um cigarro", in A Noite Abre Meus Olhos
Fotografia de Luca Pierro
Fotografia de Luca Pierro