sábado, 31 de dezembro de 2005

Neste último dia do ano... Ou uma breve estória de um blog...

Foi há dois anos. Dois anos e 6 dias. Há meses que era frequentadora silenciosa da blogosfera depois de uma conversa iniciática com um amigo. O impulso para criar um meu era refreado pelas hesitações comuns. Que nome lhe daria? Teria alguma coisa para dizer aos outros? - Abro um parênteses para dizer que afinal, talvez o mais importante, foi o que tinha a dizer/a descobrir sobre mim própria -. Que iria ou poderia escrever de autêntico?

Alguns nomes já vogavam no pensamento. Nada de muito concreto. Também tinha receio de nomes mais ousados. Porque sempre suspeitei que o que escreveria aqui nunca seria uma mera fachada de mim mesma. Seria uma outra face. Na tarde anterior, lembro de estar à volta dos preparativos de Natal. Prendas. Fatias douradas. Era dia 24 de Dezembro. De repente, eram oito horas da noite, encontrava-me só, só com os meus passos ecoando no chão do átrio do Hospital de Santa Maria. Meus pais estavam lá dentro. A minha mãe internada de urgência em risco de vida. Essas horas assim se passaram. Em vez da consoada, a aflição. Em vez da troca de presentes, uma comunhão na preocupação. Nessa noite, que já não fazia sentido como noite de natal, deixei meu pai em casa e vim para a minha. Porque a solidão era necessária. Porque era a nossa inevitablidade.

E num impulso, aquele que ainda não tinha acontecido com aquela premência, criei um blog. Porque os nomes 'éfemero' ou 'efémera' já estavam ocupados - perante a vizinhança do espectro da morte, não havia melhor designação -, surge de súbito, este nome. Meu, agora. Talvez contradizendo o efémero, porque necessitava de um 'lugar' que considerasse meu, onde me pudesse sentir menos desconfortável que em todos os outros lugares mais reais que nessa noite (ou em toda a vida) me eram agrestes.

Por isso, à 1h 49m da madrugada de dia 25 de Dezembro escrevi 'Lá fora é noite de Natal'.

Porque tinha de o escrever. Porque tinha de o dizer. Não a ninguém em especial. Nem esperava ser 'descoberta' neste meu lugar, tão cedo. A 'rede' era mais pequena, bastante mais, mas não deixava de ser 'rede'. E admirei-me quando poucos dias mais tarde recebi o primeiro feedback, do Rui d' 'A Sombra', regresso que quase dois anos depois, saúdo. Como me admirei, há uns dias atrás com o prémio que o Golfinho atribuiu a este blog.

A partir daí, foi sobretudo a escrita. Mais do que companhia, uma construção, uma revelação, uma expressão de mim mesma. Quase uma segunda pele que descobria. Quando há coisas que não se dizem oralmente, a escrita acalma/colmata esta ânsia de expressão. Como na arte. Sem sentido. Porque é preciso, em nós próprios. Os outros...? os outros lêem e sentem, ou não. Talvez isso em mim seja mais importante, porque quando estou com os outros, não sou daquelas pessoas que fala muito. Por gostar de os ouvir. Por não querer ‘aborrece-los’ com as minhas coisas. Ou... talvez... porque tenho medo de me revelar. A maturidade vai ajudando... e já vou achando que tenho direito... e que me posso 'assumir'.

Mas esta rede também é uma 'rede' de afectos, porque é uma rede de pessoas. São pessoas que estão por detrás das palavras. E estes afectos ou encontros mais ou menos efémeros, de pessoas que nunca conheci, as que conheci, ou as que já conhecia fora do virtual, foram importantes, como muitas daquelas pessoas que fomos conhecendo ao longo da vida. Sei, que pessoas de que não conheço o rosto, ficar-me-ão para sempre na memória. Foi bom reencontrar amigos que já não via há anos, e vê-los numa outra faceta, e respeitar-lhes essa outra face com o resguardo da escrita mais 'confessional'. Foi esta 'rede' que me proporcionou conhecer o 'companheiro' da minha vida, numa ultrapassagem de todas as virtualidades, muitas vezes parcelares, para um encontro deveras real, inteiro.

Ultimamente tenho escrito pouco, aqui. Porque a vida, a vida do dia-a-dia, nos consome o tempo de disponibilidade para a escrita, para a criação. Porque os projectos que tenho em mãos, são-me importantes, seja os pessoais, sejam os profissionais. Porque há também um certo cansaço da blogosfera. Não tenho muito tempo para ler; às vezes, confesso, pachorra, também. E por vezes ainda resta um certo 'receio' de exposição - que este post contraria, eu sei, e ainda bem -, uma inibição qualquer, um pouco disparatada. Afinal, quem dá realmente importância ao que escrevemos nestes lugares?! Por vezes em momentos de vida adensamos o nosso sentir pelo que escrevemos ou pelo que lemos, mas no fundo são apenas estórias de vida, como as que lemos num livro, ou ouvimos na mesa ao lado do café.

O que importa...? O que importa é irmos fazendo coisas, criativas, se possível, construindo o nosso projecto de vida, connosco próprios e com aqueles que amamos, tendo os olhos postos no futuro, no horizonte, sentindo e desfrutando cada momento neste lugar efémero que é a vida.

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