terça-feira, 17 de abril de 2007

uma abelha nos cabelos

sentiu-se a florescer. não tinha sido apenas o azul quente e o vento morno que a tinham convocado todo o dia. de quando em vez conseguia escapar-se para o terraço, fechava os olhos e recebia a luminosidade intensa na pele. inspirava fundo, quase se engasgando com o chilrear dos pássaros que sobrevoavam os telhados vizinhos.
não tinha sido apenas no breve passeio ao pé do rio, quando ao calor do sol, as suas mãos se diluíram abertas, ao ler, ao ouvir o som da amizade chamá-la de minha querida, pela segunda vez num só dia.
sentiu-se a florescer. e disso só teve consciência quase ao fim do dia. estava à espera do comboio de regresso. vinha ainda com o sol e o vento e o calor. um leve estremecer à sua volta. um zumbido. os cabelos que revoavam por algo se lhes prendido. leva a mão à cabeça, sente um ser estranho, um bicho, umas asas. tenta sacudir ingloriamente. mais outra vez. com a mão tenta tirar o animal preso como uma mosca na teia. a aranha sorri. sacode outra vez. uma abelha liberta-se atordoada e esvoaça para longe. é a primavera e chega o comboio.
- desculpe. tem um insecto no cabelo. grande.
sentada, vira-se para trás. olha a rapariga que fala. expectante sorri.
- tenho?
- sim, espere... é uma abelha...
mais uma vez leva a mão à cabeça e sente um ser estranho.
- pode tirá-lo?
tinham conseguido despertar a atenção de meia carruagem. a mulher que estava sentada ao lado, muda de lugar afastando-se. a rapariga envida esforços para extrair o animal dando instruções à 'flor':
- afaste os cabelos, está mesmo aí.
uma segunda abelha liberta-se atordoada e cai no assento do lado. um homem que se tinha levantado e aproximado, bate-lhe com a mão, fazendo-a tombar no chão. só as suas asas mexem ligeiramente.
ouve-se ainda um sussurro vindo do interior das pétalas:
- coitada.
florescia. era prova provada. e não tinha sido apenas... e era tanto.

2 comentários:

Nilson Barcelli disse...

Já o disse mais abaixo, mas repito-me: depois de ter lido mais alguns textos (prosa e poesia), vê-se que estás à vontade em qualquer dos géneros, pois escreves sempre muito bem. Parabéns.
Beijos.

PS: coloquei o teu link no meu blogue, espero que não te importes.

Luísa disse...

Nilson, obrigada pelos comentários e pelo link.