quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

de corpo e alma...

estar tanto de alma que o corpo vai-se esgotando e perdendo aos poucos a condição de lugar da alma.
e a alma sem lugar evola-se.

ovo de colombo ou...

uma entrevista passa na rádio. música e conversa. num panorama muito pobre fico a ouvir como de música de fundo ou antes, ruído de fundo se tratasse. de repente entra pelos ouvidos uma questão: como se sabe que alguém gosta de nós? a resposta, se excluirmos os rodriguinhos e pormenores, resume-se a:
tendo tempo, se ele(a) arranja sempre tempo para estar connosco. a conversa volta a ser ruído de fundo. e a resposta desperta o meu pensamento. pode ser sim. não há dúvida que quem gosta, à partida, arranja sempre tempo. amizade, amor, gostar é dar atenção. é considerar o outro especial e, como tal, adequar o comportamento ao sentimento.
seria linear. é linear. pode ser linear.
ou não.
falta apenas considerar as múltiplas variáveis que levam alguém a estar com os outros - a precisar, a querer, a ... (ou não) que quantas vezes nada têm com o outro enquanto ser distinto e único e amável.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

... quelqu’un

qui fasse rire ton coeur...

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

grande coisa!

"E depois? Depois, nada. Morreremos, claro. Morreremos e teremos protegido nada. Teremos protegido o assunto inegável de termos sido humanos e de termos encontrado humanos. Humanos tristes às vezes, eufóricos às vezes, cobertos de lama às vezes. Teremos protegido o facto de termos tido braços que abraçaram, bocas, pernas que caminharam numa determinada direcção. Grande coisa. A nossa memória ficará preservada. Respeitada. Por quem? Por ninguém. Para quê? Para nada. Onde? Em lugar nenhum. Acreditamos que, por revelarmos momentos privados e embaraçosos, revelamos alguma coisa, damos alguma coisa. Sem nos apercebermos, somos muito mais fracos. Somos como primitivos que julgam perder a alma por haver quem fotografe a sua alma. Confundimos os nossos segredos com a nossa identidade, confundimos as nossas fraquezas connosco próprios e, sem que ninguém saiba, sem que ninguém possa saber ou ajudar-nos, transformamo-nos efectivamente nos nossos segredos e nas nossas fraquezas. A verdade existe no oposto desse medo. Quanto mais damos, mais nos permitimos ser. Quanto mais damos, mais somos."
José Luís Peixoto, in JL, 20 Dezembro 2006

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

da poesia de Maria Azenha

POEMAS DE INTERVENÇÃO E MANICÓMIO

A porta

arrombaram uma porta
na porta havia hortênsias
e álcool nas florestas
era uma porta de vento
uma porta para a neve

que espelhava fogos
incêndios
lentas violetas …

de um lado era uma porta
do outro
uma porta aberta

e cada pessoa que entrava
era metade da porta.
a porta que arrombaram
era só uma metade


a porta inteira era
a porta Oculta da Verdade



Gastos os dias

gastos os dias com palavras mortas
a minha loucura imaginação de pé
é ir pessoalmente dar os bons-dias
todos os dias,

às palavras mortas,


na vala comum dos actos de Fé!



Maria Azenha

http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/azenha.htm
http://www.triplov.com/azenha/
http://www.mulheres-ps20.ipp.pt/Maria_Azenha.htm#Textos%20online

como não…?

como não nos apaixonarmos pelas palavras se estas dizem de nós o que nem sempre conseguimos dizer? como não nos apaixonarmos pela figura que traçamos à semelhança das suas letras? como não sentir num efémero, um calor de uma qualquer fraternidade? como não permitir esse incesto ao ser apenas olhar? como não sonhar com as mãos percorrendo uma pele de amor? como não desejar o gosto de respirar na sua escuridão? como não inventar um palco e representar? tu e eu? como não…?
A Place in the Sun,1951
Real.: GeorgeStevens, c/Montgomery Clift, Elizabeth Taylor

medo

o medo ronda escondido
atrás das cortinas
como barragem num rio
surpreendendo as águas

o medo são margens
que de repente penetram
as lágrimas

o medo é abrigo
de um mendigo sem esmola

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

tempo no reino do sol poente...

quando o tempo não corre no trilhos do tempo dos outros… a intemporalidade… para quando há tempo...

uma outra rádio, onde somos embalados pela voz, pelas letras escutadas, pela música, pelos sons, por um imaginário... mágico.

http://comonocinema.blogspot.com/

para ouvir em poscast: http://comonocinema.libsyn.com/

as palavras

falam as palavras do silêncio
palavras surdas ou mudas
de um silêncio que deveria ser apenas silêncio
quanto muito música – som vago de tudo.

há palavras do silêncio tão ruidosas
como as outras,
tão ilusórias ou mais ainda que
as palavras palavrosas

as palavras falam o que dizem, mais
aquelas que as desditam
e ainda as que se entrefalam

as palavras do silêncio
são todas as que não se falam
e todas as que dizem e desdizem
e entredizem
e se calam

as palavras parem todos as palavras
permissíveis
e do silêncio
nascem todas as palavras
impossíveis

domingo, 18 de fevereiro de 2007

o mundo tão grande, gente tão próxima e tão distante. basta um olhar e acontece o enternecimento. a solidão faz crescer a sensibilidade às coisas belas. como se o sensível fosse irmão da utopia, por torná-las simultaneamente interiores e inalcançáveis. sim, fora de um alcance, não o da distância física, mas o que advém de uma delicadeza, de um respeito infinito por aquilo que é (raramente, mas é) a natureza (das coisas, dos seres, dos estares).
escolhe-se o silêncio. escolhe-se ou impõe-se?
num frágil barco no meio do mar tenta-se uma verticalidade quase impossível.
horizonte, meu horizonte,
aonde estás?

sábado, 17 de fevereiro de 2007

Cada dia um recomeço.
Em certos dias, parece que é no final desse dia que se faz uma espécie de balanço. Hoje um aperto, uma angústia. um não-querer, querendo-me entregar. Dou-me a uma tarefa mais ou menos maquinal, ocupando as mãos, os olhos, a atenção. Faço para não desfazer. Reuno pedaços de vida. Construo este puzzle. Uma linha cheia de nós. entrelaçados em tantas outras linhas. entrelaçada entrecortada entreamada.







[término dos posts inicialmente publicados no blog No Silêncio do Desert0]

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

no silêncio do deserto

num rasgo de coerência, este lugar atingiu a sua essencialidade.





terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

crescer...

Houve um dia, talvez não há muito tempo... era talvez uma véspera ou um dia seguinte... houve um dia em que pisava, para trás e para a frente, de frente para trás, as lajes raiadas e cinzentas. E a minha alma chorava. E eu continuava a pisar essas lajes pisadas. choradas. E o vento de tanto eu ir e vir secou as lágrimas e sussurou baixinho. Luisa, tens de crescer. E eu repeti. Tens de crescer. Luisa, tens de crescer. E continuei caminhando pisando as lajes, e depois as pedras e o asfalto e ... E o que o vento dos meus passos levou, o que o vento levou antes de eu escutar o resto... crescer até à alegria, crescer até seres criança na alegria.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

olhar de frente

não devia ter consentido aquele cochilo da tarde, mas ao fim e ao cabo era domingo, dia de pretenso descanso, e tinha-me levantado cedo. à noite, o sono insistia em não vir tão depressa como o habitual. quente, serena, procurava o melhor jeito, e sem dar luta e acordo, adormeci. sem o tempo da hora da vigília, lembro que despertei entre sonos, ou sonhos pesados. cada vez que voltava a dormitar regressavam aqueles esbatidos pesadelos. sempre distintos, é a vaga lembrança. dois, três ou quatro. passavam e no ligeiro despertar iam-se sem angústia. apenas ficava a apreensão de ter de acordar cedo. os terrores nocturnos só raramente são temidos, a compreensão das coisas, das suas relações, transporta a tranquilidade. o olhar de frente permite a segurança. e os pesadelos são distorções, alterações de uma percepção clara. no escuro, no sonho, a clareza de um ombro, um aconchego, e o adormecer profundo.
na manhã, no dia, nem reflexos de uma maior fadiga. afinal, basta olhar o mundo nos olhos e continuar a sonhar.

domingo, 11 de fevereiro de 2007

e a propósito do resultado do referendo

(e não só)...

a uma maior "liberdade" corresponde necessariamente uma maior responsabilidade (ou responsabilização).
Pode-se sempre optar. Há sempre escolha. Mas, em última instância, somos responsáveis por aquele caminho que se vai traçando, individual ou colectivamente.

sábado, 10 de fevereiro de 2007

há palavras que acariciam os sentidos. outras que apenas são escutadas pelo cinestésico. e nesse momento sente-se vida. mesmo que se esteja imóvel perante um qualquer universo.

*
queria subir para um eléctrico. amarelo. de andar ronceiro. de ruído antigo. de janelas abertas ao sol. e sorrir. sorrir para ti.

*
perdiosespaços. entreeleseaspalavrasnadaexistesenãoapalavra.anossa.

*
duas palavras. surgem enquanto conduzo. são sinónimos, mas não têm a mesma significação. não neste meu dicionário.

