quinta-feira, 30 de setembro de 2004

II


a lágrima do sorrir
a sepultou

cinza
I

Quiseram-me as lágrimas.
dei-as.
uma.
mais outra.
e outra.
demais.

até se tornarem torrente de betão.

terça-feira, 28 de setembro de 2004

Teu nome

Talvez o que se silencia, seja o que por vezes, se sinta mais fundo. Foi assim com o Teu nome. Entraste devagarinho, nem o teu nome era teu. Tinhas dois, mas nenhum era o teu, para mim. Talvez teu nome seja nenhum, nem antes, nem Depois. Existes somente. Existes em qualidades. em sentires. Nem eu sou nome para ti, em mim. Tanto que às vezes o procuro antes de o pronunciar. Alguns dizem que sem nome, as coisas não existem. Não existem porque não podem ser designadas. E se não o podem, não são. não existem.
Quando te penso, em ausência, por vezes não me lembro do teu nome. Lembro apenas. Lembro de Ti. Todo. do calor. do sorriso. do som da voz. do gesto terno. sem nome. porque não há nome tão grande assim. porque não há nome para este sentir. Como não há nome para a cor do oceano. Podemos chamá-lo de azul... mas esse nome diz tão pouco do mar, do infinito mar...

quinta-feira, 23 de setembro de 2004

quarta-feira, 22 de setembro de 2004

Espectros do fim de um dia… passado.


Sobre as nuvens, mesmo estas que avassalam o olhar, o céu límpido, azul. Desaparecerão. Desapareceram já daquele firmamento concreto. Em que as nuvens eram peças divinas, por serem trecho do universo. Como estas, as outras se esfumarão. Dissipar-se-ão pela noite. Porque o raiar do sol impera. E não fosse este registo, tão manipulável, tão frágil que pode – quase - ocultar um objecto, nada ficaria, a não ser a memória daquele momento, sob o céu de fim de tarde, de tons mágicos. É por vezes atender a aparências, tão ténues e transitórias. Porquê deter-se naquele pequeno segundo candeeiro que mal se vislumbra. Assim o quis, aqui. Esta é a minha imagem. Só existe aquilo que se sente. O que ilumina este momento, talvez não se veja. Nem o sol. Nem a breve luz que os homens inventaram para que a noite não se enchesse de fantasmas. O que alumia incessantemente é a capacidade de contemplar, o desejo de ser vida, o querer… sempre.

terça-feira, 21 de setembro de 2004

Ada Negri

Ada Negri é natural de Lodi, na Lombardia, onde nasceu em 1870, filha de camponeses e veio a ser professora primária. Os seus primeiros livros reflectiam uma consciência social que se opunha às tendências simbolistas e esteticistas dominantes no fim do século. Mais tarde, a sua poesia evoluiu para incluir uma imensa afirmação de sexualidade feminina, muito diversa da tradicional poesia de amor em que as mulheres se confinavam (Il Libro di Mara, 1919). A sua expressão (derivada das liberdades e experiências métricas de Carducci e D'Annunzio) deixou por décadas de interessar à crítica italiana, largamente dominada pelo prestígio do "hermetismos" (uma poesia sábia e intimista que se desenvolveu durante a época fascista, como um refúgio contra as orientações oficiais, se bem que muitos dos "herméticos" tenham sido eles mesmos fascistas) que ainda comanda muito do gosto poético italiano. Ada Negri veio a falecer em 1945.”


Multidão


Uma folha tomba do plátano, um frémito sacode o cimo do cipreste, És tu que me chamas.


Olhos invisíveis sulcam a sombra, penetram-me como à parede os pregos,

És tu que me fitas.

Mãos invisíveis nos ombros me tocam, para as águas dormentes do lago me atraem,

És tu que me queres.

De sob as vértebras com pálidos toques ligeiros a loucura sai para o cérebro,

És tu que me penetras.

Não mais os pés pousam na terra, não mais pesa o corpo nos ares, transporta-o a vertigem obscura

És tu que me atravessas, tu.


Aquele Que Passa

O desconhecido que passa e te acha ainda digna de uma fugidia palavra de desejo,

Talvez porque na sombra da noite tão doce de Maio

Ainda resplendem teus olhos, ainda tem vinte anos a ligeira figura deslizante,

Não sabe que foste amada, por aquele que amaste amada, em plena e soberba delícia de amor,

E em ti não há membro nem ponta de carne ou átomo de alma que não tenha uma marca de amor.

Que tu viveste apenas para amar aquele que te amava,

E nem que quisesses podias arrancar de ti essa veste que o amor teceu.

Ele, ignaro, em ti já não bela, em ti já não jovem, saúda a graça do deus:

Respira, passando, em ti já não bela, em ti já não jovem, o aroma precioso do deus:

Só porque o levas contigo, doce relíquia à sombra de um sacrário.

in Poesia do Século XX, tradução de Jorge de Sena, Fora do Texto, Coimbra, pgs. 161,162
retirado de
http://www.terravista.pt/Guincho/2482/adanegri.html

quinta-feira, 16 de setembro de 2004

águas partidas



Em represas presas águas
julga-se que dali não fogem
nem partem
Falsa idade

Vão, vêm
gotas meninas de infância
até ao mar, até ao gira-sol
imperceptíveis

libertas presas de si
por serem águas tão-só

cativas de outras liberdades
serem mães de arcos de mil íris
ventres de flor de sal

sacias sedes salinas
salgas desejos marinhos

terça-feira, 14 de setembro de 2004

sagração


ao lado os ossos de antepassados, como que abençoantes ou meros espectadores
sobre os céus que se tornaram rosas ou lilases, flores que não houveram,
apenas a planta seca à beira do caminho das pedras, de seu nome alcachofra
cardo selvagem sem espinhos ao contrário das perfumadas
sob as lajes do forte, entre as muralhas ouviram-se ecos de outrora
de batalhas e cerimónias e de festejos – faltaria talvez a caleche ou o corcel que nos levassem em glória
porquê se ainda tão pouco fizemos? ainda falta tanto … uma vida, quem sabe…
foi há mais de uma semana no cima do ermo, tendo por testemunha tudo o que já foi
ou será mais eterno do que nós
e querendo-o ser, prometemo-nos.
mais que elos prata feitos de ouro
olhares constantes.