domingo, 8 de abril de 2007

o regresso das aves

é hora de almoço de um domingo de páscoa. talvez devesse almoçar em família. poderia se o quisesse, é este meu ocasional feitio de bicho do mato que o impede. na inevitabilidade prefiro assumi-lo nas suas últimas instâncias. até ao limite. esticando a corda até a solidão se converter em prazer. na minha sã loucura ponho o despertador a um domingo. no entanto, desligo-o muito antes dele tocar. é manhã e a manhã é minha. há gestos que nos 'devemos'. quando olhei ao espelho ainda questionei. mas senti que era-me necessário. como se não fosse já a minha vontade a condicionar. porque há momentos existencialmente nossos. vivenciados de um modo absoluto na indiferença de outros.
parecia que ia chuviscar. por momentos agarrei-me a esse possível facto. não há certezas de nada, mas as previsões, as intenções, as pressunções são apenas isso mesmo. a 'realidade' é sempre diferente.

no regresso, a pele quente, o olhar cheio de azul e verde e asas. das águas reter apenas a sua perturbação pelo voo rasante dos pássaros. a tranquilidade. incrivelmente plena. o tempo de escutar. de contemplar. os tons de todas as árvores, de todos os reflexos. as melodias de cantos e sons. o tempo dos outros nos seus gestos lentos dominicais. um jovem captando com a sua reflex os efémeros momentos a que nós dois assistíamos, um velho alimentando esfomeadas aves. a pomba que se aproximou confiante, e ali ficámos as duas imóveis olhando-nos. o par vestido de túnicas vermelhas que passa: cruzo o olhar com o da mulher (estrangeira?), sorrimo-nos, ela diz algo que me parece 'boa-tarde' e eu respondo algo parecido com 'boa-tarde'. ali permaneço sentada de pernas cruzadas em cima de um banco comprido 'falando' com as pombas, uma de tons brancos, outras raiadas de azul, uma outra cinzenta de penas fofas que se acolhe junto a mim - ou eu a ela -, uns pássaros negros de bico laranja (tordos? - é a minha ignorância, mas hoje não são necessárias palavras ou nomes para sentir... nunca são -), patos, pardais, rolas.
neste tempo nunca houve solidão ou o senti-la como tal. havia tanto. é o que fica. se as coisas assim o são, porque o havemos de contrariar, iludir? saboreio, alimento-me desta condição verde e de todas as cores, ela transforma-se em arco-íris. regresso a um lugar primordial e respiro.

Nenhum comentário: