domingo, 6 de maio de 2012

sob a lua das noites

No silêncio, já deitada, surgem-me recorrentemente frases que nunca escreverei. Surgem com uma fluidez que perdi algures - lembro-me de no início escrever, escrever, mesmo com as muitas reticências e hesitações que sempre tive.
As palavras e as frases começavam durante o dia a bailar na minha cabeça, as histórias também; e iam-se formando, delineando. Agora só à noite. Deitada. No silêncio. Por entre os lençóis brancos. Aconhegada pelo edredão e um saco térmico, ainda nestas noites frias de primavera adiada. Quantas noites após os rituais preparatórios, abro a cama, ajeito a almofada, coloco o saco térmico quentinho a meio, e deito-me. Às vezes pego no livro, outras aninho-me no meu ninho branco e quase de imediato o torno escuro desligando o interruptor. De qualquer das formas, as palavras surgem, ou misturando-se com a boa escrita do autor, suspendendo a leitura mas levando a palavra lida pelos caminhos por onde deambulo; ou apenas vindas dos meus dias, de outras horas, preenchem a minha solidão com as divagações que me habitam. Então escrevo frases ou mesmo páginas inteiras que se perderão no sono que sobrevirá. Páginas de pensamentos, de uma ou outra memória mais antiga, às vezes um nó na garganta que tento de imediato deslaçar numa profunda expiração, outras um sorriso pela lembrança, ou por se ver algo em que não se tinha reparado ou relacionado, outras enredando-me em labirintos. Vou discorrendo, sem prender, vou aonde o meu pensamento me leva - sim, já nem sei aonde estará um músculo irrigado de sange que nos faz pulsar -, deixo-me ir na certeza do esquecimento nocturno, mesmo se há uma ou outra noite em que o sono demorará mais a chegar. Muitas das minhas noites são assim, neste ritual silêncio cheio de palavras. 
Não são só outros vazios que habitam as minhas noites. Nas minhas noites já não há a terna presença da Bugy - companheira de tantos anos -, ela encostada a mim, aquecendo-me, e eu a ela. No outro dia, ou antes, noite, de repente um insight: constatando que nunca usei até maio o saco térmico, pois não sou assim tão friorenta, apercebi-me, por esta estranheza, da minha inconsciente tentativa de substituição do seu calor, por outro.
É algo que me aconchega, mesmo que ilusoriamente, ter um 'corpo', uma coisa quente junto a mim, por entre os lençóis brancos quando adormeço na escuridão do silêncio.

Há pouco fui abrir as vidraças do meu quarto - hoje para além do saco térmico, do edredão e daquelas conversas de silêncios, quero adormecer aconchegada; aconchegada aos reflexos de uma lua maior que entram pela minha janela.

Um comentário:

POC disse...

Partilho dessa experiência que, como se nos atacasse, nos envolve em pensamentos, divagações, autênticas obras de arte de (des)organização no interior dos nossos pensamentos e nos deixa a deambular entre palavras, contextos, lembranças ou ilusões, em tempo indeterminado. Até adormecer. Ou até acordar, e perceber que há mundo cá fora que nos impede de continuar onde íamos, pelo menos por momentos...

É bom, sabe-me bem perder-me em mim.
Por outro lado, é de tal forma intenso, que mesmo que posteriormente até queira passar para o papel já não surge do mesmo modo. Ficou tão objectivo ou tão arrumado/escondido que (o assunto) já não se liberta...