"E depois? Depois, nada. Morreremos, claro. Morreremos e teremos protegido nada. Teremos protegido o assunto inegável de termos sido humanos e de termos encontrado humanos. Humanos tristes às vezes, eufóricos às vezes, cobertos de lama às vezes. Teremos protegido o facto de termos tido braços que abraçaram, bocas, pernas que caminharam numa determinada direcção. Grande coisa. A nossa memória ficará preservada. Respeitada. Por quem? Por ninguém. Para quê? Para nada. Onde? Em lugar nenhum. Acreditamos que, por revelarmos momentos privados e embaraçosos, revelamos alguma coisa, damos alguma coisa. Sem nos apercebermos, somos muito mais fracos. Somos como primitivos que julgam perder a alma por haver quem fotografe a sua alma. Confundimos os nossos segredos com a nossa identidade, confundimos as nossas fraquezas connosco próprios e, sem que ninguém saiba, sem que ninguém possa saber ou ajudar-nos, transformamo-nos efectivamente nos nossos segredos e nas nossas fraquezas. A verdade existe no oposto desse medo. Quanto mais damos, mais nos permitimos ser. Quanto mais damos, mais somos."
José Luís Peixoto, in JL, 20 Dezembro 2006
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