*

a limpidez. caminho devagar sem som. solidão é estar sob o céu cinzento quase água, olhá-lo como azul-sol e sorrir. pelas ruas tranquilas.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

noite

percorrendo com o olhar como se da ponta de um pedaço de lápis se tratasse. desenhando, contornando, traçando o aparente conhecido, revisitado, sempre. é num sentir a partir do olhar que se revela. é num tocar emotivo - comoção -, algures bem dentro, que consciente sem consciência, se desperta o que nunca adormeceu. o brilho. reflexo de luz... ou a luz transparente.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

por vezes toca uma campainha. há alturas em que atendo, outras que deixo à espera. às vezes sei de quem se trata, outras não adivinho à primeira. sei sempre quem são mas nunca ao que vêm. são breves ou demorados, chegam cedo ou pelo anoitecer ou ainda a qualquer outra hora do dia. silenciosamente ou algo faladores. partilhando o silêncio ou interpelando-os, sinto-os sempre próximos, afinal são os meus fantasmas. meus sim, não porque mais ninguém os veja, até porque numa outra realidade existem, não necessariamente da forma que os outros os divisam ou do modo como eles próprios se veriam a um espelho. meus assim como dizemos os meus amigos, os meus pais, os meus colegas, os meus… como se o estabelecimento de relações nos fizesse apropriar de algo desses outros. são meus, mesmo que numa vida inteira não sejam mais do que breves instantes. alguns esfumam-se num nevoeiro sebastianino, e se por fim tornam a aparecer ou não, é lá com eles; outros mais recorrentes, são também os mais chegados e tranquilos. e se uma coisa sei, é nunca ser estranheza, é somente o invisível.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

sobre o referendo

Nunca fiz um aborto. Nunca fiz um filho. Nunca tive um filho.
Voto Sim.

já namorei. já casei. e descasei. já amei. poderia ter tido de alguns dos homens que amei, um filho. já poderia ter tido de mim, uma filha. já o desejei. já o evitei. se o filho não tivessem que ter pai, talvez o tivesse tido. mas que direito tinha eu, de negar a um filho, a um maior amor meu, um pai? e não fui mãe. e não foi gerado, apesar de poder ser em amor. meu. mas nem todos temos de ser pais ou mães. nem todos sabemos ser mães ou pais. já houve momentos de amor em que nem pensei que o amor pudesse gerar um filho – há momentos em que apenas se sente esse momento, sem passado sem futuro. tive sorte. tive sorte? pelo menos, a sorte de não me ter que confrontar com uma escolha. a escolha de, pelo menos, de ter de colocar duas ou quatro hipóteses: sim ou não; e no sim, o reverso do lamentar posteriormente, e no não, a mágoa de ter pensado no sim. são os pesos das escolhas. podem ter de ser a priori ou a posteriori. e há escolhas que são sempre difíceis.
todas as mulheres sabem de outras mulheres que já fizeram abortos. mães, tias, irmãs… irmãs de condição. logo em pequena contaram-me que uma familiar muito próxima morreu de complicações por um aborto mal feito. já tinha filhos, três, não havia condições económicas para ter mais um. deixou-os órfãos, crianças. esta foi a primeira estória que ouvi, era muito miúda. depois outras estórias ao longo da vida. todas as mulheres sabem de estórias de mulheres que abortaram. todas as mulheres sabem que é traumatizante. e se aparentemente não o é tanto, é pela ocultação de tais sentimentos perante estranhos. raras são as pessoas que vêem as lágrimas da mulher. que sentem as suas dores físicas e as da alma. a sua culpa, o seu alívio, os sentimentos contraditórios. para não falarmos de consequências a nível da sua saúde.
já não basta o sofrimento próprio, ainda pretendem, alguns, manter a punição legal. esses alguns de falinhas hipócritas, de barriga cheia de falsos moralismos, outorgam-se de julgadores encovando sentenças como ‘não julgarás’. e no entanto, aonde estão quando se trata de ajudar efectivamente o outro?
não sou ninguém para julgar os outros, nem em crimes graves. quanto mais numa situação destas que para mim não é crime. e estranho, estranho sempre a falta de solidariedade entre as mulheres, para já não falar de compaixão. Se o aborto fosse um problema masculino, não duvido que houvesse essa solidariedade.
este é um assunto de mulheres, sim. estou farta de ver homens a auto-excluirem-se, de tantas e variadas formas. admiro (de apreciar e de me espantar) aqueles que não o fazem.
em 1998, fui votar. e no dia seguinte senti vergonha por ser mulher neste país, pelo resultado. senti revolta pela abstenção, pelo alheamento.
no dia 12, espero não sentir o mesmo. que a história não se repita. porque vergonha é ainda continuar-se a discutir este assunto, vergonha e crime é haver “clínicas” de vão de escada e celas prisionais destinadas a estas mulheres.