Nunca fiz um aborto. Nunca fiz um filho. Nunca tive um filho.
Voto Sim.
já namorei. já casei. e descasei. já amei. poderia ter tido de alguns dos homens que amei, um filho. já poderia ter tido de mim, uma filha. já o desejei. já o evitei. se o filho não tivessem que ter pai, talvez o tivesse tido. mas que direito tinha eu, de negar a um filho, a um maior amor meu, um pai? e não fui mãe. e não foi gerado, apesar de poder ser em amor. meu. mas nem todos temos de ser pais ou mães. nem todos sabemos ser mães ou pais. já houve momentos de amor em que nem pensei que o amor pudesse gerar um filho – há momentos em que apenas se sente esse momento, sem passado sem futuro. tive sorte. tive sorte? pelo menos, a sorte de não me ter que confrontar com uma escolha. a escolha de, pelo menos, de ter de colocar duas ou quatro hipóteses: sim ou não; e no sim, o reverso do lamentar posteriormente, e no não, a mágoa de ter pensado no sim. são os pesos das escolhas. podem ter de ser a priori ou a posteriori. e há escolhas que são sempre difíceis.
todas as mulheres sabem de outras mulheres que já fizeram abortos. mães, tias, irmãs… irmãs de condição. logo em pequena contaram-me que uma familiar muito próxima morreu de complicações por um aborto mal feito. já tinha filhos, três, não havia condições económicas para ter mais um. deixou-os órfãos, crianças. esta foi a primeira estória que ouvi, era muito miúda. depois outras estórias ao longo da vida. todas as mulheres sabem de estórias de mulheres que abortaram. todas as mulheres sabem que é traumatizante. e se aparentemente não o é tanto, é pela ocultação de tais sentimentos perante estranhos. raras são as pessoas que vêem as lágrimas da mulher. que sentem as suas dores físicas e as da alma. a sua culpa, o seu alívio, os sentimentos contraditórios. para não falarmos de consequências a nível da sua saúde.
já não basta o sofrimento próprio, ainda pretendem, alguns, manter a punição legal. esses alguns de falinhas hipócritas, de barriga cheia de falsos moralismos, outorgam-se de julgadores encovando sentenças como ‘não julgarás’. e no entanto, aonde estão quando se trata de ajudar efectivamente o outro?
não sou ninguém para julgar os outros, nem em crimes graves. quanto mais numa situação destas que para mim não é crime. e estranho, estranho sempre a falta de solidariedade entre as mulheres, para já não falar de compaixão. Se o aborto fosse um problema masculino, não duvido que houvesse essa solidariedade.
este é um assunto de mulheres, sim. estou farta de ver homens a auto-excluirem-se, de tantas e variadas formas. admiro (de apreciar e de me espantar) aqueles que não o fazem.
em 1998, fui votar. e no dia seguinte senti vergonha por ser mulher neste país, pelo resultado. senti revolta pela abstenção, pelo alheamento.
no dia 12, espero não sentir o mesmo. que a história não se repita. porque vergonha é ainda continuar-se a discutir este assunto, vergonha e crime é haver “clínicas” de vão de escada e celas prisionais destinadas a estas mulheres.
já namorei. já casei. e descasei. já amei. poderia ter tido de alguns dos homens que amei, um filho. já poderia ter tido de mim, uma filha. já o desejei. já o evitei. se o filho não tivessem que ter pai, talvez o tivesse tido. mas que direito tinha eu, de negar a um filho, a um maior amor meu, um pai? e não fui mãe. e não foi gerado, apesar de poder ser em amor. meu. mas nem todos temos de ser pais ou mães. nem todos sabemos ser mães ou pais. já houve momentos de amor em que nem pensei que o amor pudesse gerar um filho – há momentos em que apenas se sente esse momento, sem passado sem futuro. tive sorte. tive sorte? pelo menos, a sorte de não me ter que confrontar com uma escolha. a escolha de, pelo menos, de ter de colocar duas ou quatro hipóteses: sim ou não; e no sim, o reverso do lamentar posteriormente, e no não, a mágoa de ter pensado no sim. são os pesos das escolhas. podem ter de ser a priori ou a posteriori. e há escolhas que são sempre difíceis.
todas as mulheres sabem de outras mulheres que já fizeram abortos. mães, tias, irmãs… irmãs de condição. logo em pequena contaram-me que uma familiar muito próxima morreu de complicações por um aborto mal feito. já tinha filhos, três, não havia condições económicas para ter mais um. deixou-os órfãos, crianças. esta foi a primeira estória que ouvi, era muito miúda. depois outras estórias ao longo da vida. todas as mulheres sabem de estórias de mulheres que abortaram. todas as mulheres sabem que é traumatizante. e se aparentemente não o é tanto, é pela ocultação de tais sentimentos perante estranhos. raras são as pessoas que vêem as lágrimas da mulher. que sentem as suas dores físicas e as da alma. a sua culpa, o seu alívio, os sentimentos contraditórios. para não falarmos de consequências a nível da sua saúde.
já não basta o sofrimento próprio, ainda pretendem, alguns, manter a punição legal. esses alguns de falinhas hipócritas, de barriga cheia de falsos moralismos, outorgam-se de julgadores encovando sentenças como ‘não julgarás’. e no entanto, aonde estão quando se trata de ajudar efectivamente o outro?
não sou ninguém para julgar os outros, nem em crimes graves. quanto mais numa situação destas que para mim não é crime. e estranho, estranho sempre a falta de solidariedade entre as mulheres, para já não falar de compaixão. Se o aborto fosse um problema masculino, não duvido que houvesse essa solidariedade.
este é um assunto de mulheres, sim. estou farta de ver homens a auto-excluirem-se, de tantas e variadas formas. admiro (de apreciar e de me espantar) aqueles que não o fazem.
em 1998, fui votar. e no dia seguinte senti vergonha por ser mulher neste país, pelo resultado. senti revolta pela abstenção, pelo alheamento.
no dia 12, espero não sentir o mesmo. que a história não se repita. porque vergonha é ainda continuar-se a discutir este assunto, vergonha e crime é haver “clínicas” de vão de escada e celas prisionais destinadas a estas mulheres.
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